
A inovação tecnológica com pitadas de ousadia do Banco Central (BC) levou o setor de meios de pagamento do Brasil a um outro patamar no cenário global. Grande parte desse reconhecimento se deve ao Pix. Esse movimento é percebido, sem falsa modéstia, pelo regulador, que se torna mais estratégico ao anunciar grandes passos na agenda do sistema de pagamento instantâneo.
Na última semana de novembro, em uma audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Gabriel Galípolo, presidente do BC, afirmou ter uma fila de pedidos de bancos centrais ao redor do mundo interessados em estabelecer convênios com o BC, motivados pelas inovações lançadas no Brasil. Apesar desse interesse, Galípolo é conservador sobre avanços na agenda Pix, por estar consciente das limitações em relação a orçamento e equipe do BC.
Para os especialistas em meios de pagamento, o mais provável é que a agenda de internacionalização caminhe lentamente, sem grandes novidades, pelo menos, nos próximos cinco anos. Gastão Mattos, cofundador e CEO da consultoria GMattos e um dos principais especialistas em meios de pagamentos no Brasil, não enxerga espaço para ocorrer um processo de internacionalização do Pix antes de 2030.
Em junho deste ano, durante o Febraban Tech, Breno Lobo, chefe adjunto do Departamento de Competição e Estrutura de Mercado Financeiro do BC, sinalizou que um projeto de interconexão com meios de pagamentos instantâneos de outros países só entraria na agenda do regulador brasileiro a partir de 2028. Ele afirmou que o BC prefere investir em agendas prioritárias para o arranjo, por exemplo, o Pix Automático e o Pix Parcelado.
Plataforma global
Os pagamentos instantâneos são uma tendência global, e todos os países terão suas próprias redes de real-time payments, diz Antonio Soares, CEO da Dock. Nesse cenário, a evolução natural é a interoperabilidade entre essas redes, com potencial de transformar processos de câmbio e transações cross-border, que são as operações envolvendo países diferentes.
“Não vejo um Pix internacional, mas interoperabilidade entre redes de pagamentos instantâneos, como o que se tem hoje em interoperabilidade em cartão de crédito. Hoje a cripto faz isso, move dinheiro de um país para outro de uma forma mais ágil, seja cripto ou stablecoin”, diz Antonio.
A operação com stablecoin pode ser lastreada em diferentes moedas, o que facilita a transação cross-border, além de reduzir seus custos, avalia o CEO da Dock. A infraestrutura tecnológica já existe, é preciso avançar em regulação, para evitar evasão de divisas e outras implicações. Mas é um caminho sem volta, afirma ele.
O executivo observa, ainda, que o desenvolvimento de estruturas análogas ao Pix apresenta componentes semelhantes no mundo inteiro. A diferença, no entanto, está em adaptações locais. Na Colômbia, onde está em operação uma rede de pagamentos instantâneos, o Bre-B, Antonio diz que a Dock opera com a mesma infraestrutura que atua no Brasil e está atenta às regulamentações específicas de cada país. Os próximos movimentos que chamam a atenção da Dock na América Latina se concentram no México, que deve lançar mais uma categoria de pagamentos instantâneos.

“O Pix, para nós hoje, não é um produto, é um trilho de pagamentos, porque você pode construir diversas coisas em cima dele. E o ponto que a gente viu no Brasil é que pagamentos instantâneos, de fato, são revolucionários. Eles criam um caminho primeiro para inclusão bancária e depois para inclusão financeira”, ressalta Antonio.
Na análise de Gastão, para avançar na internacionalização, é preciso investir em um projeto que traga volume de transação. O especialista lembra que até pouco tempo o BC estava acompanhando o desenvolvimento do projeto Nexus, que é um iniciativa do BIS (Bank for International Settlements, em inglês), o Banco para Compensações Internacionais.
Previsto para entrar em operação em 2026, integrando mercados da Ásia (Índia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia), o Nexus tem estado no radar do BC, mas sem muitas definições. Para Gastão, seria fantástico se o Nexus ganhasse escala e pudesse integrar sistemas em operação na Europa e nas Américas. “O Nexus é um projeto que faz sentido, mas ainda está restrito a nichos interessantes da Ásia, porém não são os principais da região. Seria melhor se tivesse uma plataforma global de interoperabilidade”, defende.
EUA testam novo padrão em 2026
A busca por facilitar a experiência em uma transação financeira está inserida em uma agenda global do setor de meios de pagamento. Essa busca acontece também nos Estados Unidos, onde um novo padrão para pagamentos por QR Code estará disponível em 2026.
Para o usuário, o processo será transparente, a transação é efetuada a partir da digitalização de um QR Code. Assim, quem adotar o novo padrão de pagamento por QR Code pode oferecer a clientes uma experiência de pagamento mais rápida e segura, sem a necessidade de compartilhar dados bancários, explica Carlos Netto, o “TK”, cofundador e CEO da Matera.

O desenvolvimento desse padrão tem sido conduzido por um grupo de trabalho do Accredited Standards Committee X9, espécie de comitê estabelecido nos Estados Unidos para o desenvolvimento de padrões de meios de pagamento. Conforme TK, o sucesso da experiência brasileira de pagamento instantâneo foi o passaporte para a Matera entrar nesse grupo.
“O sucesso do Pix nos últimos três anos foi uma inspiração para a Matera ingressar no grupo. Ter participado do grupo de trabalho que desenvolveu o meio de pagamento instantâneo no Brasil nos deu experiência, pegamos carona nesse sucesso do Pix”, diz TK.
A expectativa é que o novo padrão tenha uma curva de crescimento semelhante ao do Pix. Isso porque o mercado dos Estados Unidos é maior. Além disso, o padrão não tem uso restrito a bancos. “O aplicativo está disponível também para exchanges e redes de blockchain”, ressalta o CEO da Matera.
Fim do cartão de crédito?
O burburinho em torno do lançamento do Pix e dos anúncios de aprimoramento suscitou expectativas que não se tornaram realidade. A maior parte delas está diretamente ligada às comparações com a indústria de cartões de crédito e débito. “É um exagero a história de que o Pix vai acabar com o cartão de crédito”, diz Gastão.
De acordo com números da Abecs, associação do setor, os pagamentos com cartões no terceiro trimestre de 2025 cresceram 10,5% ano contra ano. O valor transacionado por meios eletrônicos de pagamento foi além de R$ 1,1 trilhão, um dos melhores resultados para um terceiro trimestre.

Nos últimos seis anos, período que inclui o ano anterior à pandemia de covid-19, dados da Abecs registram expansão do cartão de débito nas transações online. O crescimento foi 19,4% no terceiro trimestre de 2025 em relação ao mesmo período de 2024. Na comparação com o período pré-pandemia, a adoção do cartão de débito em compras não presenciais subiu 471,1%, enquanto o crédito avançou 210,5%.
Os cartões (crédito e débito) tiveram comportamento expressivo também em pagamentos recorrentes. O crescimento foi de 32,3% no terceiro trimestre de 2025, comparado ao mesmo período de 2024. Em termos de movimentação, isso significou R$ 36,9 bilhões.
Gastão ressalta que, nos últimos cinco anos, os dados indicam que o Pix alavancou o uso do cartão de crédito. “Claro que não foi somente pelo Pix, há situações que aconteceram nesse meio tempo. O lançamento do Pix coincide com a pandemia, que acelerou o uso do cartão globalmente. Os dois convivem”, diz.
*Especial para o Finsiders Brasil