Opinião

Pagamentos por biometria: como ultrapassar a próxima fronteira da conveniência?

Bruna Cataldo*

Atualmente, realizar pagamentos nunca foi tão simples, e as expectativas apontam para uma ainda maior facilidade no futuro. Isso se deve ao boom dos pagamentos à distância, como os feitos em aplicativos e no comércio eletrônico, bem como por meio de aproximação, seja com cartões físicos ou com carteiras digitais. A tendência agora é o pagamento por meio da biometria.

Uma evolução que permite a substituição de senhas e do próprio porte de quaisquer gadgets (dispositivos eletrônicos portáteis) pela autenticação de transações por meio de dados de biometria facial ou de digitais armazenados no momento do cadastro, a modalidade está em forte ascensão, com previsão de crescimento de 365% nos próximos 5 anos, de acordo com o relatório Mobile Payment Biometrics da Juniper Research.

Grandes players apostam na biometria

Os pagamentos por biometria são mais rápidos, eficazes e seguros em comparação com outras formas de pagamento, e essas três características têm atraído a atenção do mercado. O interesse do público por essa modalidade começou a ser observado pelo menos desde 2017, mas foi durante a pandemia, com a consolidação dos pagamentos digitais, que a tendência da biometria realmente se destacou.

Em agosto de 2023, foi anunciado que as soluções de biometria de carteiras digitais, como Apple Pay e Samsung Pay, atingiriam 800 milhões de dispositivos até 2025. No entanto, nesse formato, a integração com o processo de checkout ainda não está completamente consolidada, apesar de ser a tendência apontada para os próximos anos. Em 2021, a Statista já havia identificado que  4 em 10 pessoas no Reino Unido haviam utilizado a biometria para autenticação em carteiras digitais, porém, ainda não havia sido observado um fenômeno significativo no processo de checkout.

Na verdade, a Ásia, e em particular a China, está liderando essa tendência. Já em 2021,  21% dos usuários das gigantes tecnológicas Alipay e Tencent no país estavam realizando pagamentos por meio de reconhecimento facial. Isso trouxe vantagens notáveis, incluindo a redução do tempo de pagamento, que já era rápido, de 15 segundos para apenas 1 segundo.

No Brasil, essa modalidade começa a chamar a atenção. Grandes varejistas, como a C&A , recentemente implementaram opções de checkout com pagamento por reconhecimento facial em suas lojas. No entanto, para utilizá-lo, é necessário possuir a carteira digital própria da loja e, no momento da compra, é preciso inserir o CPF e uma senha, o que diminui a conveniência originalmente prometida. Mesmo assim, esses produtos estão em estágio inicial de desenvolvimento em uma tendência na qual o Brasil é visto como uma grande aposta

Tanto é considerado um mercado importante para a adoção dessa modalidade que, em 2022, São Paulo foi escolhida pela Mastercard para realizar o piloto de seu produto de pagamento com biometria, o Programa Checkout Biométrico. Neste programa, os clientes podem se inscrever para cadastrar suas imagens no banco de dados e efetuar o pagamento de suas compras apenas sorrindo para a câmera ou acenando com as mãos em um leitor, uma opção também utilizada pelo produto de pagamento biométrico da Amazon.

Com os movimentos do mercado indicando que grandes players do varejo e da tecnologia estão apostando na conveniência da biometria como uma maneira de atrair novos clientes – além do potencial que muitos veem na tecnologia para reduzir fraudes – a expectativa é que o mercado como um todo siga essa tendência ao longo dos próximos anos. No entanto, especialistas alertam para os riscos e desafios que aqueles que planejam implementar essa modalidade em seus negócios devem considerar.

Conveniência x privacidade

Embora represente um grande avanço em termos de velocidade e segurança, com uma maior precisão na identificação do pagador, o crescimento dos pagamentos com biometria gerou um alerta automático entre especialistas em relação à privacidade e à segurança do lado oposto desse relacionamento: garantir que dados tão sensíveis estejam protegidos nas mãos das empresas uma vez disponibilizados. A preocupação se baseia na seguinte questão: um cartão roubado pode ser substituído, mas como lidar em caso de roubo de informações e dados biométricos dos clientes?

Não se trata de um alerta exclusivo ao avanço da biometria em particular, mas abrange todos os desenvolvimentos dos pagamentos digitais, devido ao aumento recente nos casos de vazamento de dados. No entanto, visto que os dados em questão são consideravelmente mais sensíveis, a preocupação é ampliada. Essa apreensão não é apenas compartilhada por especialistas, mas também pelos próprios consumidores, que veem a questão da privacidade e segurança dos dados como obstáculos, apesar de estarem entusiasmados com os benefícios do pagamento por biometria.

Em 2021, 65% dos consumidores relutavam em aderir por medo de terem a privacidade comprometida. Em 2022, a maioria do público disse não considerar a legislação relacionada à biometria suficiente, com destaque para a Europa, onde  62% têm esta percepção. Em países como os EUA, 74% dos adultos relataram preocupações de aderir por conta da privacidade. Os exemplos regionais podem ser resumidos pelos resultados da pesquisa de 2022 que colocaram a proteção dos dados como principal barreira para o crescimento do mercado global de biometria, não apenas nas aplicações de pagamentos.

Ainda assim, há lugares onde a preocupação não chega a ser um impeditivo ao uso: na Ásia-Pacífico, 72% dos entrevistados em uma pesquisa relataram preocupação com os dados biométricos, mas 53% disseram que os compartilhariam para fazer pagamentos. E o piloto da Mastercard em São Paulo mostrou cenário ainda mais otimista: 90% relataram grande conforto com o produto, com 76% afirmando que recomendariam.

Essas percepções indicam que, mesmo que haja preocupações, existe um caminho para convencer o consumidor a aderir: abordar essas preocupações e convencê-lo de que seus dados estão sendo adequadamente protegidos e utilizados. Embora isso possa e deva ser realizado por meio do reforço regulatório em proteção de dados, também é do interesse das empresas agir de forma voluntária para implementar tais soluções.

De fato, o cenário sugere que estratégias de desenvolvimento de produtos centradas na proteção de dados e segurança podem ser um diferencial na atração de novos clientes. Os consumidores já demonstraram um interesse contínuo por soluções que aumentem sua conveniência. Portanto, a chave para convertê-los não é tanto despertar o interesse pelo produto, mas assegurar que ele possa ser usado com segurança.


*Head de Pesquisa do Instituto Propague e colunista do portal Fintechs Brasil