
Desde que entrou em operação, em 2020, o Pix deixou de ser apenas uma inovação financeira para se tornar parte da rotina do brasileiro. Hoje, é quase impossível encontrar alguém que não use o sistema, seja para pagar o cafezinho, dividir a conta do almoço ou fechar um grande negócio. Mas, apesar da popularidade, pouca gente faz ideia do que acontece nos bastidores dessa engrenagem tecnológica.
Por trás de uma transferência instantânea, há um ecossistema complexo e interdependente, que envolve desde Instituições Financeiras (IFs), fintechs, bancos, até Instituições de Pagamento (IPs) e Provedores de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTIs). Tudo isso se conecta para que, em segundos, o dinheiro saia de uma conta e chegue à outra. Na ponta dessa operação, estão o varejo e os consumidores finais, que são protagonistas visíveis de um processo sustentado por uma rede invisível de tecnologia, regras e coordenação.
O varejo — e outros setores também — buscam aproveitar o embalo do Pix e entender como se posicionar nesse novo cenário. A popularização desse meio de pagamento desperta interesse em participar dessa dinâmica. Mas há uma grande ilusão sobre as oportunidades para lucros exponenciais com essa intermediação financeira. Esses ganhos estão superestimados, porque fazer parte dessa operação não é trivial. Se a empresa não atuar no sistema financeiro e não tiver uma compreensão de toda a tecnologia envolvida, a chance de perder dinheiro é muito grande.
Uma evidência desse ambiente desafiador está nos incidentes e ataques que provocaram um impacto de cerca de R$ 1,5 bilhão em instituições participantes do ecossistema Pix e, consequentemente, exigiram uma postura mais dura do Banco Central. Entre agosto e setembro deste ano, o BC promoveu uma sequência de alterações nas normas para garantir mais segurança ao sistema Pix. Uma delas pode ter sido originária de empresas de serviços tecnológicos, intermediários, que precisam reforçar seus processos de segurança e governança, para não se tornarem alvo de estelionatários digitais. Isto também demonstra que se um dos participantes do sistema não estiver preparado, coloca em risco todo o sistema.

Mais integração, menos riscos
À medida que aumentam os requisitos de segurança e governança nas camadas que sustentam operações nos bastidores do Pix e do Open Finance, cresce também a atuação de agentes para monitorar acessos, padrões de comportamento dos usuários e modelagens. E tudo isso fica ainda mais complexo diante do avanço da Inteligência Artificial (IA).
Os incidentes de cibersegurança apontam uma grande assimetria de maturidade em termos de requisitos de segurança e governança entre os participantes do Pix. Mas qual é o caminho para diminuir essa assimetria? Como equilibrar a atuação desses participantes? Esse contexto desafiador revela a atuação crucial de um ator na engrenagem do sistema Pix: as empresas que atuam com integração das tecnologias.
Uma das funções das empresas de integração é prover um conjunto de capacidades para as instituições de forma geral, mais em especial com aquelas de menos maturidade para lidar com requisitos de segurança e governança. A variedade de recursos é ampla. Vai desde o desenvolvimento mais rápido, incorporação de novas tecnologias baseadas em IA até capacidades de segurança avançada, todas certificadas por órgãos internacionais.
Transparência define estratégias
Os diversos níveis de maturidade dos participantes são um fato deste mercado. Ter consciência disso faz com que todos se preparem melhor para operar. Quando o mercado lida com essa transparência, as empresas de integração conseguem acrescentar camadas tecnológicas, diminuindo essa assimetria. Assim, todos se beneficiam do aumento da estabilidade das operações. Incluindo as instituições de maior porte, reduzindo riscos sistêmicos nas transações e entregando mais robustez em todo o ambiente e serviços. Vale lembrar que o Pix e o open finance estão interligados, portanto, pontas mais frágeis afetam todo o sistema.
De acordo com dados do BC, existem cerca de 1,8 mil instituições autorizadas pelo regulador a atuarem no ecossistema do Pix, sem contar novos pedidos para IPs e provedores de serviços de ativos virtuais. No total, representam um ecossistema com 2,2 mil participantes. Cada um deles lida com formatos e padrões diferentes, ou seja, nos protocolos não são unificados.
O valor das empresas de integração está justamente em garantir a capacidade de tráfego dos dados de forma íntegra diante de uma série de ameaças no caminho. Essas companhias garantem que a informação chegue de forma adequada na outra ponta. Esse modelo permite que a transferência dos dados ocorra com segurança, precisão e rapidez, respeitando todas as etapas necessárias à gestão de governança. O risco diminui conforme cresce a capacidade de ser mais assertivo em análises preditivas.
Autonomia confiável embarcada na IA
É unanimidade o potencial da IA como maximizadora de qualidade e produtividade. Essa tecnologia quebra barreiras do conhecimento e da capacidade de análise ao democratizar o conhecimento de áreas específicas. Por outro lado, uma maior democratização do conhecimento traz a necessidade de aumentar os níveis de autenticação de confiança. Na prática, é preciso criar condições para que as ações sugeridas pela IA tenham um nível de confiabilidade adequado, longe de serem alucinações.
É fundamental que em todas as camadas da tecnologia seja praticado o conceito de trusted autonomy, que viabiliza confiabilidade da atuação em ambientes autônomos e cada vez mais complexos. É aqui que as integradoras entram com um ferramental bastante importante para estabelecer parâmetros e garantir que o processo conduzido pela IA seja preciso e confiável, seguindo as regras do negócio.
Um exemplo bem prático é a análise de transações com suspeita de atuação fraudulenta. A IA é aplicada para suportar a tomada de decisão, adicionando elementos numa dinâmica tridimensional, com análises de volume de dados e prazos impossíveis de serem executados por humanos.
No fim, a eficiência do Pix, assim como a de qualquer sistema financeiro que opere em tempo real, depende menos da velocidade de transição do dinheiro e mais da confiança que sustenta cada conexão por trás dela. As integradoras de tecnologia cumprem um papel silencioso, mas essencial, ao transformar complexidade em fluidez e risco em previsibilidade. À medida que a IA se consolida e a autonomia dos sistemas cresce com saudabilidade, será justamente essa combinação entre governança e inteligência que determinará o futuro dos pagamentos instantâneos no Brasil.
*Cofundador e responsável por Atendimento ao Cliente (Chief Customer Service) da Digibee