Os números são impressionantes: US$ 5 trilhões circulam pelos sistemas bancários tradicionais globalmente todos os dias. No entanto, apesar dessa escala massiva, nossa infraestrutura financeira atual está começando a mostrar sinais de obsolescência. Como alguém inserido tanto nas finanças tradicionais quanto em finanças descentralizadas (DeFi, na sigla em inglês), tenho observado essa transformação se desenrolar. As implicações são muito mais significativas do que a maioria dos líderes empresariais neste setor imaginam.
Vamos falar sobre o que realmente está acontecendo nessa indústria. Se você já tentou enviar um pagamento significativo para o exterior, conhece a frustração. Três a cinco dias úteis para a liquidação são considerados normais. Adicione as diferenças de câmbio, taxas de bancos correspondentes e custos de conformidade, e você verá de 2% a 5% do valor da sua transação desaparecer. Para empresas cada vez mais globais, por exemplo, essas ineficiências não são apenas inconvenientes – elas corroem margens de lucro e desaceleram operações.
Mas é aqui que as coisas ficam interessantes. O DeFi não está apenas oferecendo melhorias marginais; estamos presenciando uma revolução financeira. Os primeiros a adotarem essa tecnologia relatam tempos de liquidação reduzidos em 99,9%. Pense nisso: o que atualmente leva dias pode ser reduzido a minutos ou segundos. Os custos operacionais caíram 78%. Já os custos de negociação reduziram-se quase pela metade.
Smart contracts
Por exemplo, uma empresa poderia usar uma plataforma DeFi para pagar fornecedores em vários países. Assim, reduz o tempo de transação de dias para minutos e libera um capital de giro significativo. Imagine uma pequena empresa no Brasil precisando pagar um fabricante na China. O sistema bancário tradicional pode levar dias e incorrer em taxas pesadas. Com o DeFi, o pagamento pode ser liquidado em minutos, por uma fração do custo, permitindo que a empresa receba as mercadorias mais rapidamente e, com isso, melhore seu fluxo de caixa.
O segredo? Contratos inteligentes (smart contracts). Esses fragmentos de código autoexecutável automatizam processos que antes exigiam departamentos inteiros. Eles verificam conformidade, calculam taxas e confirmam liquidações em tempo real. O sistema opera 24 horas por dia, 7 dias por semana, com 99,99% de disponibilidade.
Talvez o desenvolvimento mais impactante esteja nos formadores de mercado (market makers). As taxas tradicionais caíram 93% graças aos formadores de mercado automatizados (AMMs, na sigla em inglês) e pools de liquidez. Esses sistemas funcionam continuamente, são mais eficientes e eliminam intermediários. Dessa forma, empresas que operam em diversos países podem acessar melhores taxas e custos mais previsíveis.
Escalabilidade e regulação
Obviamente, escalar essas soluções não é trivial. As soluções de segunda camada (Layer-2) e os state channels (que permitem transações fora da blockchain, ou off-chain) estão resolvendo o problema da taxa de transferência, permitindo que velocidades de transação superem as redes de pagamento tradicionais. Além disso, as pontes entre cadeias (cross-chain bridges) estão possibilitando a movimentação fluida de ativos entre diferentes blockchains. Isso é algo crucial para empresas que operam globalmente.
A questão regulatória é fascinante. Em vez de ver a conformidade como um fardo, o DeFi a está transformando em uma vantagem tecnológica. Sistemas de conformidade baseados em contratos inteligentes reduziram os atrasos em 76% e melhoraram a precisão. Regulamentos são incorporados diretamente nos protocolos de pagamento, aplicando regras automaticamente e mantendo a eficiência.
No entanto, as estruturas regulatórias para o DeFi ainda estão evoluindo. A clareza nesse aspecto será crucial para uma adoção mais ampla.
Impacto no setor bancário brasileiro
Um dos impactos mais significativos do DeFi é a transformação radical do cenário competitivo. A redução das barreiras de entrada está permitindo que novos players desafiem instituições financeiras tradicionais, muitas vezes sobrecarregadas por sistemas legados.
Essa disrupção é particularmente relevante para o Brasil, onde o setor bancário há muito opera sob uma estrutura oligopolista. O DeFi representa uma ameaça genuína a essa ordem estabelecida. Plataformas globais, com operações mais eficientes e taxas reduzidas, podem competir diretamente com bancos brasileiros. Isso levanta uma questão crítica: os bancos brasileiros estão preparados para esse desafio?
Construir ou adquirir
Os bancos brasileiros enfrentam uma decisão estratégica fundamental: construir ou adquirir?
O cenário mais provável é uma abordagem híbrida. Bancos devem desenvolver competências internas em DeFi, enquanto adquirem startups especializadas para expandir rapidamente seus serviços. Essa estratégia permite, então, aproveitar o melhor dos dois mundos e se adaptar à evolução acelerada do DeFi.
Também é essencial considerar a volatilidade. Embora alguns criptoativos sejam voláteis, o uso de stablecoins atreladas a ativos estáveis (como o dólar) mitiga esse risco. Além disso, o ecossistema DeFi está inovando constantemente com novos mecanismos de estabilidade.
A segurança é outro fator crítico. Contratos inteligentes oferecem muitas vantagens, mas também apresentam riscos inéditos. Entretanto, auditorias rigorosas, programas de recompensa por bugs e protocolos de seguro estão aprimorando a segurança do setor.
Futuro do sistema financeiro global
Olhando para o futuro, as implicações do DeFi são profundas. Não se trata apenas de pagamentos mais rápidos e baratos. Estamos presenciando uma reestruturação da infraestrutura financeira global.
A capacidade de programar dinheiro, incorporar lógica de negócios diretamente nos pagamentos e operar continuamente sem fronteiras criará novas oportunidades. Portanto, essa revolução elevará novos líderes, intensificará a concorrência e remodelará o mercado.
Mas estamos prontos para essa transformação? Os bancos incumbentes conseguirão se adaptar? As fintechs brasileiras ocuparão posições de liderança nesse setor? O Brasil ganhará ou perderá nessa nova realidade financeira? Estamos preparados para essa revolução?
*Sócio da Dealmaker