Imagine poder financiar a casa própria por meio de crowdfunding ou realizar um empréstimo com garantia de imóvel que comprometa apenas uma fração do bem. O mercado tenta encontrar formas de alavancar o crédito imobiliário, hoje pressionado pelos juros altos e as perdas da poupança. Mas tecnologias como blockchain e inteligência artificial podem oferecer alternativas para tornar essas operações mais acessíveis e atraentes (conheça mais uma dessas alternativas aqui).
A captação líquida da poupança registrou perdas de R$ 196 bilhões desde 2021. Isso é equivalente ao volume financiado anualmente, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Com saques superando os depósitos na principal fonte de financiamento do crédito imobiliário, o espaço para baixar juros, hoje em 11,7% ao ano, fica menor.
Com IA, instituições financeiras conseguem fazer análises de crédito mais assertivas. Isso pode permitir baixar as taxas para clientes com bons scores, explica Gleisson Cabral, diretor de IA do Mercado Bitcoin (MB). Além disso, a tecnologia ajuda a precificar melhor os imóveis, o que aumenta as chances de venda.
“Com a IA generativa é possível fazer um mapeamento territorial das cidades e dizer qual está crescendo mais, antecipando movimentos de loteamentos. Existe também uma solução que analisa todos os sites de imóveis, vê o preço médio daquela região e se existe exploração de mercado”, diz.
IA
Outra aplicação da inteligência artificial é na análise de documentos e aprovação de crédito. A Loft, por exemplo, lançou em julho deste ano um simulador de financiamento imobiliário pelo WhatsApp. Ele funciona como um assistente virtual do corretor e da imobiliária. Segundo a empresa, essa ferramenta reduz pela metade o prazo médio para contratar o financiamento.
Hoje, a jornada até a assinatura do contrato leva cerca de 60 dias. O corretor ou agente do mercado imobiliário leva semanas para obter informações precisas de cada banco, para cada possibilidade de financiamento que o cliente avalia. Depois disso, é preciso aguardar o prazo para aprovação do financiamento. Com a IA, essa espera é reduzida para 30 dias, de acordo com a Loft.
A simulação compara prazo, renda mínima, amortização, valor da primeira parcela, taxa de juros e custo efetivo total do financiamento de diversos bancos. Além disso, permite que o usuário faça simulações ilimitadas, com diferentes valores.
“Com o simulador a gente evita deixar todo o processo do financiamento para o final da jornada, como ocorre no processo tradicional”, explica Talles Dantas, diretor de Crédito Imobiliário da Loft, em nota.
Quem também está lançando um assistente virtual baseado em inteligência artificial para o setor imobiliário é a startup Plaza, que levantou recentemente uma rodada pré-seed de R$ 5,5 milhões, liderada pela Magma Partners. O assistente coleta a documentação de forma automatizada e planeja aumentar a segurança para os proprietários, eliminando a necessidade de fiador e assegurando o pagamento dos aluguéis, enquanto os inquilinos se beneficiam de um processo de locação mais ágil.
Mais flexibilidade
No caso do blockchain, a ideia é que se possa levar os imóveis do mundo real para o mundo digital, através de tokens. Isso permite que o bem seja movimentado com mais facilidade no ambiente digital, ampliando o leque de possibilidades e trazendo mais segurança para as operações, como nos contratos inteligentes, por exemplo.
Mas, na prática, o que pode mudar? Especialistas nesse mercado dizem que o céu é o limite para as transformações que essa tecnologia irá gerar, mas a startup gaúcha Netspaces já conseguiu materializar algumas aplicações. O primeiro passo dado pela empresa para criar representações virtuais dos imóveis reais foi, simplesmente, registrar o token em cartório e incluir o código na certidão do Registro Geral de Imóveis (RGI). Com isso, as movimentações envolvendo os tokens do imóvel estão resguardadas pela legislação convencional. Essa solução foi possível graças a um acordo da startup com os cartórios de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
“A gente fica com o melhor dos dois mundos. O proprietário fica embasado de acordo com o Código Civil, mas ao mesmo tempo deixa a matrícula parada e vai movimentar o token. Quando eu vendo o token, o dono do código passa a ser dono do imóvel. Mas o bem fica no nome de um custodiante, e o proprietário movimenta os tokens como quiser. Se ele tiver um apartamento de R$ 500 mil, por exemplo, e quiser fazer um empréstimo de R$ 30 mil, ele pode alienar apenas esses R$ 30 mil”, explica Andreas Blazoudakis, CEO/CVO da Netspaces.
