No debate para a regulamentação da Inteligência Artificial (IA) no Brasil, representantes do Banco Central (BC) e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) defendem o equilíbrio entre gestão de riscos e fomento à inovação, assim como autonomia para os diferentes setores, a fim de evitar sobreposição de competências e garantir segurança jurídica. As visões foram expostas nesta quarta-feira (6/8) em audiência pública na Câmara dos Deputados.
Atualmente em tramitação na Câmara, o Projeto de Lei 2.338/23 foi aprovado pelo Senado Federal em 2024. O PL estabelece normas gerais para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de IA no Brasil. O projeto prevê, ainda, a criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de IA (SIA), coordenado pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Antônio Marcos Guimarães, consultor do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BC, sugeriu que o texto siga uma abordagem inspirada no modelo britânico. Nele, segundo o porta-voz do BC, os reguladores setoriais têm “certo grau de liberdade” na definição das regras para o uso da IA. Ele citou que o próprio BC fez uma pesquisa junto a quase 100 instituições para embasar uma regulação baseada em risco. “Com essa abordagem, você consegue estabelecer requisitos de custos de observância que seriam proporcionais aos riscos”, disse.
Regulação setorial
Antônio Marcos defendeu também que o SIA não se não se sobreponha à competência dos reguladores setoriais. Até porque cada setor tem sua realidade e suas particularidades, salientou ele. “A ideia é evitar que se implemente, inadvertidamente, uma abordagem do tipo one size fits all, em que você teria uma regra geral que se aplicasse a setores que são extremamente distintos”, disse.
Mesmo no setor financeiro, há diferenças significativas entre os tipos de instituições reguladas, assim como entre os perfis de operações, destacou o porta-voz do BC. “Há uma heterogeneidade muito grande. No segmento de crédito, por exemplo, é muito distinto o tratamento que se dá a uma operação de crédito com garantia imobiliária de um crédito direto ao consumidor, em que se analisa simplesmente o histórico de relacionamento do cliente com a instituição.”
Ainda de acordo com Antônio Marcos, a visão do BC é de que a IA vai muito além de uma tecnologia emergente. Trata-se de um instrumento de “reposicionamento geopolítico”, segundo ele. “Qualquer país que dominar a IA ocupará uma posição de liderança global, como hoje acontece com nações que controlam a produção de chips ou baterias de carros elétricos”, destacou.
Vazamento de dados e IA
A regulação setorial é fundamental quando o assunto é utilização de IA, argumentou também Adauto Duarte, diretor-executivo de Relações Institucionais da Febraban. Segundo ele, o setor bancário já opera sob normas que, na prática, alcançam o uso de IA. Por exemplo, a Resolução CMN nº 4.557, de 2017, que estabelece diretrizes para a estrutura de gerenciamento de riscos — incluindo riscos associados a tecnologias como a IA.
Adauto defendeu a importância de garantir respaldo legal para iniciativas de monitoramento com IA, como o uso de câmeras inteligentes em agências bancárias. Além disso, o porta-voz da Febraban também disse que a aplicação de multas, em casos de vazamento de dados com uso de IA, deve se basear na falha em si. “A sanção precisa recair sobre o erro, sobre aquilo que falhou e expôs o dado de alguém, e não sobre o tipo de tecnologia utilizada. Caso contrário, teríamos que criar uma regra para cada tecnologia usada”, argumentou.
Em sua apresentação, Adauto afirmou que o setor bancário brasileiro utiliza IA há mais de dez anos. As aplicações são variadas e incluem casos em segurança digital, automação de processos e concessão de crédito. Em 2025, os bancos no Brasil planejam investir R$ 47,8 bilhões em tecnologia, dos quais quase R$ 2 bilhões são dedicados à IA, lembrou ele.
Além do BC e da Febraban, a audiência na Câmara contou com a participação de representantes da Secretaria de Direito Digital do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), entre outras entidades envolvidas no debate da regulamentação de IA.