Bancos e fintechs | Imagem: Adobe
Bancos e fintechs | Imagem: Adobe

Durante anos, os correspondentes bancários desempenharam o importante papel de ser a ponte entre as instituições financeiras e os consumidores em operações de crédito Brasil afora. Eles eram incumbidos, entre outros aspectos, de oferecer serviços em regiões mais desassistidas. Há mais de uma década, quando os bancos começaram a reduzir o número das agências físicas espalhadas pelo País, os corbans foram estratégicos para continuar chegando aos clientes, sobretudo ao público menos digitalizado. Agora, porém, eles querem ir além. Conforme dados do Banco Central (BC), o número de corbans cresceu 101% entre 2006 e 2022, para 228,8 mil. E de lá pra cá, esse número também mais do que dobrou, para mais de 500 mil.

Para uma definição clara, os corbans são profissionais ou empresas contratadas por instituições financeiras e autorizadas por elas a realizar uma série de tarefas. Corbans incluem, por exemplo, casas lotéricas, agências dos Correios e até redes de supermercados. Podem disponibilizar de pagamentos simples ao recebimento de contas e boletos, passando pelo envio de propostas de empréstimos, à intermediação na contratação de empréstimos e, em alguns casos, até mesmo a abertura de contas digitais. Nesse modelo que existe há décadas, eles recebiam uma comissão sobre cada operação concretizada.

Com o olhar mais atento dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e do mercado de capitais no geral para o crédito consignado, dado o risco considerado baixo devido ao desconto automático na folha dos trabalhadores, os corbans entenderam que era possível deixar de receber apenas as comissões para ganhar uma fatia maior desse bolo por meio dos juros. É o que explica Gabriel Ramalho, criador do Corban360, evento nacional voltado aos correspondentes bancários. Esse movimento começou há cerca de quatro anos, de acordo com ele.

Gabriel Ramalho/Corban 360 | Imagem: divulgação
Gabriel Ramalho/Corban 360 | Imagem: divulgação

Produtos próprios

“Nos últimos anos, vários correspondentes bancários com volumes de produção mais expressivos começaram a olhar que, ao invés de apenas ganhar uma comissão, era possível ter um produto próprio através de um FIDC. Com o recurso dos fundos, eles notaram que era viável ganhar com juros, tendo um produto com a própria marca na qual participam dos riscos, mas também da criação das regras do jogo e atendendo a públicos que os bancos não querem ou não podem atender”, afirma Gabriel. Ao passar a operar como fintechs, os ganhos mais elevados também despontaram com novas responsabilidades.

Ele explica que, ao participar de uma cota subordinada de um FIDC, o correspondente precisa fazer aportes no fundo. Assim, se torna co-credor e corresponsável pelo risco – de inadimplência e eventuais perdas na operação – e pela performance da carteira. Para ter sucesso na captação de recursos (funding), os corbans precisam demonstrar a qualidade da carteira de clientes, comprovar processos sólidos de governança e expor sua capacidade de originação. Significa algo entre R$ 6 milhões a R$ 8 milhões emprestados ao mês, conforme Gabriel. 

Um outro fator para a “fintechzação” desses players é que operações populares de crédito com garantia, como o consignado, são sustentadas ainda pelos canais físicos. Neles, é necessária uma relação mais pessoal com o cliente, ressalta Túlio Matos, CEO da iCred. Fundada há três anos em Sergipe, a iCred é especializada em empréstimo pessoal com garantia. Oferece antecipação do saque-aniversário do FGTS e consignado para aposentados e pensionistas do INSS. Em um exemplo de corban que passou a operar como fintech, a iCred já originou, até então, R$ 4 bilhões. Seu modelo passa pela captação de recursos por meio de FIDCs. 

