Dario Palhares
As investidas na seara dos bancos e instituições assemelhadas tendem a ganhar ainda mais escala, a curto e médio prazo, a partir do surgimento dos iniciadores de transações de pagamentos (ITPs). Depois do Mercado Pago, que no dia 16/2 foi o primeiro a atuar como ITP na prática, mais fintechs devem passar a oferecer o serviço. A Celcoin conseguiu seu pedido em dezembro, e espera passar a atuar em breve, assim como a Quanto; a recém-criada fintech Cumbuca, que anunciou sua rodada seed recentemente, já declarou interesse. A Celcoin já tem as principais certificações de segurança e a expectativa é entrar no ar no fim de março. Segundo os entrevistados, depois delas, muitas outras virão.
Regulamentados pelo Banco Central (BC) no fim de março de 2021, por intermédio da Resolução 80, os ITPs respondem, exclusivamente, pela indicação do destino dos recursos de seus usuários. A regra do BC proíbe esses intermediários de gerenciar contas de pagamento e de deter, em qualquer momento, os fundos transferidos nas operações.
A novidade promete alavancar o uso do Pix no varejo digital, já que aquisições de bens e serviços no comércio virtual, quando realizadas por meio do sistema de pagamento instantâneo, têm como ponto de partida, necessariamente, os aplicativos instalados nos smartphones dos compradores. Seu principal diferencial, no entanto, é a garantia de uma maior comodidade ao público, que não precisa acessar diferentes aplicativos para efetuar as movimentações ou administrar créditos.
“Os ITPs vão aquecer o mercado de pagamentos, contribuindo para a melhoria da experiência dos usuários”, diz Pérez, da ABFintechs. “Eles podem, por exemplo, gerir os saldos mantidos em vários cartões de um mesmo titular e direcioná-los para um pagamento específico.”
Na prática, além do Mercado Pago, a porteira aberta pelo BC foi cruzada por apenas três nomes: Visa, Mastercard e WhattsApp. Controlada pela Meta (novo nome do Facebook), a empresa digital agregou ao seu sistema de mensagens, em maio de 2021, uma função voltada a pagamentos e transferências de recursos, por meio de cartões de débito de dez instituições, com limite mensal de R$ 5 mil.
Com 20 milhões de clientes ativos, o Mercado Pago deu início às transações por meio do Iniciador de Pagamento permitindo aos clientes realizar transferências via Pix de outras instituições a partir do próprio aplicativo, inaugurando a modalidade no país efetivamente. Fizeram parcerias com algumas instituições e começaram a testar a funcionalidade, que será liberada de forma escalonada.
“O próximo passo, que estará disponível nos próximos meses, será permitir ao cliente realizar compras em lojas físicas e e-commerces a partir do app do Mercado Pago, utilizando diretamente o saldo disponível em contas de outras instituições financeiras. Isso permitirá aos clientes uma melhor gestão financeira, simplificando a experiência de compra em milhares de estabelecimentos físicos e online”, disse o Mercado Pago, em nota.
Em uma etapa seguinte, o Iniciador de Pagamento poderá possibilitar aos brasileiros movimentar todos seus internet bankings e apps, viabilizando pagamentos, investimentos e até contratação de seguros, tudo a partir do app do Mercado Pago. “O avanço da agenda do Open Finance será fundamental para seguirmos inovando e oferecendo soluções financeiras e de pagamentos simples, seguras e acessíveis. A iniciação de pagamento abre portas para inúmeros casos de usos, que revolucionarão a experiência do usuário. Os clientes poderão manter seu dinheiro na instituição que lhe oferecer melhores condições, concedendo a ele o poder sobre um pagamento e do uso dos seus dados, completa Tulio Oliveira, vice-presidente do Mercado Pago.
O que é preciso saber sobre o ‘iniciador de pagamentos’
Eladio Isoppo, CEO e co-fundador da fintech de reconhecimento facial para pagamentos Payface, esclarece a seguir em forma didática.
- O que seria a instituição financeira de Iniciador de Pagamentos?
Em resumo, o serviço nada mais é do que uma empresa não detentora de conta bancária que autoriza uma transação entre duas instituições em nome do usuário, após autorização prévia. Esse tipo de companhia também poderia ser responsável, por exemplo, por transferir mensalmente uma quantia da conta no banco para uma corretora de investimentos a mando do cliente.
Para entender melhor o que acontece por trás dessa nova mudança, um bom exemplo é o uso de aplicativos de delivery. Na prática, em uma operação tradicional, o cliente tem que pagar pelo próprio aplicativo ou utilizar o cartão ao receber o pedido em casa. Agora, o consumidor poderá realizar uma ordem para que a instituição em que é correntista realize o pagamento diretamente ao lojista, sem a necessidade de acessar o aplicativo do banco, com débito em sua conta de depósito ou de pagamento. Ou seja, intermediários, como cartão de crédito, são eliminados e aplicativos de comida, por exemplo, poderão conectar o usuário a um único iniciador de transação de pagamento — que poderá solicitar à instituição financeira que transfira o recurso diretamente para a conta do restaurante, sem participar do fluxo financeiro.
- Qual o impacto que ela pode trazer para o setor financeiro?
A chegada do iniciador de pagamentos pode significar o surgimento de novos modelos de negócios e a entrada de novos participantes no setor. Outras funcionalidades que exigem que o consumidor acesse o aplicativo do banco também podem diminuir — o que faz com que a concorrência do setor bancário se amplie para outros setores, como o varejo. Como a vasta maioria de acessos que as pessoas fazem no aplicativo do banco são para fazer um pagamento ou transação, a partir do momento em que o usuário consegue fazer isso em outro lugar, a competição aumenta drasticamente.
- Qual a situação deste novo modelo hoje e o que esperar do futuro?
A modalidade entrou em vigor no último trimestre de 2021, durante a terceira fase do open banking. Segundo o Banco Central, para obter o aval e se tornar um iniciador de pagamentos, o principal critério é ter um capital mínimo de R$ 1 milhão. Cumprindo isso, além de outros critérios, praticamente qualquer empresa ou banco pode iniciar o pedido para se tornar um iniciador de pagamentos. Mais definições serão explicadas conforme o calendário do open banking for se concretizando. P
- Qual a relação desta nova instituição com o PIX e o open finance?
Além da questão de que o iniciador poderá comandar uma operação imediata do PIX em qualquer instituição detentora de conta de depósito ou de pagamento, a nova instituição permitirá a ampliação da abrangência do open banking — já que o Banco Central defendeu que, pelo baixo risco associado à atividade, a instituição que prestar serviço exclusivamente na modalidade terá um processo próprio de autorização para funcionamento, sendo ainda mais rápido. O que faz sentido, porque com a finalização dessa fase de implementação dos iniciadores de pagamento, ficam consolidadas as bases para a expansão da iniciativa do open banking para outros serviços bancários, levando o país a um open finance — o qual envolve soluções do sistema financeiro de forma total e ampla, ao contrário do primeiro, que só abarca serviços de pagamento e deixa de fora investimentos, previdência, operações de câmbio, seguros, entre outros.
Não perca os próximos capítulos desse especial sobre o que 2022 reserva!
Os cinco anteriores estão aqui:
Oito tendências para 2022 – Parte 3: novo marco legal aumenta interesse por fintechs de câmbio
Oito tendências para 2022 – Parte 4: O ano em que o PIX vai conquistar o varejo
Oito tendências para 2022 – Parte 5: A hora e a vez das contas digitais para empresas