Resultado consolidado de fintechs e bancos digitais de capital aberto cai 30% no primeiro semestre

Dario Palhares e Léa De Luca

A expectativa causada pelas aberturas de capital, a partir de 2018, de um pequeno grupo de fintechs e bancos digitais mais robustos ainda não se justificou. De seis instituições brasileiras listadas em bolsas de valores aqui e no exterior, somente duas – Banco Inter e PagSeguro – apresentaram resultados considerados consistentes por analistas no segundo trimestre do ano.

Mas, considerando a soma dos resultados dos seis, a queda é de cerca de 30% no primeiro semestre deste ano, em relação há um ano. Somando os lucros e prejuízos apresentados na tabela logo acima, chega-se a R$ 658 milhões e R$ 451 milhões, em 2021 e 2022 – queda de 31,5%. Fintechs Brasil considerou os resultados contábeis de todos, e um dólar médio de R$ 5,5 para converter os números do Nubank.

“Estamos bem céticos em relação às empresas financeiras de viés tecnológico”, diz Phil Soares, analista de equity da Órama Investimentos. “A decepção causada por seus resultados, contudo, tem relação direta com as premissas demasiadamente otimistas apresentadas em seus IPOs.”

O resultado tem relação direta, também, com o aperto monetário executado pelo Banco Central, como resposta à alta da inflação. A escalada da Selic, de 1,90% para 13,15% ao ano, elevou os custos de captação e, por tabela, os níveis de inadimplência das fintechs.

A Stone chegou a interromper a concessão de crédito entre abril e junho de 2021 e elevou suas provisões para perdas no segmento. Os ajustes surtiram efeito a curto prazo: depois de apurar prejuízo de R$ 155,5 milhões naquele período, a adquirente fechou os dois trimestres seguintes no azul, com lucros de R$ 132,7 milhões e R$ 132,2 milhões.

Vermelho de volta

O vermelho, no entanto, voltou a dar as caras no segundo quarto deste ano, quando a companhia registrou um prejuízo líquido de R$ 489,3 milhões, transformado em lucro ajustado de R$ 76,5 milhões. Divulgado em 18 de agosto, o resultado contribuiu para a saída do diretor financeiro Marcelo Baldin, que ocupava o cargo há quatro anos, e provocou uma queda acumulada de 25,2% na cotação do papel da fintech brasileira na Nasdaq, nos pregões dos dias 19 e 22. “Os disruptores no segmento de adquirência ainda estão devendo bons números”, diz Soares. “Não por acaso, portanto, a Cielo, que é um negócio mainstream, vem se valorizando no mercado.”

Exceção à regra nesse nicho, a PagSeguro vem merecendo boas notas dos analistas. A controlada do UOL reportou um lucro líquido de R$ 367 milhões no segundo trimestre, 34,92% acima do registrado em igual período do último ano. As receitas evoluíram em escala ainda mais intensa, somando R$ 3,9 bilhões, um salto de 62,5% em relação ao segundo quarto de 2021.

“A PagSeguro está trilhando um bom caminho e vem incomodando bastante a Cielo”, observa o analista João Gabriel Abdouni, da Inv, casa independente de análises. “O preço da sua ação, por volta de 2,5 vezes o valor patrimonial, está, talvez, um pouco elevado, mas o retorno sobre o patrimônio líquido, na casa de 11%, é muito expressivo, bem acima das demais fintechs.”

Entre os bancos digitais cotados em bolsas, o principal destaque fica com o Inter, que trocou a B3 pela Nasdaq em junho último, e apurou lucro líquido de R$ 15,5 milhões no segundo trimestre, revertendo com sobras o prejuízo de R$ 30 milhões no mesmo intervalo de 2021. Exceto o retorno sobre o patrimônio (ROE), de minguado 0,8%, os demais indicadores apresentaram crescimentos robustos: receitas totais de R$ 1,5 bilhão (+130%), carteira de crédito de R$ 19,5 bilhões (+56%), funding de R$ 25,9 bilhões (+46%) e 20,7 milhões de clientes (+73%).

“O Inter, com uma gestão mais austera do que outros grandes bancos digitais, está em consolidação e tem apresentado resultados consistentes”, diz Abdouni. “Com cotações próximas do valor patrimonial, seus papéis são opções que devem ser consideradas pelos investidores.”

Estranho no ninho

Presente na B3 desde 2007, o Banco Pan registrou queda no lucro, mas não entrou no prejuízo. A instituição pode ser considerada um estranho nesse ninho pois adota uma postura mais conservadora na seara digital, até em razão da sua origem no ramo convencional do setor. A controlada do BTG Pactual apurou no segundo trimestre um lucro líquido de R$ 194 milhões, que praticamente igualou o resultado do primeiro quarto do ano e ficou 4% abaixo do montante registrado em igual período de 2021.

O ligeiro recuo no resultado foi compensado pela evolução dos demais indicadores: carteira de crédito de R$ 36 bilhões (+11% sobre o segundo quarto de 2021), transações de R$ 21,5 bilhões (+195%), 20,9 milhões de clientes (+69%) e a manutenção do ROE na casa de dois dígitos (11,9%). O índice de inadimplência em prazos superiores a 90 dias cresceu 1,3 ponto percentual, mas a casa conta 88% de sua carteira de crédito colaterizada.

