MERCADO

Por que os bancos irão sobreviver — com as fintechs

Competição e ameaça trazidas pelas fintechs obrigou e impulsionou a indústria bancária a sair de sua tradicional zona de conforto

Bancos e fintechs
Bancos e fintechs | Imagem: Adobe Photoshop

Há quase três anos, escrevi um artigo em que afirmava – na contramão do senso comum – que “os bancos não iriam sucumbir diante das fintechs”. Isso apesar da importância crescente destas startups e, consequentemente, dos eventuais estragos que estas iriam causar no modo de ser da indústria bancária.

Passado este período, eu não somente reafirmo minha visão – hoje mais crível à luz dos eventos – como reforço o benéfico estímulo que o pujante ecossistema de fintechs e a transformação da indústria financeira têm proporcionado não somente para a sociedade, mas também para os próprios bancos.

A cada ameaça, uma oportunidade

A transformação digital, que trouxe a possibilidade de disrupção do mercado, e o surgimento de novos modelos de negócios baseados em tecnologia e com foco obsessivo em resolver uma “dor de cada vez” vêm desafiando os incumbentes. Mas isso também tem aberto um amplo caminho de soluções e alternativas para os próprios bancos.

Muitas instituições financeiras se transformaram, passaram a operar em plataformas digitais. Elas também ampliaram seu portfólio e foco de atuação, até então limitado a capilaridade das agências e alguns canais de atendimento.

Para isso, naturalmente, tiveram que aprender a desenvolver novas parcerias, rever suas estratégias – antes acomodadas por limitações, travas regulatórias, além de certa falta de competição. Além disso, as instituições rejuvenesceram seu posicionamento e marca. Por exemplo, alguns nem mais mencionam que são bancos em seu logo, tal a mudança de visão. Reposicionaram, ainda, a relação com seus clientes e também vêm melhorando sua eficiência. Ou seja, aprenderam a se desenvolver neste cenário volátil, incerto e em constante evolução.

Em suma, a competição e ameaça trazidas pelas fintechs obrigou e impulsionou a indústria bancária a sair de sua tradicional zona de conforto e, assim, se movimentar. Isso significou evoluir sua operação, mas também se abrir para novas possibilidades.

Carlos Augusto de Oliveira, diretor-executivo da ABFintechs. Foto: Divulgação
Carlos Augusto de Oliveira/ABFintechs | Imagem: divulgação

No fundo, o que constatamos é uma convergência de modelos. Nela, os bancos avançam para migrar suas plataformas seguindo uma tendência de transformação digital. Para isso, incorporam, copiam ou mesmo adquirem startups, avançando no modelo de inovação das fintechs. Atualmente, por exemplo, vemos parcerias “exóticas” – antes impensáveis – sendo construídas, assim como bancos oferecendo serviços de Banking as a Service (BaaS) e suporte às próprias fintechs que antes eles mesmos combatiam.

Obviamente, tudo isto teve um ônus, que nem todos conseguiram arcar. Exigiu correta leitura das tendências do mercado e suficiente desprendimento para se reinventar. Porém, nem todos entenderam ou se dedicaram com a mesma competência.

Fortalezas ocultas e potenciais

Evidentemente que o crescimento do ecossistema de fintechs, favorecido por uma regulação mais flexível e pró-competição, tem pressionado o modelo tradicional dos bancos. Na prática, exige que essas instituições revisitem sua operação com uma agilidade antes impensável para, assim, serem mais eficientes e transparentes. Esta ameaça tem se revelado, na verdade, benéfica para aqueles bancos mais atentos às mudanças do mercado e com coragem de se reinventarem, empurrando-os para serem competitivos.

Os bancos possuem uma fortaleza que é terem construído um forte relacionamento com boa parte de sua base de clientes e um portfólio bastante diversificado que os protegem diante de ofertas momentâneas e nos períodos anticíclicos. Impossível também ignorar que o capital financeiro e intelectual acumulado não sejam uma vantagem competitiva. Isto é, pode auxiliar na jornada de inovação e compensar alguns gaps de conservadorismo e oriundos da complexidade de governança.

