André Dratovsky*
Quantos talentos podemos desenvolver no Brasil? Já mostramos inúmeras vezes ao mundo que somos um grande celeiro de criatividade e inovação, e o que não nos falta é apetite e coragem. De um lado, temos jovens ávidos por uma oportunidade de estudar e ingressar no mercado de trabalho, do outro, um sistema financeiro engessado, míope, ineficiente e restrito a poucos. Há ainda um terceiro lado, senão o mais importante: as instituições de ensino, em sua maioria de pequeno e médio porte, que oferecem cursos de alto impacto na carreira, porém carentes e com acesso limitado às soluções financeiras adequadas.
Hoje, a principal entrave do setor educacional, quando o assunto é crédito, é a ausência de uma análise preditiva baseada no perfil comportamental e potencial de desenvolvimento profissional de cada pessoa. A experiência negativa que o aluno acumula na obtenção e tentativa de obter recurso para estudar, é inegável e triste. No Brasil, dois em cada 100 alunos são financiados pela iniciativa privada. Segundo o último censo do IBGE, em 2019, o País registrou 9,3 milhões de estudantes no ensino médio, dos quais 7,1% já frequentavam algum tipo de curso técnico. O universo de possibilidades é gigante. Mas, como um jovem na faixa de 18 a 25 anos, sem garantias, bens próprios, score de crédito e sem histórico de relacionamento com o mercado financeiro convence uma instituição tradicional de que precisa e é merecedor de crédito para estudar?
A situação fica ainda mais desafiadora e precária quando falamos de pessoas vindas de famílias de baixa renda. A maioria deles não tem, ainda, um emprego fixo com carteira assinada. O senso de urgência em relação a um emprego e renda conflitam com as formações superiores tradicionais, que duram de quatro a cinco anos. Como resolver esse gargalo, apostando no talento e esforço de alguém virtualmente desconhecido? A julgar tão somente pelo – em geral – limitadíssimo histórico financeiro do jovem e ignorar o propósito do crédito, o risco de inadimplência é alto e o mercado, sem saber como agir, não “paga pra ver”. Os mercados se tornam mais dinâmicos a cada dia, de sorte que as habilidades adquiridas são cada vez mais perecíveis, perdendo e alternando relevância no mesmo ritmo em que o avanço tecnológico e a automação dos processos avançam a passos largos.
A exemplo de países como a Alemanha – que acredita na formação profissional de alto nível independentemente da sofisticação da profissão ou reconhecimento social -, é fato que a educação superior tradicional deixou de ser o único e melhor caminho para o sucesso. Daí a minha total convicção na formação voltada para competências e no conceito de lifelong learning – que traduzindo seria ´aprendizado ao longo da vida’.
O caminho é a profissionalização, capacitar, capacitar. Tome-se por exemplo o segmento de cursos livres, que no Brasil estima-se em mais de R$ 23 bilhões por ano. São jovens, em boa parte bem-intencionados, sedentos por capacitação em áreas relevantes, a quem o crédito é negado tão somente em razão de sua limitação de recursos provisória, motivo pelo qual, de forma paradoxal e viciosa, o crédito estudantil é menos acessível por hora, a quem mais precisa.
De acordo com o Censo realizado em 2019 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), os cursos de educação profissional respondem por quase 2 milhões de matrículas por ano, sendo eles, juntamente com cursos livres, os caminhos mais rápidos e quiçá eficazes de inserção e atualização no mercado de trabalho. Já o relatório “The Future of Jobs”, do Fórum Econômico Mundial, revela que 97 milhões de empregos serão criados até 2025 relacionados às transformações tecnológicas.
Paralelamente, a lista do mesmo Fórum mostra as principais áreas em que estão concentradas as profissões do futuro e são elas: saúde, dados/inteligência artificial, engenharia/computação em nuvem, economia verde, pessoas e cultura, desenvolvimento de produtos, vendas, marketing e conteúdo. Essas áreas podem criar até 1,7 milhão de novas oportunidades ainda em 2021 e, até 2022, outras 6,1 milhões de empregos devem ser geradas.
Mas, teremos talentos capacitados para ocupar essas vagas? Retomo a indagação que fiz no começo desse artigo. Existirá sim muita demanda, ou seja, vagas ociosas e poucos talentos para preenchê-las.
Investimento de impacto: estamos longe?
A resposta é não. Estudo elaborado pela GIIN (Global Impact Investment Network) aponta que 91% dos 208 entrevistados reportam que seus investimentos de impacto alcançaram as expectativas de ganhos financeiros. Investidores têm procurado cada vez mais gestores profissionais que os ajudem a buscar oportunidades de investimento, que vão além do bem-estar social e ambiental, mas que atendam uma demanda da sociedade consciente e preocupada com o futuro.
Na esfera da educação, também trago boas notícias. Destaco o programa “ISA – Income Share Agreement” ou acordo de renda compartilhada – o nome mais popular vem do inglês e se baseia no conceito proposto pelo economista Milton Friedman, ganhador do Prêmio Nobel em 1955, em que escolas e investidores apostam, se arriscam e financiam os estudos dos alunos, em troca de compartilhar eventual sucesso no seu futuro profissional. A ideia de alinhar interesses do aluno, da escola e do investidor é, certamente, muito interessante, sobretudo quando falamos em ampliar o programa para estudantes em condições de alta vulnerabilidade social.
Em suma, a ideia de conceder oportunidade de ensino em troca de uma participação e retorno financeiro – fruto de seu possível sucesso profissional – é, sem dúvida, um grande passo que damos na educação e no poder que ela tem de transformar vidas e a sociedade.
*CEO e fundador da Elleve, fintech de crédito estudantil. É formado em Administração de empresas pela ESPM.