Após um período de euforia, principalmente entre 2020 e 2021, as fintechs vivem desde o ano passado uma espécie de ressaca. É, então, um momento de colocar os pés no chão e mirar no crescimento sustentável. Num contexto que combina juros altos, inflação elevada e endividamento das famílias ainda nas alturas, não há outro caminho para as empresas do setor senão dar resultados. E nesse cenário, a tendência é que ocorra quase que um processo “darwiniano” de seleção natural das espécies — no caso, das fintechs que sobreviverão.
Esse é o quadro desenhado por executivos, especialistas e líderes de fintechs e de fundos de venture capital, que participaram de um evento para um grupo de convidados promovido pela agência de classificação de risco Fitch Ratings, nesta quinta-feira (9), em São Paulo.
Para Francisco Jardim, fundador e sócio da SP Ventures, gestora de venture capital especializada em agronegócio que investe em diversas agfintechs, as fintechs que não conseguiram atingir ‘unit economics’ positivo com “entrega de valor forte” para o consumidor estão “perdendo gás” e provavelmente serão incorporadas por outras empresas ou mesmo irão morrer.
Por outro lado, há uma série de negócios que sairão mais fortes da atual conjuntura e tendem a ser “consolidadoras” quando o cenário se tornar mais benigno, com juros menores e retorno do capital. “Acho que é mais um processo darwiniano de selecionar as melhores, aquelas que estão sobrevivendo. Então, vejo menos consolidação, e mais seleção”, disse ele.
Marcelo Buosi, cofundador e chief operating officer (COO) da QI Tech, enxerga espaço para a consolidação continuar no próximo ano. A própria fintech, que acaba de receber R$ 1 bilhão em um novo aporte, está de olho em oportunidades. “Os últimos dois anos foram duros para o mercado de fintechs: investidores cobrando rentabilidade, um negócio que não existia no passado, enquanto os empreendedores precisavam reforçar caixa, balanço e operações. Então, esse movimento de consolidação foi natural”, afirmou.
Oportunidades
Na visão de Caio Fasanella, diretor-executivo e head de investimentos da Nomad, a safra de startups que nasceram com a “abundância de capital” dos últimos anos deve gerar boas oportunidades. “Tem empresas que são mais ‘nichadas’ e possuem um lado disruptivo interessante, mas que talvez não tenham fôlego para crescer e dominar o mercado”, destacou.
No setor de investimentos, porém, o executivo não enxerga uma “grande necessidade de consolidação”. Em sua avaliação, o mercado é grande e, assim, tem espaço para diversos competidores. “Imagino que caibam alguns bons players, e eles podem conviver com as diferenças de prateleiras e propostas”, disse.
Para Jamil Marques, chief financial officer (CFO) e chief operating officer (COO) da Neon, existem muitos casos de empresas desenvolvendo ‘features’, e esses negócios podem ser alvo de outras companhias. “Vemos muitas startups que começam com um produto, vão evoluindo para multiprodutos, mas tem muita gente fazendo feature. Por exemplo, aproveitar o Pix para ‘capturar’ o salário que cai na conta do cliente. Aí acho que vai ter M&A, ou seja, gente comprando feature”, analisou o executivo.
Sobre o caminho para o lucro, Jamil cita o próprio exemplo da Neon, fintech com mais de 26 milhões de clientes, principalmente das classes C, D e E. “Temos rentabilidade, mas ainda não temos lucro. Nosso foco está totalmente para o lucro, e temos um caminho muito claro para isso. O que estamos fazendo é equilibrar dinâmica de capital, crescimento de carteira e custo fixo.”
Segundo Pedro Carvalho, diretor e head da área analítica de instituições financeiras não-bancárias no Brasil da Fitch, já é possível ver um ecossistema mais “saudável” do ponto de vista de análise de riscos. “Os cases que temos visto agora têm tido uma preocupação muito grande com o resultado. E não é falar de futurologia, é hoje, o presente já é rentável. De fato, buscar um crescimento sustentável”, disse. “Quando se tem essa mudança de cenário e filosofia das fintechs, é possível ter um melhor indicativo do futuro.”
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