“Ele [correspondente] representa, de fato, a capilaridade que a instituição financeira precisa para alcançar uma cobertura geográfica continental no País. São 5,5 mil municípios [no Brasil]. Seria impossível pressupor que as instituições financeiras conseguissem fazer isso sozinhas”, diz Túlio. “Os bancos enxugaram drasticamente este canal de atendimento, todo mundo fechou agências, diminuiu contingente. E o correspondente ocupou esse espaço.” 

Descentralização da oferta

Além da humanização da oferta na ponta – aspecto considerado estrutural, tendo em vista o perfil de consumidor considerado mais desassistido – as regras mais flexíveis, colocadas em práticas pelo Banco Central (BC) desde 2013, com foco na descentralização da oferta, são compreendidas como passos importantes para a mudança de cenário.

Túlio Matos/iCred | Imagem: divulgação
Túlio Matos/iCred | Imagem: divulgação

A criação das Sociedades de Crédito Direto (SCDs), em 2018, ao lado do Pix, em 2020, e do Open Banking (hoje Open Finance), em 2021, também ajudaram a pavimentar o caminho para que os originadores não bancários tivessem mais autonomia para operar crédito. No cenário macroeconômico, a alta das taxas de juros levaram as instituições financeiras a direcionar os esforços para crédito com colateral, a exemplo do consignado.

No entanto, mais do que a solidez para entregar números comerciais elevados, são determinantes a competência para fazer a captação de clientes, o relacionamento mais estreito com aposentados e servidores e ter acesso a tecnologia.

“Você tem muitos correspondentes que são máquinas de vendas. Mas que, do ponto de vista tecnológico, de governança ou de plano de negócio, não conseguiram construir um modelo sustentável”, diz o CEO da iCred.

Na visão dele, players com uma cultura de compliance internalizada, reputação alta com bancos e o mercado, histórico positivo de autorregulação e uma longa trajetória de atuação estão mais propícios a ter sucesso como fintech.

Impulso do consignado

De acordo com Marcelo França, CEO e cofundador da Celcoin, a transformação dos corbans em fintechs passa pela inserção de crédito em qualquer ponto da jornada digital, com o embedded finance, e pela facilidade de originação sem a necessidade de um ponto físico tradicional. Além da expansão de produtos garantidos, como o consignado do INSS e o saque do FGTS, o avanço do consignado privado, com a criação do “Crédito do Trabalhador”, traz mais ferramentas para que os corbans ganhem vida própria. 

Entretanto, o executivo afirma que essa “fintechzação” sai do papel com nichos. Eles incluem, por exemplo, crédito para PMEs que trabalham com transportadoras, assim como BNPL (sigla em inglês para “Compre Agora, Pague Depois”) que atende lojistas. É diferente do modelo em um passado recente, em que os correspondentes funcionavam de maneira mais generalista.

Marcelo França/Celcoin | Imagem: divulgação
Marcelo França/Celcoin | Imagem: divulgação

“Há 10 ou 15 anos, você tinha uma lojinha representando um banco, dando crédito para todo mundo”, diz Marcelo. “Hoje, o correspondente acaba nascendo para dar crédito a um público específico, num momento específico. Com essa atuação mais nichada, a fintech consegue oferecer um crédito com condições muito melhores.” 

A avaliação do executivo é que o grau de profissionalização será determinante para o êxito dos corbans nesse novo jeito de fazer negócio. “A principal transformação é que ele passa a conhecer e assumir o risco da operação. Ele precisa fazer uma boa modelagem e inteligência de crédito, conceder de forma correta e rentável e precificar a taxa de acordo com o risco e a inadimplência esperada”, afirma Marcelo.

A Celcoin conta atualmente com mais de 300 fintechs, correspondentes e originadores que utilizam a sua tecnologia para chegar ao cliente. Para esse ecossistema, a empresa faz desde a gestão de contratos e bancarização até o fornecimento da infraestrutura de pagamentos, Open Finance, APIs para SCDs, FIDCs e originadores. Além disso, disponibiliza ferramentas de cobrança e gestão da carteira.