
As fintechs voltaram ao centro das atenções após operações conjuntas de Polícia Federal, Ministério Público e Receita Federal. Realizadas em agosto, as ações tiveram como alvos diversas empresas do setor. O ambiente digital que impulsionou o crescimento dessas instituições, oferecendo agilidade e custos menores, também se tornou atrativo para quem busca dissimular a origem de recursos ilícitos.
Essas empresas, conhecidas por se utilizarem de alta tecnologia para fornecer serviços financeiros inovadores por meio de plataformas digitais, lidam diariamente com alto volume e velocidade de transações financeiras. Assim, chamam a atenção dos órgãos fiscalizadores. Por isso, o avanço regulatório e o aumento da cooperação entre autoridades intensificam a vigilância sobre o setor e ampliam o risco de responsabilização penal de diretores e gestores.
A Lei nº 9.613/1998, que tipifica como lavagem de dinheiro a ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, vem sendo acompanhada de novos mecanismos de controle e rastreabilidade pelo poder público. Exemplo recente disso é a Instrução Normativa RFB nº 2.278/2025, publicada em agosto. A regra equiparou Instituições de Pagamento (IPs) às instituições financeiras tradicionais no dever de prestar informações à Receita Federal por meio da e-Financeira. Na prática, os dados de contas e operações passam a ser reportados ao Fisco, ampliando o cruzamento de informações e a identificação de movimentações atípicas.
Ampliação do canal de dados
O texto oficial prevê que indícios de crimes sejam comunicados às autoridades competentes e que a obrigação alcance contas de pagamento informadas na e-Financeira por todo o Sistema Financeiro Nacional (SFN). Para diretores e gestores, isso representa a ampliação do canal de dados que embasa auditorias fiscais, representações criminais e, em casos graves, operações policiais.

Em três meses de vigência da IN, já é possível observar impactos concretos: aumento da visibilidade sobre clientes e volumes transacionais, integração com relatórios de inteligência financeira e suporte a inquéritos, buscas e medidas cautelares. Quando a Receita compartilha dados robustos com o Ministério Público, a apuração criminal tende a avançar rapidamente para possível ocultação ou dissimulação de bens e valores.
Paralelamente, a Circular nº 3.978/2020, do Banco Central (BC), impõe às instituições financeiras e de pagamento obrigações específicas de prevenção à lavagem de dinheiro. O texto determina que cada instituição indique formalmente um diretor responsável por garantir o cumprimento das políticas de PLD/FT, supervisionar o monitoramento de operações suspeitas e realizar comunicações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e habilitação no Siscoaf. Essa vinculação pessoal facilita a atribuição de responsabilidade, inclusive penal, em caso de falhas graves, sejam elas intencionais ou ainda por omissão.
Novo ambiente regulatório-penal
Embora o descumprimento da circular tenha natureza administrativa, o cenário muda quando há evidências de que a falha era conhecida, relevante e útil para a concretização de um crime. A combinação entre as obrigações da Receita e as exigências do BC cria um arcabouço probatório mais sólido. Algo capaz de sustentar imputações penais a dirigentes que, mesmo cientes de riscos evidentes, deixem de agir. Aqui está, inclusive, o risco para os crimes de lavagem de dinheiro e participação por omissão quando a administração conhece o risco e se abstém.
Esse novo ambiente regulatório-penal impõe às fintechs uma revisão imediata de seus programas de governança. É essencial que os controles internos estejam atualizados e que a comunicação com o Coaf seja tempestiva. Além disso, é fundamental que as políticas de “conheça seu cliente (KYC, na sigla em inglês) e “conheça seu empregado” (KYE) estejam efetivamente implementadas. A omissão deliberada diante de alertas concretos pode configurar participação por omissão em crime de lavagem de dinheiro.
Mais do que uma pauta regulatória, o tema tornou-se questão de sobrevivência institucional, a partir de uma leitura de riscos penais atuais e futuros. A atuação coordenada da Receita, do BC e dos órgãos de persecução criminal sinaliza um novo patamar de fiscalização e responsabilização. Em um setor construído sobre a confiança tecnológica, a governança deixou de ser diferencial competitivo. Passou ser requisito de integridade e de proteção pessoal para quem ocupa posições de liderança.
*Advogados da área de Direito Penal Empresarial do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.