FUTURO

IA vai inaugurar era "emocional" para os bancos, diz antropólogo

Para Michel Alcoforado, a instituição que quiser manter uma relação viva com o cliente precisa se preocupar com o que acontece antes e depois da transação

Michel Alcoforado/Consumoteca | Imagem: Danylo Martins
Michel Alcoforado/Consumoteca | Imagem: Danylo Martins

Uma nova onda está invadindo o setor financeiro com a entrada definitiva da Inteligência Artificial (IA) nos negócios. E uma das principais apostas é a chegada dos agentes de IA emocionalmente inteligentes, disse o antropólogo Michel Alcoforado, fundador da Consumoteca, em palestra no “Fórum Bancos & Banking”, realizado na quarta-feira (21/5) pela empresa de eventos Cantarino Brasileiro em parceria com a Acrefi, associação que representa principalmente financeiras.

Segundo ele, esses agentes são sistemas que, ao compreender o contexto emocional do consumidor, serão capazes de se comunicar com empatia e no momento certo. “Eles vão saber que dia 5 você está feliz porque caiu o vale-refeição e você vai no [restaurante] japonês. Mas também vão perceber que no dia 30 você está quebrado, ansioso e não quer ouvir falar de previdência privada”, afirmou. “Hoje, o sistema financeiro é pouco contextualizado.”

Para o especialista, as IAs têm capacidade de criar novas rodas de conversas que, sozinhos, os seres humanos não conseguem. “E o consumidor brasileiro hoje já está disposto a conversar sobre isso. Segundo uma pesquisa que fizemos na Consumoteca, 54% dos brasileiros já confiam na IA para alguma tarefa relacionada a finanças”, disse ele, complementando que dinheiro no Brasil ainda é um tabu. “Talvez conversando com as máquinas ajude a trazer [o tema] para o cotidiano.”

IA e sex shops

Michel comparou o papel da IA ao da internet no mercado de sex shops. Isso porque, disse ele, antigamente ir a um estabelecimento do tipo era “constrangedor”, cercado de julgamentos. Com a internet, comprar o que quiser virou algo anônimo, privado, sem moralismos. Para ele, a tecnologia tem um papel importante de criar confiança. “Tudo aquilo que a gente não se permite fazer ou falar, com a tecnologia a gente passa a fazer. E isso vale para o dinheiro também.”

Para antropólogo, o banco que quiser manter uma relação viva com o cliente precisa se preocupar com o que acontece antes e depois da transação. “E como é que eu entendo esse cara antes e depois? Histórico é importantíssimo, dados também, IA [Inteligência Artificial] vai ser a porta de entrada para começar a trabalhar todos esses dados de forma educada. Como é que entendo esse cara na sua individualidade e trabalho com ele depois? Hoje, do jeito que as coisas são, você precisa ser muito chato ou rico para o gerente saber quem você é”, disse Michel.

Na visão do especialista, o grande desafio é que as instituições financeiras continuam ignorando o desejo do consumidor por vínculo emocional, contexto e personalização. Para ele, o Nubank é um dos players que entenderam esse novo comportamento do consumidor. “Se você mapeia o que se fala do Nubank nas redes sociais, as conversas giram em torno de produto, funcionalidade, usabilidade. É o consumidor dizendo: ‘isso aqui me ajudou a sair do buraco’”, disse.

Pix, blusinhas e air fryer

O especialista explicou como plataformas de varejo online, como Shein, Shopee e Mercado Livre, criaram jornadas que começam muito antes da compra — e seguem depois da entrega. “A pessoa vê alguém no TikTok usando a peça, pesquisa reviews, lê comentários, compartilha no grupo da família. E ainda grava vídeo mostrando como ficou. Isso é dopamina, o neurotransmissor do nosso século. É conversa, é relacionamento com a marca”, disse.

Outro exemplo, citou ele, é o que acontece com as fritadeiras sem óleo, as famosas air fryer que, segundo ele, somam 22 milhões nos lares brasileiros. “Hoje nos lares brasileiros, existem 22 milhões de air friyer. E 40% das refeições no Brasil são mediadas ou atravessadas por algum momento dentro de uma air fryer. Mas ninguém compra uma só pra cozinhar. Compra porque quer mudar de vida, emagrecer, fazer algo novo. Depois vai atrás de receitas no YouTube, pergunta no grupo da família se pode usar leite condensado, e posta no WhatsApp o frango que fez. A air fryer virou um fenômeno porque virou conversa”, disse o antropólogo.

O antropólogo trouxe, ainda, o exemplo do fenômeno do Pix de um centavo no Tinder, aplicativo de relacionamento. Na prática, as pessoas usavam o sistema de pagamento instantâneo para mandar indiretas amorosas. Para Michel, essa foi uma oportunidade de engajamento que o setor financeiro ignorou. Isso porque, teoricamente, as pessoas acabavam abrindo o aplicativo do banco mais vezes no dia para ver se o “paquera” havia mandado novas mensagens.

“Ali tinha uma oportunidade de abrir uma esteira enorme de novas conversas [da instituição com o cliente]. ‘Ah, mas essas transações de um centavo custam’. Mas é mais barato isso do que fazer filme para o Jornal Nacional. Muito mais barato do que contratar a Madonna”, brincou Michel. A referência dele foi à campanha realizada pelo Nubank durante o telejornal no horário nobre da TV Globo, ou ainda ao patrocínio do Itaú ao show da Madonna em Copabana, no ano passado.