O Banco Central escolheu a Hyperledger Besu para o piloto do real digital. Entre os motivos da escolha estão o fato de ser open source (código aberto) e compatível com EVM (Ethereum Virtual Machine) em rede permissionada. Além disso, tem suporte à privacidade de transações e capacidade de incorporação de módulos adicionais. A solução tem ainda uma gama grande de fornecedores da tecnologia dentro e fora do Brasil, o que tem impacto no desenvolvimento do real digital pelo BC. Foi o que disse o chefe do Departamento de Informática da instituição, Haroldo Jayme Cruz, no anúncio do Piloto “RD” nesta segunda-feira (6).
A reportagem é do site parceiro BlockNews.
De acordo com Fabio Araújo, coordenador do projeto do real digital no BC, caso o pilotodo real digital seja insatisfatório, o BC vai estender os testes porque o compromisso da instituição é o de ter a moeda digital. Hoje é o dia oficial do início do piloto. O cronograma continua prevendo o acesso do real digital à população no final de 2024. Esse também é o momento em que termina o mandato do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, entusiasta de blockchain e de criptoativos.
O uso de tecnologia de registro distribuído (DLT) como blockchain tende a reduzir custos e tempo de transações e, o que pode ser mais inovador, é que pode gerar produtos e serviços novos em folha no mercado. E isso inclui alguns que podem gerar inclusão financeira pela questão dos custos e porque, por exemplo, permite fracionar ativos, oferecendo partes mais baratas do que o todo.
Uma outra vantagem é que em blockchain, as informações da transações, como pedido de compra e pagamento, ocorrem ao mesmo tempo. Dessa forma, todas ocorrem ou nenhuma ocorre e “essas é uma das grandes vantagens que essa tecnologia traz” para o ambiente de negociações de ativos entre clientes, completa Araújo. É uma espécie de Pix de serviços financeiros, pela simplicidade e novos serviços que podem surgir, completou.
Mudança na remuneração
O real digital será uma grande inovação no setor financeiro e vai exigir mudança do modelo de negócios. Mas, as instituições financeiras e de pagamentos continuarão intermediando as transações, embora blockchain permita eliminar intermediários. Um receio dos bancos era que os clientes preferissem o real digital do BC ao dinheiro movimentados com os bancos.
Uma rede permissionada – ou fechada – como a Besu significa que para participar é preciso ter autorização e isso só deve acontecer para instituições financeiras, de pagamentos e instituições de governo como o BC e o Tesouro.
O anúncio sobre o uso da Hyperledger Besu aconteceu junto com o das novas diretrizes do projeto do real digital. Depois de meses de discussões e testes, a atualização inclui, por exemplo, a confirmação de que o desenvolvimento da CBDC brasileira será “a partir da incorporação de tecnologias como contratos inteligentes (smart contracts) e dinheiro programável, compatíveis com liquidação de operações por meio da “internet das coisas” (IoT). Até aqui, isso, ou seja, o uso de tecnologia de registro distribuído (DLT), era uma possibilidade.
Uma mudança importante nas diretrizes é a de remuneração do real digital, que não estava prevista. Agora, a diretriz afirma que não deve haver assimetrias regulatórias entre o real digital os sistemas financeiros existentes. Portanto, isso “implica o acoplamento entre sistemas não permitindo que a características de um sistema sejam definidas sem que se altere as caraterísticas correspondentes no outro sistema.
Assim, a remuneração do real digital deixa de ser variável de livre escolha e passa a estar associada à função que ele desempenha, diz o documento com as diretrizes do BC. Por exemplo, caso ele exerça a função de reserva voluntária ativa, será remunerado. Se estiver cumprindo a função de reserva compulsória de depósito à vista não será remunerado”.
Stablecoin em DeFi
Além disso, caiu a previsão de uso do real digital em pagamentos de varejo. Agora, sai o foco do real digital para aplicações no varejo e entra o suporte para transações com depósitos bancários tokenizados, o real tokenizado, ou seja, os para os depósitos que estão nos bancos. Dessa forma, a CBDC será de atacado e dá um suporte equivalente ao das stablecoins nos protocolos de finanças descentralizadas (DeFi). O foco também será em operações online – houve testes com offline, mas não serão mais foco.
