Por Alex Franco*, exclusivo para o Finsiders
O ano de 2023 começa bastante desafiador do ponto de vista socioeconômico. A inadimplência de empresas e consumidores batem recordes históricos (6,5 e 70,5 milhões, respectivamente em fevereiro, segundo o Indicador de Inadimplência da Serasa Experian), sem contar as diversas notícias sobre layoffs ou demissões em massa. Empresas de diversos segmentos foram afetadas por esse cenário, inclusive o ecossistema das fintechs e bancos digitais.
Apesar disso, relatórios do Banco Central (BC) mostraram que a participação dessas instituições no mercado de crédito sem garantias, como cartão de crédito, empréstimos pessoais etc., vem aumentando. Apenas em 2022, atingiu 14% e, considerando quão jovens as fintechs e os bancos digitais são no mercado brasileiro, é um número bastante expressivo.
Entretanto, a rentabilidade (lucro operacional) não cresce no mesmo patamar. O patrimônio líquido das instituições financeiras tradicionais, por exemplo, foi de 12,2% (mediana das rentabilidades) em 2022, já a das fintechs/bancos digitais foi de apenas 1,3% (mediana das rentabilidades).
Com esses números, fica evidente que as fintechs e os bancos digitais precisam desenvolver estratégias de negócio baseadas em informação e tecnologia para tomadas de decisão mais seguras e rentáveis, a fim de superar o grande desafio atual: trabalhar mais a questão de eficiência do que a de expansão.
Concessão de crédito
Historicamente, fintechs e bancos digitais possuem mais apetite ao risco do que os bancos tradicionais, o que faz parte de sua estratégia de aumentar a fatia de participação no mercado. No início, as startups encontraram oportunidade de crescimento nos desbancarizados e pessoas menos atrativas para o mercado de crédito. À época, isso foi considerado novo e revolucionário.
Entretanto, o que o cenário atual nos mostra é que o aumento da participação de fintechs e bancos digitais no mercado de crédito não foi acompanhado por uma concessão desenfreada de empréstimos. Pelo contrário, as fintechs e bancos digitais adotaram uma postura mais cautelosa, com maior controle de riscos e análise mais rigorosa dos perfis dos clientes.
E isso tem uma explicação: o consenso do ecossistema é que os próximos meses sejam dedicados a manter a sustentabilidade e a eficiência dessas empresas, pensando em tração e sobrevivência, principalmente em um momento incerto da economia brasileira.
Leia mais: Inadimplência de cartão desafia fintechs em 2023, aponta Fitch
O que não queremos, e não podemos fazer, é deixar as fintechs – que nascem como inovadoras – morrerem na praia depois de tanto nadarem em um mar vermelho para revolucionar o setor financeiro. O segredo é criar as oportunidades para que as instituições financeiras caminhem numa mesma jornada para proporcionar a saúde financeira aos brasileiros.
Do ponto de vista de especialista em serviços de crédito, posso dizer que existe uma saída. Na verdade, três iniciais, que formam um tripé financeiro: novas modalidades de crédito, gestão de carteira e sustentabilidade baseada em dados.
1. Novas modalidades de crédito
Já existem alguns novos modelos de crédito que são discutidos nos fóruns de inovação junto às fintechs e bancos digitais, como o ‘buy now, pay later’ (BNPL). Trata-se de uma modalidade que permite ao consumidor comprar um produto ou serviço agora e pagar depois, em parcelas. Geralmente, essas parcelas são menores que um financiamento comum, sem juros ou com taxas mais baixas do que os empréstimos tradicionais. É mais ou menos como o crediário que temos no Brasil.
Uma pesquisa da Experian Global de 2022 mostrou que, nos Estados Unidos, onde o BNPL e os empréstimos convencionais começam a engatinhar e ganhar popularidade, a maioria dos consumidores (69%) usa esse formato até três vezes por ano e o motivo principal é para comprar vestuário (58%). As pessoas mais jovens, sobretudo os millenials e a geração Z, são os consumidores majoritários (19% e 30%, respectivamente).
Outros novos modelos de crédito que devem surgir, para ser mais breve, são o microcrédito (valores baixos, condições flexíveis e análises de risco simplificadas), crédito colaborativo via plataformas on-line (algo parecido com crowdfunding), crédito instantâneo e crédito verde. O Open Finance não faz parte da modalidade, mas pode ter um impacto positivo, já que oferece acesso aos dados de usuários entre as instituições financeiras.
2. Gestão de carteira
O segundo pilar é investir na gestão de carteira, ou seja, ter um olhar aprofundado e analítico para o comportamento dos clientes já conquistados para identificar oportunidades, uma atividade crucial para garantir a rentabilidade e a segurança dos investimentos das instituições financeiras e de seus consumidores.
Envolve analisar o comportamento de compra dessas pessoas e a definição de estratégias de investimento, a seleção dos ativos financeiros mais adequados para a carteira, a alocação de recursos e o monitoramento constante do desempenho dos investimentos de acordo com cada perfil. No fim, os objetivos principais são fazer ofertas customizadas de acordo com o poder de compra de cada usuário, potencializar o retorno financeiro e gerenciar os riscos envolvidos.
3. Sustentabilidade baseada em dados
Sustentabilidade baseada em eficiência e eficácia vem em terceiro lugar, que é a adoção de práticas sustentáveis para ajudar a reduzir os custos operacionais e otimizar as políticas de crédito para maximizar o retorno sobre os investimentos. Recorrer à tecnologia e à inteligência de informações é fundamental para traçar planos mais concisos e otimizados.
Automação aqui é a alma do negócio. Análises manuais e processo morosos dão lugar a motores de decisão e novas soluções analíticas que reduzem o tempo de retorno e o risco de erro humano no processo, além de maximizar a geração de valor. Além disso, contribui para a construção de uma imagem mais positiva perante o mercado e à sociedade.
O segredo do sucesso desse tripé é, sem dúvida nenhuma, a análise de risco, que fica cada vez mais aprimorada e automatizada quando envolve inteligência analítica e tecnologia. Essa é a oportunidade perfeita para que fintechs e bancos digitais possam manter sua essência inovadora e inclusiva e, ao mesmo tempo, tornarem-se cada vez mais sólidas e rentáveis.
*Alex Franco é diretor de credit services da Serasa Experian.
As opiniões neste espaço refletem a visão de founders, especialistas e executivo(a)s de mercado. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações apresentadas pelo(a) autor(a) do texto.
Leia também:
Governo lança medidas para estimular crédito e facilitar autorização de instituições financeiras
‘Boom’ das fintechs: 2023 é um ano de consolidação do mercado
Fintechs mais seguras a partir de garantias regulatórias do BC