O crescimento recente de bancos digitais, fintechs e empresas de cartões em linhas de risco, como cartões de crédito, provavelmente deve continuar a pressionar a qualidade dos ativos e a rentabilidade das empresas, uma consequência clara dos desafios estabelecidos pelo cenário econômico difícil do Brasil. A análise é da agência de classificação de risco Fitch, que divulgou um comentário sobre o assunto nesta semana.
Nos anos recentes, a agência aponta que a expansão das fintechs de crédito esteve centrada no potencial crescimento da população desbancarizada, o que inclui os consumidores mais jovens, com o cartão de crédito como o principal produto oferecido.
Era mais fácil prover soluções para quem até então se encontrava desassistido, e os players com uma barreira menor de entrada puderam se beneficiar e aumentar a carteira de clientes.
“Nos últimos três anos, o volume de originação de cartões de crédito aumentou 71,6% [dados do Banco Central], enquanto o saldo devedor cresceu 77,7%, representando 15,5% do total de crédito ao consumidor no Brasil (13,9% no ano de 2019)”, afirma a Fitch, no texto.
Dessa forma, as fintechs souberam aproveitar o período para aumentar a participação no mercado de cartões de crédito, saindo de 9,9%, em 2019, para 16,1%, em 2022. No mesmo período, os bancos digitais de médio porte também cresceram, mas em menor ritmo: de 13,5% para 14,9%.
Quem encolheu foram os ‘bancões’. Há quatro anos, as grandes empresas do setor financeiro detinham um market share de 75,6%, ante 67,3% ao final do ano passado.
Baixa renda
A Fitch destaca, ainda, o grande avanço entre os clientes de menor renda. A expansão de bancos digitais e fintechs entre os usuários que recebem menos de dois salários mínimos (isso levando em conta quem não possui renda comprovada) foi de 95,4%, com o saldo pendente saindo de 25,2% para 27,8% na mesma base de comparação.
Como consequência, era natural que as novatas do setor financeiro passassem a correr maiores riscos do que os players tradicionais. A alta das fintechs entre os clientes de maior risco foi de 235,8%, bem acima dos 66,9% registrados pelos bancos, “o que indica que essas entidades permanecerão mais vulneráveis a crises econômicas em 2023.”
Após esse rápido crescimento, os clientes de baixa renda representaram para 48,8% das dívidas de cartão de crédito pendentes de instituições financeiras não bancárias em 2022, em comparação com 23,9% dos bancos.
Perspectivas para 2023
De acordo com a agência de classificação de risco, as perspectivas para os próximos meses não são animadoras, mas sim de incertezas. A Fitch lembra, por exemplo, que enquanto recentemente o país vinha desacelerando o crescimento, a inadimplência do cartão de crédito para empréstimos de 90 dias continuou a crescer desde meados de 2021, chegando a 8,2% no final de janeiro deste ano — o nível mais alto em uma década.
Os motivos? O alto endividamento das famílias e o atual patamar das taxas de juros são apontados como os responsáveis por endurecer as condições as vidas das famílias na hora de quitar seus compromissos. Entre março de 2021 e setembro de 2022, a Selic saiu de 2% para 13,75%, encarecendo o custo do crédito na ponta para pessoas físicas e empresas.
Na baixa renda, os empréstimos inadimplentes de cartão de crédito passaram de 10%, em 2019, para 14%, em 2022.
“A Fitch espera que a inadimplência geral do consumidor permaneça alta ao longo de 2023, principalmente para empréstimos não garantidos, como cartões de crédito, uma vez que um redução substancial nas taxas de juros, endividamento das famílias e desemprego nos próximos meses é altamente improvável devido às atuais condições macroeconômicas”, detalha a agência.
E diz que as fintechs e empresas de cartões com uma única linha de empréstimos “provavelmente continuarão reportando métricas de qualidade de ativos fracas e margens pressionadas em 2023”, resultado da alta exigência de provisionamento e custos de financiamento.
Nesse cenário, a Fitch acredita que os bancos digitais e fintechs devem reduzir seu apetite por crédito nos próximos meses. Agora, o foco tende a ser em clientes com melhor qualidade de crédito — onde a concorrência é especialmente forte — e, ao mesmo tempo, na implementação de estratégias de cobrança para recuperar suas carteiras já estressadas.
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