TRANSFERÊNCIAS

Pix Inteligente avança com três fintechs, mas ainda há muito a fazer

Adesão surpreendeu quem oferece a modalidade; desenvolvimento de ‘gatilhos’ para transferências anima fintechs

Foto: Gerd Altmann/Pixabay
Imagem: Gerd Altmann/Pixabay

O potencial é grande, mas o caminho é longo para botar no ar tudo aquilo que é possível fazer com as transferências inteligentes —ou “Pix Inteligente”, como o mercado costuma chamar. Três fintechs – Noh, Cumbuca e Mercado Pago – mergulharam na modalidade e já registram bons resultados, mesmo oferecendo pouco mais que o básico, e com alguns problemas de conversão. Os planos para 2025, contudo, prometem um game changing no sistema financeiro.

O Pix Inteligente é a poderosa fusão do Pix com o Open Finance. Apenas empresas com licença do Banco Central (BC) para atuarem como Iniciador de Transação de Pagamento (ITP) podem oferecer a modalidade. Mercado Pago e Cumbuca têm a licença de ITP, e a Noh não tem, mas usa o Iniciador, que é um ITP.

No desenho, um dia, será possível programar e automatizar transferências de valores entre contas do mesmo titular a partir de determinados “gatilhos”. Um deles seria quando atinge um saldo mínimo; ou quando uma conta fica sem movimentação por muito tempo. Esse dinheiro poderá ser movido diretamente para investimentos ou para o pagamento de contas já programadas.

A realidade atual, por enquanto, é outra. O desenvolvimento da tecnologia avança, mas clientes das instituições que oferecem a modalidade podem, apenas, “puxar” o dinheiro de maneira mais agilizada para outra conta (cash-in) após o primeiro consentimento.

Gustavo Lino, diretor-executivo da Associação dos Iniciadores de Transação de Pagamento (INIT), chama as transferências inteligentes de “um marco importante no trabalho de inovação do BC”.

“Além disso, terá impacto considerável na economia de tempo nos trabalhos operacionais das áreas financeiras das empresas”, complementa Gustavo.

Depósito com um clique

Na Noh, fintech de conta conjunta para casais, a novidade já teve a adesão de 40% da base de clientes que deposita dinheiro, segundo Ana Zucato, CEO da Noh. Não está nos planos da Noh tirar a licença de ITP no curto prazo, diz Ana.

Por enquanto, o caso de uso se restringe a depositar dinheiro de outro banco na conta Noh com um clique após o primeiro consentimento. “É como uma portabilidade de salário, que é o que o público queria e a gente não tinha. Eles movimentam todo o salário dentro da Noh”. Por enquanto, só é possível conectar uma conta bancária por pessoa.

O mesmo acontece na Cumbuca, que lançou a modalidade no início de novembro. Daniel Ruhman, CEO da fintech de compartilhamento de despesas, revelou que nos 20 primeiros dias da novidade, R$ 1 milhão foi movimentado via Pix Inteligente. “Foi com certeza o lançamento que fizemos que teve a adesão mais rápida neste ano”, diz.

Na fintech, os consentimentos foram dados principalmente para contas de bancos digitais, como Nubank e C6. “Isso mostra que são as pessoas mais digitalizadas, com essa cultura nativa digital. Achamos que teria mais resistência.”

Já no Mercado Pago é possível conectar um ilimitado número de contas — mas a funcionalidade segue restrita ao depósito manual para o público em geral. Para uma base de clientes restrita, começam os testes de depósitos recorrentes.

Até agora, são 700 mil contas bancárias autorizadas pelos clientes para enviar dinheiro com um clique. “Acima do que a gente esperava”, revela Felipe Sória, responsável por Estratégia de Negócios Regulados do Mercado Pago.

Adesão alta, conversões nem tanto

Se, por um lado, a adesão foi um sucesso, por outro, há problemas na conversão. Felipe conta que 36% completam a operação de autorização de consentimento, nível abaixo do esperado, segundo diz. “A média boa seria estar acima de 60%. Estamos sofrendo um pouco com isso.”

A causa pode variar desde erro técnico nos aplicativos dos bancos de origem até desistência do cliente.

“A gente não sabe onde o cliente se perde. Tudo que está dentro do nosso fluxo, já tivemos alguns problemas e melhoramos. Mas quando ele vai para o banco, redirecionado, para autorizar o consentimento, a gente não sabe qual é o problema que ele tem. Às vezes, o cliente precisa fazer duas ou três tentativas para completar.”

Ana, da Noh, também faz essa ressalva. “A conexão ainda não está 100%, por parte dos bancos. Tem muito cliente que tenta fazer o Pix e o dinheiro não vem porque o banco está com algum problema.”

Nenhuma instituição financeira — nem mesmo as que têm licença de ITP — é obrigada a oferecer as transferências inteligentes para seus clientes. Porém, os bancos tiveram até abril para implementar a infraestrutura tecnológica para fazer a nova modalidade rodar. “O produto é de implementação obrigatória para as detentoras de conta, porém é facultativo para as iniciadoras de transações de pagamento, que são as instituições que oferecem o produto ao cliente final”, explicou o BC em nota.

Questionado, o Bradesco informou em nota que acredita no impacto positivo deste novo modelo para seus clientes e prevê investir no desenvolvimento da solução no próximo ano. O Banco do Brasil informou está testando o pagamento de contas agendadas utilizando recursos de conta corrente de outra instituição financeira.

A conversa entre as instituições (neste caso, entre a Iniciador, que oferece o serviço para a Noh, e os bancos) é feita em tempo real pela plataforma de Service Desk da Estrutura do Open Finance, mas a instabilidade “reverbera” negativamente na fintech, defende a CEO.

Muito trabalho pela frente

Em nota, o Banco Central disse que desde o final do ano passado tem trabalhado com o Open Finance para construir um sistema de monitoramento de questões mais técnicas com “objetivo de acelerar a convergência a um nível de implementação que consideramos adequado”.

Os planos são muitos. “2025 é o ano do Pix Inteligente. Realmente acho que agora vai. Vamos permitir várias contas, várias conexões e várias regras, para a pessoa não só colocar dinheiro dentro da Noh, como também tirar e fazer seus pagamentos”, diz Ana.

Daniel resume que, na Cumbuca, o desenvolvimento dos “gatilhos” espera fazer “tudo com o consentimento do usuário, mas não necessariamente com ele presente”.

Integrar lógicas de negócio complexas e, ainda, torná-las interoperáveis entre múltiplos bancos fará das transferências inteligentes uma ferramenta valiosa para CNPJs.

Com o Pix Inteligente para PJ, “[há] um controle mais eficiente do fluxo de caixa. Integrando-se a sistemas ERP [enterprise resource planning], ela automatiza a gestão de fundos para garantir liquidez nas contas da empresa, antecipando lançamentos futuros, contas a pagar e pagamentos devidos”, aponta o Guia de Transferências Inteligentes, da Iniciador e Let’s Open. “Isso resulta em uma redução de custos de antecipação de recebíveis, melhorando a saúde financeira da empresa e assegurando liquidez para operações do dia a dia”, completa.

De olho no desenvolvimento de novas funcionalidades, Felipe admite que o potencial para gestão de caixa de empresas é infinito. Porém, o foco deve ser afinar a ferramenta enquanto ela ainda está restrita às pessoas físicas. “A gente está olhando com muito cuidado para não causar um desestímulo por ter uma barreira muito grande de entrada.”