Denise Ramiro
A pandemia criou um cenário contraditório. De um lado, um ambiente de investimentos recordes – o setor de fintechs é prova disso; de outro, consumidores e, principalmente, investidores cada vez mais atentos às práticas sustentáveis das empresas com as quais se relaciona. Não à toa, a sigla ESG, ou ASG em português (ambiental, social e governança) ganha cada vez mais espaço e a cada dia conquista mais fintechs e outras startups. Até o Distrito, hub de inovação e fomento a startups já lançou sua iniciativa, assim como o inovabra habitat, do Bradesco, e um pool de fundos de venture capital também se envolvem e lideram debates sobre o tema.
Além do Impact Bank, do Social Bank e alguns outros poucos exemplos de fintechs pioneiras nesse tipo de preocupação no Brasil (leia reportagem publicada no final do ano passado) outras estão aderindo à pauta, desde o unicórnio Nubank – que acaba de criar uma diretoria dedicada ao assunto – passando pela também veterana Creditas, pela CashMe e pelos recém-nascidos Dank! Bank e a fintech de crédito para empresas LinKapital.
O Dank! já estreou ancorado em conceitos da agenda ESG. Chegou ao mercado em outubro do ano passado se apresentando como o banco que nasceu com um propósito, o de transformar digitalmente cidades. O plano é começar pelo município sede da fintech, Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, para depois expandir o modelo para cidades da região até se tornar nacional. Atualmente, 11 novos projetos estão em análise nas prefeituras vizinhas da sede do banco.
A preocupação está refletida no portfólio dos produtos. O Dank! Bank oferece, por exemplo, dois seguros que seguem o conceito de sustentabilidade, os seguros pet e o de vida com causa social. Ambos prevêem a doação de 10% do valor da mensalidade e/ou aporte mensal para projetos de mobilidade, sustentabilidade e parcerias comerciais e sociais apoiados pelo banco.
Outra iniciativa de conectividade é a biblioteca digital, que funcionará a partir de um totem a ser instalado em uma praça da cidade, no qual os livros serão acessados por um QR Code, atualmente em fase de desenvolvimento. “Não é só o financeiro que traz dinheiro. Nosso grande interesse é que nosso propósito de digitalizar cidades contagie e atraia fundos ou parceiros que queiram fazer negócios com a gente”, diz Cristiane Ramos, diretora comercial e de marketing. Outra estreante, a LinKapital, também já nasce com o propósito de doar 10% do lucro para uma de quatro causas – as empresas que tomarem empréstimos na fintech vão poder escolher na hora da contratação para qual vai a doação mensal. “Fazer o bem é um bom negócio e uma responsabilidade de toda liderança”, diz Renato Hersz, CEO e um dos sócios da fintech.
ESG Tech Lead 2021
O movimento ESG Innovation, lançado pelo Distrito no começo deste mês, visa impulsionar essa pauta conectando startups e empresas com soluções para alavancar a inovação com as melhores práticas. “Na nova economia, empresas competem para ser melhores para as pessoas, para o meio ambiente e para o mundo”, diz o anúncio da inicativa.
O primeiro passo será o lançamento ESG Tech Lead 2021, uma jornada de aprendizagem executiva para promover a liderança em boas práticas socioambientais e de governança corporativa, que acontecerá nos dias 7 e 8 de julho, contará com experts do mercado em mais de dez horas de programação online e gratuita.
A CashMe, fintech de crédito com garantia de imóvel da Cyrela, também está atenta à sustentabilidade. Seguindo os passos da pioneira Moss, anunciou em março a neutralização das emissões de gases de efeito estufa (GEE) geradas pelas suas operações dos últimos três anos, em uma parceria com a Biofílica, referência no mercado de créditos de carbono e projetos REDD+. A CashMe passou a apoiar atividades socioambientais do Projeto REDD+ Vale do Jari na Amazônia brasileira, neutralizando emissões históricas que somam 30 toneladas, sendo 10 toneladas de CO2 emitidas para entre 2018 e 2020.
O pontapé inicial foi dado em dezembro de 2020, com a criação da área de sustentabilidade e ESG. Com a iniciativa, a CashMe passou a ampliar os esforços internos para integrar o tema aos negócios, por meio de ações práticas, entendimento dos impactos, riscos e oportunidades. “Vimos que a neutralização das nossas emissões era uma ótima oportunidade para iniciarmos nosso movimento. Essa atitude é o começo da nossa participação nessa longa jornada para construção de um mundo mais justo e sustentável”, afirma Juliano Belo, co-founder da CashMe.
Mesmo crescendo a passos largos e de forma sólida, o Nubank – que nesta semana recebeu novos aportes de investidores –, criou a diretoria de ESG-Impacto e contratou Christianne Canavero para liderar. Em nota, o banco disse que a executiva chega com o desafio de fortalecer as iniciativas do banco nas áreas ambiental, social e de governança, reforçando o compromisso com o setor. Com passagens por multinacionais como Johnson & Johnson, Walmart e Dow, também esteve à frente da startup Studyfree Brasil, acumulando 15 anos de experiência em sustentabilidade, diversidade e inclusão.
