
No início de março, o Méliuz surpreendeu o mercado ao anunciar que passaria a investir até 10% do seu caixa em bitcoin (BTC). A empresa de cashback comprou 45,72 bitcoins por aproximadamente US$ 4,1 milhões, a um preço médio de US$ 90.296,11 por ativo. De acordo com a companhia, trata-se do primeiro passo de uma nova estratégia de tesouraria. O objetivo é buscar um retorno de longo prazo com esse criptoativo. Outras iniciativas serão analisadas pelo recém-criado “comitê estratégico de bitcoin” da empresa.
O Méliuz é a primeira companhia de capital aberto no Brasil a alocar parte do caixa em bitcoin. Mas não é o único caso no País. Há quatro anos, o buscador de investimentos Yubb e a casa de análise Empiricus anunciaram movimentos desse gênero. No mundo, esse tipo de estratégia vem se tornando mais comum e segue o exemplo da norte-americana Strategy (antiga MicroStrategy). Desde 2020, a empresa de Michael Saylor já comprou quase 500 mil bitcoins, o que representa hoje uma reserva de cerca de US$ 42 bilhões.
Conforme levantamento da plataforma cripto River, existem atualmente 80 empresas ao redor do mundo com participação em bitcoin – três anos atrás, eram 33 players. A lista agora traz a brasileira Méliuz, além de nomes como o gigante do comércio eletrônico Mercado Livre e a empresa de carros elétricos Tesla, do bilionário Elon Musk.
‘Ouro digital’
Afinal, o que está por trás desse movimento? É uma tendência? Vai pegar no Brasil? Para o especialista Gustavo Cunha, autor do livro “A Tokenização do Dinheiro” e fundador da plataforma de conteúdo Fintrender, há uma ideia de que o bitcoin cumpre a função de reserva de valor. Isso ajuda a explicar a corrida de empresas – e até de governos – pelo “ouro digital”. Ele lembra, ainda, da recente decisão do governo de Donald Trump em criar uma “reserva estratégica de bitcoin”, anunciada no começo de março.
“O bitcoin é visto como um ativo escasso e desinflacionário, capaz de preservar o poder aquisitivo ao longo do tempo. Comparado com o ouro, tem a vantagem de ser mais fácil de estocar e organizar”, explica Gustavo. “É um ativo líquido, com alto volume de ordens de compra e venda.”
Em carta a acionistas, o presidente do Conselho de Administração do Méliuz, Israel Salmen, defende a ideia do bitcoin como reserva de valor. “Na opinião da administração, é uma forma de dinheiro escassa e resiliente, combinando as características do ouro, como descentralização, durabilidade e escassez, com divisibilidade, oferta inelástica, portabilidade e fungibilidade superiores”, escreveu.
Além disso, o bitcoin é considerado uma forma mais barata de adquirir ativos tradicionais. Por exemplo, empresas como a Strategy e outras vêm emitindo dívidas conversíveis em ações para capturar recursos em dólar e, em seguida, investem em bitcoin, diz Gustavo. Essa estratégia permite uma exposição indireta à criptomoeda, sem a volatilidade direta da cripto. “É uma operação de arbitragem entre bitcoin e ações”, afirma ele.
Para Israel Buzaym, sócio do criptobanco Bitybank, a tendência é que mais empresas aportem uma fatia do caixa em bitcoin. “Michael Saylor [da Strategy] criou um playbook para investidores institucionais, e agora empresas estão estudando formas de replicar esse modelo”, afirma. “O resultado da MicroStrategy foi tão expressivo que as empresas passaram a olhar para o bitcoin como uma oportunidade”, acrescenta.
Pesquisas indicam uma crescente adoção institucional de criptoativos. De acordo com um levantamento feito pela EY-Parthenon e Coinbase, com mais de 350 investidores institucionais, 86% deles já têm exposição a ativos digitais ou planejam fazer esse tipo de alocação em 2025. Além disso, 59% dos entrevistados dizem que investirão “mais de 5% dos recursos sob gestão em ativos digitais ou produtos relacionados.
Riscos
Segundo Gustavo, para uma empresa alocar parte do seu caixa em bitcoin, é preciso considerar a própria volatilidade da cripto. “Bitcoin é um ativo líquido, mas a queda de 50% em um dia pode machucar o caixa da empresa”, alerta o especialista.
Além disso, há o risco de custódia, cita Gustavo. As empresas precisam decidir entre manter o bitcoin em corretoras especializadas (exchanges), usar provedores que atuam especificamente com custódia de cripto ou desenvolver um sistema próprio para a guarda segura das chaves privadas.
Outro aspecto a se considerar é o período do investimento. “Nenhuma empresa vai ficar comprando e vendendo bitcoin todo mês, porque suas operações são na moeda fiduciária, seja real, dólar ou outras”, diz Gustavo. “Esse é um investimento de médio e longo prazo, de pelo menos dois anos.”
Mesmo que o movimento ganhe força, os especialistas concordam que ele deve ser feito com cautela, planejamento e análise de riscos. “Alocar bitcoin em tesouraria exige estrutura de governança, políticas claras e uma visão de longo prazo”, afirma Gustavo.