Debêntures e CRs crescem como opções de funding para fintechs

Segundo executivos e especialistas de mercado, as modalidades são complementares aos FIDCs, que também têm ganhado força

Instrumentos ‘intermediários’ de acesso a funding, com custo menor e rapidez na colocação. Esses são os principais argumentos de gestoras, securitizadoras e especialistas para explicar o interesse crescente das fintechs por debêntures e certificados de recebíveis (CRs) como fontes de financiamento.

As debêntures, inclusive, responderam por 35% do ‘funding’ para operações de crédito de fintechs em 2022. Assim, ficaram à frente dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), com 33% de participação, conforme pesquisa feita pela PwC Brasil e pela Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD). O movimento acompanha uma tendência de diversificação nas fontes de recursos.

Modalidade nova na praça, o CR pode ser emitido desde o final do ano passado, com a entrada em vigor do marco legal da securitização. O veículo se assemelha aos certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) e do agronegócio (CRAs), porém não tem isenção de imposto de renda (IR). Empresas de qualquer setor podem emitir esse tipo de papel, que vem sendo usado levantar quantias inferiores às de debêntures e FIDCs.

Perspectivas

De acordo com especialistas ouvidos pelo Finsiders, após um primeiro semestre andando de lado, a expectativa é que as fintechs acelerem o ritmo na busca por funding, respondendo à sinalização de novos cortes na taxa Selic. Basta observar operações que se tornaram públicas no segundo semestre deste ano, como as debêntures de Educbank (R$ 70 milhões) e Barte (R$ 20 milhões) e o FIDC da iugu (R$ 71,25 milhões). 

No ano passado, as fintechs levantaram aproximadamente R$ 21 bilhões usando FIDCs, avanço de 46% em relação a 2021. Neste ano, até setembro, as captações somaram R$ 15,5 bilhões. Os dados são da consultoria Uqbar, que levantou as informações a pedido do Finsiders. Na Anbima, que representa instituições do mercado de capitais no Brasil, não há dados específicos sobre debêntures de fintechs. 

“Neste segundo semestre, está um pouco mais fácil colocar o papel. O juro menor já começa a afetar as taxas, porém marginalmente”, comenta Jéssica Mota, diretora de desenvolvimento de negócios da Bloxs, empresa de tecnologia que tem um braço de securitização. Atualmente, a Bloxs tem duas operações de CR para fintechs em andamento. Uma é ligada a uma fintech para serviços médicos e outra no segmento de IoT (sigla em inglês para internet das coisas).

“O instrumento [CR] é praticamente uma debênture, emitido por securitizadora, porém com mais garantia jurídica porque foi criado com esta finalidade. As debêntures eram uma adaptação para captar para fintechs. Agora se precisar executar uma garantia, com CR fica mais fácil”, afirma Jéssica. 


Embora do ponto de vista regulatório e operacional as debêntures sejam hoje mais flexíveis e céleres para implementar, a tendência é que o novo CR ganhe espaço. Uma das explicações para isso é a atualização em regras da CVM com relação à “revolvência”, processo pelo qual se substituem os lastros de um determinado instrumento durante a sua vigência.

Instrumentos complementares

“O papel [CR] vai ganhar terreno, inclusive em razão da recente atualização Resolução CVM 60, que introduziu aprimoramentos ao mercado de securitização, autorizando expressamente a revolvência. Essa é uma sistemática fundamental em funding de fintechs”, explica Thiago Giantomassi, sócio da área de mercado de capitais e fusões e aquisições do Demarest Advogados

Dados da Bloxs mostram que um FIDC tem custo de emissão de 5,3% do volume captado mais 3% do patrimônio líquido (PL) como gastos mensais, contra 4% e 1%, respectivamente, em produtos de securitização, como CR e debênture. “Outra característica da debênture é que normalmente capta volumes menores, entre R$ 5 milhões a R$ 10 milhões. Já os FIDCs podem superar R$ 25 milhões”, acrescenta Jéssica. “É mais fácil colocar uma debênture no mercado, que é um ativo de valor mobiliário, do que um FIDC. Ou seja, são produtos complementares.”

Para Jaime Weinberg, sócio-diretor de produtos da Empírica, com 55 fundos e R$ 10 bilhões sob gestão, os FIDCs e as debêntures não são concorrentes. “As debêntures são mais utilizadas por fintechs no meio da jornada. São empresas que não são grandes para um FIDC, já passaram pela fase de uso do capital próprio e têm algum fluxo de caixa”, explica. 

Quando uma fintech atinge massa de crédito entre R$ 30 milhões e R$ 35 milhões (carteira) e passa a originar financiamentos com periodicidade e fluxo mensal perto de R$ 1,5 milhão, a gestora sugere proativamente o uso do FIDC. “É uma estrutura um pouco mais cara para pôr de pé, complexa, mas tem uma governança maior, demandada pelos investidores profissionais, que permite captações mais volumosas de recursos”, comenta Weinberg. “O ideal é conciliar o momento do originador do crédito, dos ativos, com a visão do investidor qualificado e profissional, para ver qual instrumento é viável.” 

Vinicius Stopa, sócio-fundador do Grupo Travessia, que atua com securitização, lembra que o interesse pelas debêntures também se explica pela rapidez na estruturação. Para montar uma debênture, leva-se perto de um mês, enquanto pôr de pé um FIDC pode levar até oito meses, diz Stopa. 

FIDCs

No Grupo Travessia, que estruturou uma debênture no primeiro semestre, com “distribuição sofrida”, há otimismo com o reflexo da Selic menor no apetite por crédito e nas emissões. “Ainda neste semestre existem pelo menos três operações de debênture para sair. Melhorou como um todo o mercado de capitais”, comenta Stopa. Ele diz ter debêntures sendo estruturadas para fintechs, mas não comenta as operações. 

Na visão do executivo, 2024 pode ser também um ano de ganho de competitividade dos FIDCs. Isso tem relação com as novas regras para os fundos de investimento no Brasil. “O novo marco dos fundos permitirá a oferta de FIDC, hoje acessível só por investidores qualificados e profissionais, para o investidor geral, sob certas condições. Isso melhora a atratividade do produto.”

O regime jurídico estável tanto das debêntures quando dos FIDCs é outro ponto que torna os dois instrumentos seguros para o investidor e na linha de frente das fintechs para o acesso a funding. Essa é a visão de Fabio Braga, sócio da área bancária e financeira do Demarest Advogados. “O Marco das Garantias recém-aprovado melhorou ainda mais o ambiente ao facilitar a execução da garantia de bens dados como contraparte ao crédito, extrajudicialmente, e facilitar a emissão das debêntures. Ainda não teve reflexo no mercado e fica difícil avaliar qual será. É muito recente.”

A ideia de que um FIDC necessariamente tem uma governança melhor, utilizada por quem considera o fundo mais seguro, é questionada por Stopa, da Travessia. “Não é o instrumento que garante essa segurança, mas como os prestadores de serviço atuam, como a gestão é feita. Não vejo uma tendência clara no uso de um ou do outro instrumento pelas fintechs. É mais uma questão de momento da empresa e do volume que deseja captar.”

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