A Creditas, plataforma de crédito e soluções financeiras 100% online, adotou recentemente medidas na empresa para auxiliar a saúde mental dos colaboradores como forma de manter a produtividade e qualidade da entrega. Entre elas, passou a oferecer meditação em grupo, aulas de yoga, sessões de terapia e programas de educação financeira. “A pandemia do novo coronavírus obrigou empresas e funcionários a serem mais flexíveis e resilientes. Por um lado, o trabalho remoto tem exigido mais dinamismo das empresas e, por outro, maior equilíbrio emocional dos colaboradores”, explica Larissa Justi, coordenadora de Wellness da Creditas.
A fintech percebeu que os impactos dos problemas mentais e emocionais no desempenho do colaborador, porém, não são de hoje. “Bem antes da pandemia, as pessoas já apresentavam sensibilidades em sua saúde mental, o que interfere diretamente no foco e desempenho no trabalho”, afirma Justi. Um estudo realizado pela Creditas e o Ibope Inteligência, em fevereiro de 2020, portanto antes da pandemia, mostra que 39% dos colaboradores tinham insônia por causa das contas atrasadas, sendo que 27% alegam que as dívidas impactam na autoestima e 10% acreditam que as contas atrasadas impedem o seu sucesso profissional.
Filantropia em investimentos de risco
Ainda que não seja exatamente uma iniciativa ESG completa – o foco é mais na letra S – e nem voltada especialmente para fintechs, os fundos de venture capital Carlyle, Pátria Investimentos, Vinci Partners e Warburg Pincus anunciaram em março último a criação do Instituto Órizon, organização não governamental fundada para coordenar os esforços e potencializar a eficácia do capital investido em filantropia. A iniciativa apoiará inicialmente ONGs focadas em educação, selecionadas através de edital, que pretende contemplar a organização vencedora com um aporte financeiro de até R$ 1 milhão em um prazo de três anos em ações de fortalecimento de gestão acordadas entre as partes. À ONG contemplada serão oferecidas consultorias nas áreas de governança, comunicação, auditoria, planejamento estratégico e captação de recursos, por meio de parceiros estratégicos que vão potencializar o impacto do investimento realizado.
Nova governança e consultoria acessível
As fintechs que começam olhar para a questão do ESG já se deparam com a nova governança do século 21, que pede abordagem mais abrangente para a questão. “O novo patamar ético da governança é o que gera valor não apenas para os acionistas, mas para toda a cadeia de stakeholders, sociedade, meio ambiente, consumidores, fornecedores, comunidades”, diz Thiago Burgers, sócio-diretor da Play Studio, consultoria de inovação e venture builder. A empresa presta consultoria na área de governança para grandes corporações e ajuda startups a implantarem modelos de governança na gestão dos negócios. A consultoria encontrou uma forma de viabilizar esse investimento, trocando seus serviços por uma parte do capital das startups atendidas.
Uma de suas clientes, a Closeer, startup que conecta profissionais de todos os setores a empresas e agiliza contratações nos modelos temporário, intermitente e fixo, tem um departamento de ESG desde o início das suas operações, em 2019. Uma das iniciativas, voltadas para a questão social, foi a parceria fechada em fevereiro deste ano com o Instituto Capim Santo (ICS), ONG que oferece curso profissionalizante em gastronomia para jovens que buscam mobilidade social, mas têm pouca ou nenhuma oportunidade no mercado de trabalho.
A nova governança foi tema na última quarta-feira do evento Um Novo Olhar sobre o ESG, realizado pelo Instituto Capitalismo Consciente (ICCB) em parceria com o inovabra habitat, ambiente de coinovação do Bradesco. Um dos debatedores, Claudinei Elias, CEO e fundador da Bravo CRC, empresa de tecnologia e desenvolve soluções para as áreas de governança, gestão de riscos e compliance, aponta a tecnologia como aliada dos pequenos e médios empreendedores na implantação do ESG dentro dos seus negócios. “Defendo um novo ambiente de governança, menos verticalizado e hierárquico e mais horizontal e responsável”, diz Elias.
Outro debatedor do evento, Silvio Genesini, conselheiro de administração da brMalls, Anima e Grupo Algar, disse que a pandemia surpreendeu quem achou que iria frear os negócios. “Quando a pandemia chegou, achamos que o mundo ia parar. Não parou, ao contrário, acelerou tudo com a transformação digital, tornando a governança ainda mais relevante no mundo dos negócios”, disse Genesini.
Rating e planejamento em governança
A BR Rating, agência de classificação de risco e avaliação dos sistemas de governança corporativa que nasceu em 2020, chega no momento em que a pressão do mercado pela implementação do ESG começa a alcançar os pequenos negócios. Criou um método com 92 práticas para avaliar o grau de governança das empresas. Segundo Marcos Rodrigues, sócio-diretor da empresa, o rating é estabelecido após o levantamento e o cruzamento de informações e dados. No final do processo, o cliente recebe um relatório, contendo a metodologia adotada e um plano de ação para desenvolver internamente. O resultado da avaliação, conforme Rodrigues, é sigiloso, serve como ponto de partida do planejamento estratégico do grupo.”As principais vantagens de ter um rating é a credibilidade que uma consultoria independente traz ao negócio e uma forma de conseguir obter capital e linhas de crédito mais vantajosas”, avalia Rodrigues.