Por Carlos Ronaldo Cardoso Junior*
Importada dos Estados Unidos há alguns anos, a Black Friday ganhou força no Brasil e já é uma das principais datas do calendário varejista no país. Em sua primeira edição nacional, em 2010, apenas 50 grandes lojas participaram. O quadro é muito diferente do panorama atual: no ano passado, por exemplo, a data movimentou mais de R$ 3,1 bilhões em vendas. Conforme dados da Neotrust, esse número deve crescer 12% em 2023. Mas, afinal, o que os bancos têm a ver com isso?
Ótima oportunidade (eu diria até que não existe opção; é necessário jogar o jogo) para fincar a bandeira da principalidade ou qualquer outro objetivo. A verdade é que a Black Friday intensifica o contato do cliente com as soluções financeiras, seja por uma contratação direta de um produto com uma melhor taxa ou retorno, ou a quantidade de transações do cartão de crédito e Pix.
Se o cliente está no centro, agora é hora de brilhar e oferecer a melhor experiência para seguir trilhando o caminho longo e infinito da principalidade. Digo isso pois uma pesquisa do Google de agosto de 2023 aponta que o brasileiro tem em média 4,3 contas, um número muito maior que a pesquisa anterior de 2021 que apontava para 2,6 contas.
Estratégias
Com o passar do tempo, observamos diversos testes, desde serviços financeiros empacotados em forma de produto até cashback agressivos. Outra ação dos bancos que chama a atenção são as parcerias firmadas com o varejo, que passam por descontos e parcelamento sem juros, entre outras vantagens.
É uma estratégia inteligente? Acredito que sim, mas ainda há caminhos quase inexplorados para que as instituições financeiras participem mais ativamente da Black Friday e obtenham retornos ainda mais positivos dentro de suas estratégias de negócio.
A principal pergunta que os executivos dessa área precisam fazer antes de datas como essa é: “Por que esse consumidor escolheria o meu cartão e não o outro?”. Falando friamente do ponto de vista de negócios, o que essas instituições financeiras esperam é que os clientes passem a usar cada vez mais produtos e serviços oferecidos (mas claro, de forma “saudável”).
A resposta pode parecer bem simples — limite disponível, descontos ou facilidade de pagamento em lojas parceiras — mas é bem mais complexa do que isso. Aliás, requer um olhar muito estratégico para enxergar oportunidades. Aqui começamos a falar sobre dados. Há anos ouvimos que os dados são o novo petróleo. A afirmação está parcialmente correta. Isso porque esses dados apenas serão petróleo se soubermos a melhor forma de coletar, analisar e utilizar essas informações.
Jornada única e exclusiva
E qual a relação disso com bancos, consumidores e Black Friday? Explico. Essas informações serão de extrema importância para conhecer seu cliente e retê-lo ao mostrar que você sabe de suas preferências e está disposto a ajudar a adquirir um produto, por exemplo. Mais do que criar comunicações padronizadas para envios massivos a clientes com as mesmas características, faixa etária, sexo, renda mensal e até algumas personalizações, os dados serão a chave para a hiperpersonalização, ou seja, a criação de uma jornada única e exclusiva.
Com um nível alto de tecnologia e bom envolvimento entre áreas-chave de um banco, realmente conseguimos chegar ao indivíduo e trazer o contexto da pessoa para criar uma conversa exclusiva e uma sequência de comunicação que faça sentido para ela, melhorando a sua experiência que, por consequência, contribui para a fidelização desse cliente. Assim, é importante entendermos o perfil e o momento de vida de cada pessoa. O histórico de compras pode dizer muito, mas o comportamento do cliente nos últimos meses também guarda insights valiosos.
Para refletir, na última Black Friday, um determinado cliente utilizou grande parte do seu limite do cartão de crédito para adquirir na grande maioria eletrônicos, comportamento que se repete em menor intensidade durante o ano. Porém, no último mês ele não só acessou a área de investimentos como realizou pesquisas para entender mais sobre tesouro direto e CDB. Ele, inclusive, tem dinheiro em poupança. Essas informações na mão de quem entende das soluções que um banco pode oferecer são valiosas, mas como automatizar e escalar?
Para resumir muito, a hiperpersonalização ajuda a definir o que comunicar, como fazer isso, em qual momento e por qual canal. A ligação entre tudo isso que citei é a tecnologia. Nesse sentido, para se chegar na hiperpersonalização de forma escalável, são necessários alguns pontos básicos. Entre eles, estão estruturação de dados, ferramentas e, claro, muita ciência de dados, inclusive com utilização de inteligência artificial (IA).
Espaço para evolução
Além da tecnologia, só vejo isso acontecer em ambientes onde existe grande sinergia entre as áreas e um ótimo nível de conhecimento em martech. Vemos nos bancos um movimento de amadurecimento nos últimos tempos, impulsionados pelo surgimento das fintechs, que já nasceram dentro da tecnologia e obrigaram os grandes bancos a se adaptarem. Apesar disso, ainda tem muito espaço para evolução.
Imagine todos os serviços oferecidos por uma instituição financeira, por exemplo, seguros, consórcio, crédito pessoal, financiamentos, cartões. Todas essas áreas nasceram separadas. A principal complicação está na estrutura de arquivamento de informações. Nesse formato, não é possível conhecer toda a jornada do cliente, identificar seu contexto de vida no momento. Por consequência, não há hiperpersonalização.
Capacidade técnica temos de sobra e é inegável que o Brasil está na vanguarda da mineração de dados. Mas ainda precisamos olhar com mais cuidado para a integração e análise dos dados para que, internamente, as instituições financeiras caminhem na mesma direção, com os mesmos objetivos e tornem a jornada e experiência desse consumidor ainda melhores.
*Carlos Ronaldo Cardoso Junior é delivery executive director da MATH Group, consultoria de marketing e tecnologia. Também atua como professor de digital analytics na ESPM.
Este é um espaço editorial, com análises e opiniões de especialistas de mercado e executivo(a)s com temas de interesse do ecossistema de fintechs. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações do texto.
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