Crowdfunding
Entre os casos já realizados com sucesso pela startup estão o de financiamento por meio de crowdfunding. Através de uma parceria entre as plataformas AmFi, que conecta originadores a investidores globais, e a Netspaces, um motoboy financiou um imóvel de R$ 115 mil em Porto Alegre, com tokens como garantia. Ele deu uma entrada de R$ 5 mil e financiou o restante em 160 meses. Até a quitação da dívida, os tokens do imóvel serão bloqueados e poderão ser liquidados caso haja inadimplência.
Outro exemplo foi de uma professora de ballet de 82 anos que comprou uma fração de 20% de um imóvel de R$ 140 mil, também em Porto Alegre, para a neta. Ela mora no apartamento, mas paga um aluguel relativo a 80% do valor do imóvel. A aquisição foi através de NFT (token não fungível). Caso deseje, ela pode comprar mais frações do apartamento no futuro, até chegar a 100%.
“O comportamento das novas gerações casa muito com esses novos formatos, porque eles permitem ter mais mobilidade. Hoje em dia, com novos modelos de trabalho, com nômades digitais, é muito difícil atrair um jovem a financiar um imóvel em 30 anos no modelo tradicional”, aponta Andreas.
Integração com os cartórios
Um dos desafios para a tokenização dos imóveis, porém, é a integração com os cartórios, que funcionam de forma independente e descentralizada. Dan Yamamura, sócio-fundador da Fuse Capital, afirma que há casos de cartórios atualmente que não autorizam a inclusão do código do token no RGI. Há algumas exceções, como faz a Netspaces em Porto Alegre, que adotou a novidade.
“O grande desafio é que a propriedade seja reconhecida por um cartório, até porque os sistemas são diferentes em cada estado. Tecnicamente, é possível tokenizar um imóvel, fazer uma série de amarrações jurídicas, mas se não tiver o carimbo do RGI, pode haver questionamentos nas transações, o que gera judicialização. E, com judicialização, eu não consigo escalar esse tipo de negócio”, lamenta o investidor.
Apesar disso, ele alega que os tokens e o RGI são, na verdade, conceitos muito semelhantes. Isso porque, assim como o registro de imóveis, os tokens também são formas de oficializar a propriedade de um bem e validar a transferência de propriedade entre pessoas.
“A característica básica do blockchain é ser um livro de registro imutável, que exatamente equivalente ao cartório. Todos os eventos do imóvel ficam registrados ali e de forma pública. Essa infraestrutura é perfeita para o mercado imobiliário porque todos os cartórios registrariam o mesmo documento e teriam acesso a todos os registros do país inteiro”, aponta Dan.
Drex traz mais segurança
A moeda digital do Banco Central brasileiro, também chamada de Drex, promete trazer mais segurança para as transações realizadas no blockchain, uma vez que o dinheiro movimentado nesse ambiente passa a ter uma representação oficial do Real.
“Os três grandes princípios do blockchain são a imutabilidade, a transparência e a descentralização. O Drex vai permitir que essa transferência de recursos seja supervisionada pelo governo e que a transferência da propriedade do imóvel seja automatizada, sem ter burocracia e sem que haja necessidade de ir ao cartório. Não tenho dúvidas de que o blockchain e o Drex vão fazer a economia girar com muito mais força”, afirma Gleisson, do MB.
Para Alexandre Reda, head de Estruturação e Produtos do MB Corporate, a tendência é que os produtos de financiamento por meio de blockchain sejam cada vez mais comuns, conforme o Drex for sendo implementado.
“Hoje, 99% do volume do financiamento imobiliário é feito via bancos, principalmente no contexto de pessoa física. E eles têm a vantagem de conseguir usar a captação de poupança para oferecer taxas diferenciadas. Mas quando você olha para países como Estados Unidos, por exemplo, a maior parte do financiamento imobiliário é feito via mercado de capitais, como se fosse um CRI aqui no Brasil. Então eu vejo uma oportunidade muito grande, principalmente nesse momento em que a poupança está mais limitada, em que o mercado imobiliário vai precisar recorrer mais ao mercado de capitais para conseguir crédito”, avalia o executivo.
*Conteúdo publicado originalmente no site parceiro Startups.