Milton Machado*
A maior parte da população certamente não sabe, mas a legislação cambial brasileira não permite que uma pessoa envie dinheiro para quem quiser no exterior, mesmo que seja seu, oriundo de atividade lícita. Só é possível fazer remessas para os fins que constam na lista das 200 naturezas cambiais da circular 3690, de dezembro de 2013, do Banco Central, a exemplo das naturezas cambiais “37004 – Manutenção de residentes” e “37011 – Manutenção de estudantes”.
Não existe, por exemplo, nenhuma natureza cambial que permita enviar dinheiro a um parente ou amigo no exterior, por motivos pessoais. Existem, sim, outras características da legislação que acabam tendo esse efeito, mas, a rigor, essas remessas são ilegais. É possível até tentar enquadrar como doação, mas como são as instituições financeiras que fazem a classificação, elas geralmente usam essa natureza cambial para outras finalidades.
De acordo com a regulamentação cambial brasileira, remessas de até US$ 3.000 ou equivalente em outras moedas, não precisam de documentação que as justifique. Mas isso não significa que não precisem ser enquadradas em uma das 200 naturezas cambiais para enviar dinheiro ao exterior. Acima desse limite, é preciso explicar o motivo, por meio de documentos.
É diante deste cenário que o Senado discute mudanças na lei cambial brasileira, o Marco Legal do Câmbio, cuja proposta já aprovada pelo Congresso ainda não tem data de votação. Entre algumas mudanças estão:
- Compra e venda entre pessoas físicas de moeda estrangeira com limite de até US$ 500;
- Permitir transferências em reais para fora do Brasil(1);
- Permitir o pagamento de contas em moeda estrangeira no Brasil.
Com a lei atual, o que mais dificulta os empreendimentos na área de negócios internacionais, câmbio e remessas no Brasil é a regulamentação, e não simplesmente a lei civil e o código penal. As operações de câmbio deveriam ser tratadas como um negócio jurídico comum e não como algo excepcional, cheio de restrições, regras genéricas e com um regulador adicional.
As leis civil e penal brasileira já tipificam e preveem punição para toda a espécie de crime financeiro que se possa imaginar. Portanto, seria razoável que o Banco Central fosse o órgão que apenas registrasse e monitorasse as operações, encaminhando anomalias ou atividades suspeitas aos canais competentes para investigação e ações cabíveis.
É necessária uma mudança de paradigma. A legislação cambial brasileira deveria tratar o mercado de câmbio como qualquer outro, investigando e punindo apenas os malfeitores, a partir de informações coletadas e interpretadas pelo órgão.
Em suma, não há mudança alguma em princípios e conceitos nesta nova lei. São pequenas alterações que farão uma diferença ínfima no ecossistema de inovação na área cambial no Brasil e menor ainda nas fraudes e crimes financeiros envolvendo negócios internacionais. Certamente, surgirão novos negócios, mas sempre em número reduzido e com volumes de negócios miúdos, em relação ao tamanho do mercado, sempre reservado aos velhos amigos que continuarão a dar as cartas no mercado de câmbio.
(1)Atualmente isso já é permitido. Esse tipo de operação chama-se TIR (Transferências Internacionais em Reais). Não são muito usadas porque não há interesse em outros países em receber uma moeda tão fraca, instável e desvalorizada como o Real Brasileiro. É uma questão de mercado. Não é uma lei ou regulamento do Banco Central que faz nossa moeda ser aceita em outros países, mas sim o mercado
*CEO da dolareasy®, marca registrada da fintech Atlantis Pagamentos Eletrônicos, que simplifica envio de dinheiro para o exterior