Marcela Ruiz Cavallo e Renato Borelli Valentim*
A inovação funciona como a mola propulsora de importantes mudanças no cenário empresarial, sendo a tecnológica a que mais revoluciona os mais diversos setores, trazendo praticidade, agilidade e acessibilidade para empresas e pessoas. No mercado financeiro não é diferente, com as fintechs – startups que se valem da tecnologia para oferecer serviços e produtos financeiros – o público tem experimentado formas diferentes de lidar com seu dinheiro, de gerir seu patrimônio, de contratar os mais diversos produtos e de acessar crédito e mercado de capitais.
No Brasil, este modelo de negócio ganhou forma recentemente, e houve um crescimento significativo nos dois últimos anos, tornando-o um dos países com maior número de fintechs e o estado de São Paulo o quarto maior ecossistema do mundo, segundo dados do relatório Global Fintech Rankings de 2021.
Muito se questiona o porquê deste grande crescimento repentino, o que se explica pelo cenário favorável para a criação e desenvolvimento dessas empresas no país. A partir da Resolução CMN nº 4.656/2018, que regulamenta as fintechs, o mercado pôde conhecer uma enorme gama de produtos e serviços oferecidos por estas empresas.
Este crescimento exponencial atrai um olhar curioso sob o ponto de vista jurídico, vez que, constantemente, o menor nível de regulamentação exigido para constituição de fintechs é alvo de crítica por parte das instituições financeiras tradicionais, pois, sob a ótica destas, esta menor regulação poderia prejudicar a livre concorrência.
E de fato o debate é válido, principalmente sob a ótica de fintechs que cresceram e hoje não mais são encaradas como pequenas empresas com enorme potencial de inovação, mas sim empresas consolidadas e que já possuem a confiança do mercado, sendo questionável a adequação de seu enquadramento, que as equipara com empresas menores, com pouco capital.
A Resolução acima mencionada torna as fintechs aptas a atuar no mercado, de forma geral, sob duas perspectivas: Sociedade de Crédito Direto (SCD) e Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP). Ambas atuam exclusivamente por meio eletrônico, e as diferenças estão em seus conceitos: enquanto as SCD objetivam a realização de operações de empréstimo, financiamento e aquisição de direitos creditórios com utilização de recursos financeiros originados unicamente de capital próprio, as SEP possuem por objeto a realização de operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas.
Porém, mesmo com a devida regulamentação, percebe-se que boa parte do público ainda apresenta uma certa desconfiança, principalmente pelo fato das fintechs atuarem em um ambiente 100% digital. Tal desconfiança existe, principalmente, porque estamos diante de algo diferente, mas, para afastar esse sentimento, é bom que se tenha-se em mente a existência das Resoluções CMN nº 4.658/2018 e 4.752/19, que vieram justamente para trazer uma camada de segurança nas operações.
Tais normativos buscam efetivamente proteger informações, estabelecendo procedimentos e padrões a serem adotados buscando a segurança cibernética, e trazem requisitos para a contratação de serviços de processamento e armazenamento de dados e de computação em nuvem. A proteção em questão é agregada pela Lei Geral de Proteção de Dados, já em vigor e que é plenamente aplicável às fintechs.
É importante destacar que uma das principais vantagens para as fintechs é que podem operar sem serem constituídas formalmente como bancos, o que facilita a abertura. Em geral, são constituídas como instituições de pagamento, ficando liberadas de diversas exigências aplicadas pelo Banco Central aos bancos. Este mesmo fator também submete as fintechs a um regime tributário bastante diferenciado daquele que é válido para os bancos, o que facilita e incentiva a criação dessas entidades, permitindo que novos entrantes ingressem nesse mercado que sempre foi dominado exclusivamente por poucos players.
Este tratamento é extremamente positivo e importante, pois ao fomentar o surgimento das fintechs, além de trazer ao público soluções inovadoras, democratiza o acesso aos produtos destas instituições a uma camada da população que vivia às margens desta atividade.
Sobre estes novos entrantes, inclusive, é importante que se diga que em outubro de 2018 foi editado o Decreto 9.544, que permite a participação estrangeira de até 100% do capital social das SCDs e SEPs, sendo esta uma relevante mudança que contribui para o desenvolvimento das fintechs, na medida em que permite um maior volume de recursos direcionados ao segmento, favorecendo o incremento tecnológico das empresas, viabilizando, em última análise, o aumento da concorrência e melhoria e maior variedade dos serviços aos clientes.
Em termos práticos, para que se constitua uma fintech, basta que se escolha o modelo mais adequado ao seu negócio, que se disponibilize o capital social mínimo, organize a sociedade, faça um planejamento empresarial e tributário, providencie demais documentos empresariais e protocole pedido de autorização junto ao BACEN. Após a integralização do capital social, deferido o requerimento junto ao BACEN, a fintech está apta a registro. Um caminho muito mais simples quando comparado aos bancos tradicionais, que exige diversas outras etapas para a sua abertura, como, por exemplo, anúncio de intenção de abertura, descrição de projeto, justificativa referente a origem do dinheiro a ser investido, entre outros.
Além das facilidades na constituição, existem vantagens em sua operacionalização, não tendo a exigência de recolhimento do compulsório, por exemplo, além de uma melhor eficiência sob o ponto de vista tributário, como já mencionado. Também não se pode deixar de mencionar a existência de mecanismos jurídicos hábeis a proteger a pessoa que deseje investir em uma fintech, na condição de sócio, o que pode ser feito, a depender do caso, pela utilização da figura do investidor “Anjo”, já devidamente regulamentado.
Tais possibilidades são atrativas não só para o investidor, que pode optar por diversas modalidades de investimento, dependendo do seu objetivo, como também para as empresas, que poderão usufruir de uma maior gama de possibilidades de obter capital, muitas vezes sem interferência em sua gestão, e fomentar suas atividades.
Portanto, o cenário para as fintechs se mostra extremamente favorável, contribuindo para a inovação no setor, permitindo a democratização do mercado financeiro, tornando-o acessível à pequenos negócios e a um grande número de pessoas que estavam à margem desse ecossistema, sendo que o já existente arcabouço jurídico e regulatório é fator que deve afastar a desconfiança quanto à essa figura, pois confere segurança a quem deseja se relacionar com esse inovador tipo de negócio.
* Marcela Cavallo é advogada especialistas em direito cívil da Zilveti Advogados e Renato Borelli é advogado mestre tributário da Zilveti Advogados
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