Opinião

Fintechs são solução, mas também parte do problema do superendividamento

Linconl Rocha*

O crédito no Brasil virou complemento de renda. Para fechar o mês, famílias recorrem ao crédito, seja consignado, rotativo, pessoal – entre outros -, por necessidade de subsistência e de obter condições dignas de sobrevivência. A necessária modernização do sistema financeiro veio aparentemente facilitar não a vida dos brasileiros, mas seu endividamento. 

Mesmo não sendo a principal responsável, a concorrência no setor financeiro com o advento das fintechs colabora para um quadro de endividamento das famílias e das empresas de menor porte, de inadimplência recorde, de taxas de juros estratosféricas, restrição de crédito, redução do crescimento, desemprego e informalidade no mercado de trabalho e fechamento de dezenas de milhares de pequenos negócios – mais de 700 mil em 2023, apenas até o final de abril, segundo dados coletados pelo Sebrae. 

Como parte deste problema cabe a nós participar de um debate um nível acima da economia e ir além de programas como o Desenrola Brasil – é preciso políticas públicas que aumentem o nível de emprego e o investimento em educação, o que estruturalmente e ao longo do tempo irá resolver a questão do endividamento.

Mexida no tabuleiro

Pouca atenção está sendo dada a esta questão central: criação de emprego privado e renda. Negociar dívidas não significa em absoluto resolver a raiz do endividamento, é apenas uma mexida no tabuleiro, um esforço de zerar a quilometragem, um programa social às avessas compensando modelos de crédito que não foram capazes de prever a nova economia concorrencial, a renda desenquadrada e o desestímulo à produção.

Até a criação do auxílio emergencial da pandemia e concomitante lançamento do PIX, segundo o Instituto Locomotiva, mais de 35 milhões de brasileiros que não tinham qualquer razão prática para ter uma conta em instituição financeira, nem mesmo poupança ou conta-salário, passaram a ter uma conta para chamar de sua. 

A necessidade das pessoas e a ação de umas poucas entidades, especialmente da Caixa Econômica Federal, trouxeram milhões de novos correntistas para o sistema financeiro, movidos mais pelos programas sociais do que pela educação financeira ou pelas facilidades da tecnologia bancária das fintechs.

Certamente, lidar apenas com um aplicativo no celular e não com a pompa, a formalidade e as filas dos bancos tradicionais tornou o processo de “bancarização” muito mais atrativo e largas parcelas da população aderiram rapidamente à novidade.

Concorrência

As novas regulamentações do setor financeiro inauguraram a concorrência. Algumas fintechs cresceram o suficiente para encarar a competição com os grandes. 

Com cerca de 1.500 fintechs operando em 2023, segundo a consultoria Distrito, e todas disputando algum espaço no mercado oligopolístico, essas empresas destacaram-se pela facilidade do relacionamento com os clientes, inclusive para operações de crédito, e pelo atendimento de nichos ignorados pelas casas bancárias tradicionais.

No atendimento de segmentos específicos funcionam muito bem, como G10 Bank para moradores de comunidades periféricas, BMP que foca no BaaS para os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Conta Black para o público negro, Pride Bank para a comunidade LGBTQI+, Trigg para o público GEEK, e até mesmo ONGs (Impact Bank) e a geração Z (Z1 Bank).

E chegamos ao drama do superendividamento das famílias e dos pequenos negócios. Conforme a última pesquisa da Confederação Nacional do Comércio, 79,2% das famílias que ganham até três salários-mínimos estavam endividadas em janeiro desde ano. Centenas de milhares delas endividadas por pequenas quantias, muitas vezes no cartão de crédito “digital” – e sem recursos para pagar. 

O programa Desenrola Brasil tem se mostrado funcional e terá seu valor, mas longe de ser estrutural. De acordo com relato da Federação Brasileira de Bancos, o balanço inicial do programa mostrou que a iniciativa teve forte adesão e limpou o nome de milhões de brasileiros com dívidas de até R$ 100.

Muitos outros acordos foram realizados pelo sistema bancário e empresas do varejo para dívidas de valores superiores, basicamente seguindo procedimentos adotados em outras ocasiões, como as campanhas de negociação promovidas por entidades como SERASA, SCPC e mesmo empresas de varejo, que aderiram à iniciativa.

* presidente da PAGOS (Associação de Gestão de Pagamentos Eletrônicos)