A Hyperledger Besu, assim como a Hyperledger Fabric, foi feita para uso corporativo. Mas a Besu é compatível com Ethereum, que é não permissionada, ou seja, é uma blockchain pública. Ao ser compatível com EVM (Ethereum Virtual Machine), significa que que pode escrever e implantar códigos de contratos inteligente (smart contracts) com a Ethereum.
Assim, pode-se usar as esses contratos, o que interessa ao BC no projeto do real digital, mas com redução de custos e tempo de transação na comparação com o uso de Ethereum. Além disso, a Besu usa a Prova de Autoridade (PoA) para validar transações. Isso porque os participantes da redes se conhecem e confiam uns nos outros. Isso permite que um deles ou um pequeno grupo valide as transações. Com isso, o tempo de criação de blocos e de transações pode ser maior. E seu custo pode ser compatível com o do Pix, de acordo com o BC.
Não há nenhum projeto com moedas digitais de banco central no mundo com Besu, disse Jaime Cruz. Mas, depois afirmou que há estudos de moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) e há outros projetos em produção. Portanto, isso demonstra que tem bom potencial para as avaliações que a instituição precisa fazer, completou.
Segurança e privacidade
Questionado sobre o que a Besu entregou que outras soluções não entregaram durante os testes do real digital no Lift Challenge, Cruz não deu detalhes. Mas, ao comentar que os resultados da fase de testes do Lift Challenge, Fabio Araújo destacou a importância da questão da privacidade. “Um importante aprendizado foi quanto ao desafio de encontrar o ponto ótimo entre programabilidade e privacidade”, afirmou.
Houve casos em que a privacidade era bem tratada, “mas a programabilidade tinha deixado a desejar”, completou o coordenador do projeto do real digital. Por isso, a fase de piloto terá foco em infraestrutura e testes de privacidade para garantir os requisitos regulatórios de segurança. E de alinhamento com normais locais e internacionais contra lavagem de dinheiro, financiamento a armas de destruição em massa e ao terrorismo e a segurança cibernética.
Além de desenvolver a plataforma do real digital para o Piloto “RD”, o BC vai abrir um canal permanente de consulta com a sociedade, disse Fabio Araújo. Em abril, haverá um workshop sobre como será o piloto e quem poderá se candidatar para participar. Não será preciso ter infraestrutura instalada de Hyperledger Besu para se candidatar ao piloto. Além disso, haverá um fórum permanente de discussões sobre o real digital. Isso vai ajudar a acelerar o desenvolvimento da CBDC brasileira, completou.
De acordo com Araújo, “a plataforma do real digital deverá permitir transações com ativos digitais de diferentes naturezas, em especial financeiros e mobiliários, mas podendo ter outros”. Tudo isso com interoperabilidade com os sistemas legados como Pix.
CVM participa das discussões
Por isso, o BC está em contato com Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tanto para o projeto do real digital, quanto no Grupo de Trabalho da instituição sobre tokenização. “O grupo foi expandido para incluir a discussão com a CVM sobre tokenização em geral e mesmo que não haja ativos dela (no teste), achamos importante a participação ao longo do desenvolvimento”, afirmou Araújo. Dessa forma, haverá compatibilidade entre o que o BC e a CVM desenvolverem.
O piloto do real digital será em ambiente simulado, sem valores ou transações reais e com limitação de horário e de participantes, o que reduz custo do projeto e facilita acomunicação entre os participantes, disse Haroldo Cruz.
Pelo cronograma, os testes com real digital e real tokenizado devem acabar em dezembro deste ano. Em fevereiro de 2024 deve acabar o teste de DvP, ou seja, siga em inglês para entrega contra pagamento, de título público federal simulado. Depois, até março acontecem avaliações dos experimentos. E tudo resolvido, podem ser incorporados outros protocolos e continuarem os testes.
Assim, o piloto foca no desenvolvimento do real digital, a CBDC, o real tokenizado para liquidação no varejo, e o título público. A operação de DvP é entre o cliente final, ou seja, entre um investidor simulado que tem o título e quem quer comprá-lo. O BC está em contato com outras instituições internacionais que também estudam as CBDCs. Uma delas é o Banco de Compensações Internacionais (BIS), que recentemente disse que as CBDCs precisam de um ledger único para negociação de ativos digitais. É o que o projeto do BC discute, afirmou Fabio Araújo.