“Gostamos do Pan. É uma instituição com DNA tradicional que vem ganhando espaço no universo digital”, observa o analista Matheus Spiess, da Empiricus. “O banco conta com grande know-how em crédito, particularmente em operações consignadas e em financiamentos de veículos.”

Bem mais arrojado do que a dupla Inter e Pan, o Nubank divulgou, no início de agosto, um lucro ajustado de US$ 17 milhões no segundo trimestre, resultado 1,2% superior ao apurado em igual intervalo de 2021, e uma expansão de 250% na carteira de crédito pessoal, para US$ 2,1 bilhões. Regras contábeis à parte, os analistas deram maior atenção, no entanto, ao prejuízo líquido de US$ 39,9 milhões no período, que superou em 96,7% o vermelho registrado no segundo quarto do exercício anterior e em quatro vezes as estimativas de mercado, segundo levantamento realizado pela Bloomberg. Da mesma forma, os especialistas anotaram em seus caderninhos a elevação de 0,6 ponto percentual, para 4,1%, na inadimplência em prazos superiores a 90 dias.

“O desafio do Nubank é se tornar, de fato, rentável. Mas o mercado acredita no seu crescimento, como comprova o valuation das ações da fintech, que supera de quatro a cinco vezes o valor patrimonial”, diz Abdouni. “O Banco Inter, no entanto, é uma opção mais firme no momento.”

Sangue frio

Adquirida no início do ano pela XP, a Modalmais é uma aposta que também demanda sangue frio e paciência dos investidores. Depois de fechar o primeiro trimestre com lucro líquido de R$ 45,3 milhões, 88,4% acima do montante apurado no mesmo intervalo de 2021, a plataforma de investimentos engatou a ré no segundo quarto do ano, fechando o período com um resultado de R$ 26 milhões, 43,2% abaixo do lucro registrado entre abril e junho do último ano.

O tombo tem relação direta com a fuga dos aplicadores da renda variável, principal segmento de atuação da Modalmais, em razão da alta dos juros. Dois termômetros dessa tendência, de janeiro a julho últimos, são os resgates líquidos de fundos de ações, que somaram R$ 50,4 bilhões de janeiro a julho, e a captação positiva de R$ 83,7 bilhões pelos fundos de renda fixa, segundo dados da Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

“O Tesouro Selic e até mesmo a poupança jogam contra os operadores do mercado de ações”, diz Abdouni, que traça projeções declinantes para a Modalmais. “O fotograma atual da plataforma é positivo, mas o filme vem piorando e seguirá assim enquanto os juros permanecerem elevados.”

Enquanto isso…. bancões nadam de braçada

Os quatro grandes bancos listados na B3 esbanjaram vigor no segundo trimestre, ao contrário das fintechs.

O desempenho mais fraco do grupo foi o do Santander, que, com lucro de R$ 4,17 bilhões, ficou 2,15% abaixo do resultado obtido em igual período de 2021. O azul do Bradesco cresceu 11,5%, para R$ 7,04 bilhões, o do Itaú Unibanco 17,7%, para R$ 7,7 bilhões, e o do Banco do Brasil foi novamente às alturas. Depois de uma expansão do lucro no primeiro trimestre de 57,8%, para R$ 6,6 bilhões, a instituição federal alcançou no segundo quarto do ano um resultado de R$ 7,8 bilhões, 41,3% acima do reportado no mesmo intervalo de 2021.

“O lucro do Bradesco teve boa contribuição do ramo de seguros”, diz Phil Soares, da Órama Investimentos. “Já o Banco do Brasil contou, além das operações com o agronegócio, com a boa governança desenvolvida nos últimos anos, cuja excelência vem se refletindo nos números”.

A trajetória ascendente da Selic, iniciada na segunda quinzena de março do último ano, também ajudou, claro. Desde então, dos 20 últimos relatórios trimestrais divulgados pelo quarteto, somente dois não registraram evoluções dos lucros líquidos.

Ambas as exceções ficaram por conta do Santander: no segundo quarto deste ano e no

último trimestre da temporada passada, quando o banco apurou um ganho de R$ 3,8 bilhões, 2% abaixo do registrado em igual período de 2020.

De quebra, os gigantes também vêm cortando gastos. Segundo o Banco Central, BB, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander fecharam 2.189 agências de março de 2020 a dezembro último. O Bradesco é o líder: depois de cerrar as portas de 139 em 2019 agências, encerrou as atividades de outras 1.474 entre o primeiro trimestre de 2020 e o segundo deste ano. “O enxugamento da rede física, que teve início há quatro anos e ganhou intensidade durante a pandemia, vai continuar. A prática tem contribuído para os bons resultados do setor”, diz Soares.

Não por acaso, portanto, o setor vem atraindo de forma crescente as atenções dos investidores. Um levantamento da plataforma Trademap mostra que os quatro maiores bancos presentes na B3 registraram entre 31 de julho e 29 agosto, período em que foram divulgados os resultados do segundo trimestre, uma valorização de mercado conjunta de R$ 56,1 bilhões, com o Itaú Unibanco (R$ 20 bilhões) e o Banco do Brasil (R$ 16,3 bilhões) puxando a fila.

Já as ações das fintechs só acumulam perdas no ano, à exceção do papel do Banco Inter negociado na Nasdaq (ver tabela). “De uma maneira geral, as fintechs são muito boas para os seus clientes, mas tenho dúvidas se é possível dizer o mesmo em relação aos investidores”, assinala Abdouni, da Inv.

(Dario Palhares)

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