As discussões no Brasil sobre uma regulamentação do uso da Inteligência Artificial (IA) talvez estejam sendo feitas cedo demais. A análise é de Guga Stocco, especialista em inovação e transformação digital. “A IA é uma tecnologia de propósito geral, como foi a energia elétrica. Pegando esse exemplo, eu nem sei se terá um liquidificador, e já vou regular [a tecnologia por trás dele]? Aqui no Brasil estamos passando por isso. Querem regular sem saber o que está por vir”, disse ele, em evento realizado pela empresa de tecnologia TQI, no último dia 11/6.
Para Guga, a transformação em curso provocada pela disseminação da IA está no início, mas empresas e profissionais precisam se adaptar o quanto antes se não quiserem ficar para trás. “A IA vai mudar a forma como a gente trabalha e como administra uma empresa. Tudo precisará ser recriado com o tempo”, enfatizou o especialista.
“Nós administramos empresas ainda baseados no século passado, como uma indústria, com organograma, pessoas, em uma engrenagem. E agora começa a ter engrenagens sendo formadas por agentes [de IA], com o ser humano orquestrando, e os dados são a gasolina disso tudo. Quais serão os liquidificadores que serão construídos? Quais serão os motores elétricos que vão mudar a sociedade? Essa é uma boa provocação.”
Em relação às regras para a utilização da IA, Guga reconhece a importância de se estabelecer limites e responsabilidades, mas não restrita à realidade local. Até porque cada vez mais as tecnologias são globais. “Uma regulamentção não pode ser muito delimitada porque a gente não sabe o que está por vir. Se os agentes começam a fazer a transação entre si, e eu conecto esses agentes no mundo inteiro, o Brasil é um quintal perto do mundo.”
Guga reconhece que a proteção ao consumidor é necessária, assim como a responsabilização por uso indevido. Mas a abordagem precisa ser diferente. “Não significa que seja laissez-faire. Você tem que proteger as pessoas, tem que pôr responsabilidade. Usou de forma errada, paga.”
Mudanças profundas
Para Gabriel Pinto, cofundador e diretor-executivo de Tecnologia (Chief Technology Officer, CTO) da Nomad, a IA vai além da adoção de uma nova tecnologia ou ferramenta. “Acho que boa parte das pessoas ainda não se deu conta do quão transformacional isso é”, afirmou ele, que também participou do debate. “No fundo, [a IA] vai mudar totalmente a relação do ser humano com o trabalho. Não vai ser um setor de IA, assim como não fala que tem uma área da empresa eletrificada.”
Em serviços financeiros, a transformação com uso de IA já começou. E o Brasil tem vantagem competitiva por ter um sistema financeiro bem desenvolvido, assim como regulações que incentivam a inovação, apontou Gabriel. “Ainda estamos no começo para identificar quais os impactos que a IA vai trazer no sistema financeiro.”
Para Guga, o setor financeiro globalmente passará por uma grande “disruptura”. Ele cita como exemplo o uso de stablecoins “inteligentes”, que, conectadas a agentes autônomos de IA, podem gerar rendimentos automáticos em plataformas DeFi (sigla em inglês para finanças descentralizadas) — sem depender de intermediários tradicionais. “E eu passo esse token para qualquer um, em tempo real, não importa se você está no Paquistão, na China ou no Brasil.”