Embora tenham, em geral, legados antigos que dificultam se movimentar com agilidade, os bancos possuem profundo domínio da dinâmica da indústria financeira, elevado expertise e inteligência acumulada, forjada diante de diversas crises e oscilações do mercado. Podem demorar a se movimentar em função do peso da estrutura, mas quando definem a estratégia possuem determinação e disciplina para avançar de forma inteligente e assertiva.

Em função disso, vemos hoje vários bancos mais integrados com sua cadeia de fornecedores e parceiros, sem grandes paradigmas de desenvolver ou se conectar com vários ecossistemas de inovação, além de estarem presentes nas mais diferentes formas de fazer negócio.

A tecnologia muda; as necessidades, não

As fintechs preenchem uma lacuna específica no mercado – deixada em aberto pela lentidão com que os bancos tradicionais capturam as mudanças e demoram a reagir. O principal objetivo destas empresas disruptivas – e seu impulso para a inovação – é alavancar a tecnologia para resolver necessidades não atendidas dos seus clientes, assim como proporcionar experiências diferenciadas. 

Os bancos, por outro lado, atendem em geral a um público amplo com objetividade. Suas ofertas podem ser variadas e amplas, com uma gestão forte de risco e ganhos de escala, maximizando o uso do capital. No entanto, dificilmente atingem a qualidade e flexibilidade necessária para atender nichos e demandas mais personalizadas.

Antes, estas duas qualidades – especialização e diversificação – eram mutualmente excludentes. Mas a tecnologia e os padrões regulatórios têm alterado este panorama. O que vem ocorrendo é a construção de novas plataformas e arranjos de marcado (por exemplo, Open Finance) que viabilizam a incorporação de novos serviços e construção de novas parcerias de forma eficiente. Assim, facilitam para ambos (fintechs de imediato, mas também para os bancos) construírem um portfólio diversificado de melhores serviços e de uma forma bem menos complexa.

O Open Finance pode beneficiar os bancos?

O Open Finance é um ambiente de empoderamento dos clientes. Ao dar o consentimento, autorizam que seus dados possam ser compartilhados com outras instituições. Com isso, elimina-se a assimetria de informações entre os agentes do mercado gerando, assim, maior competição.

Trata-se de um mecanismo que desafia todo o mercado, sejam os tradicionais ou os desafiantes da indústria. Contudo, também é uma maneira pela qual os bancos podem acelerar a inovação através de um processo padronizado de interoperabilidade com todo o mercado. 

Esse novo ecossistema permitirá que as Instituições Financeiras (IFs) possam utilizar e integrar serviços e produtos desenvolvidos por terceiros – sejam bancos especialistas ou fintechs com soluções diferenciadas. Dessa forma, poderão com facilidade incorporar um conjunto de melhores ofertas dentro da sua plataforma, mediante uso de APIs padronizadas e abertas, fortalecendo o serviço aos seus clientes.

O Open Finance, portanto, é uma abordagem projetada para impulsionar a inovação e que pode melhorar a experiência do cliente (também) dos bancos. Ou seja, os bancos mais atentos poderão ser levados a se concentrar mais em se tornarem consultores especializados tendo como base relacionamento e inteligência de dados. Assim, poderão se diferenciar no mercado financeiro de forma mais acelerada pela oferta personalizada e sempre oportuna.

Desafios que os bancos enfrentam hoje

Para sobreviver, os bancos devem mudar para uma mentalidade de construção focada nas novas necessidades e experiências do cliente. Isso significará reestruturar as hierarquias internas, para tornar a dinâmica de evolução mais ágil. Os resultados disso devem incluir descentralização e autonomia dos seus líderes, maior tolerância a falhas e, principalmente, tomada de decisão mais rápida. E já vêm surgindo bons exemplos de sucesso deste processo de transformação da indústria.

Por outro lado, há também ameaças vindo de diversas indústrias não financeiras que buscam a desintermediação por meio da possibilidade de prestar serviços financeiros diretamente aos seus próprios clientes. Neste novo cenário, os bancos terão de se adaptar e saber interagir com estes novos players, oferecendo suas plataformas e suas competências para se conectar a novos nichos de mercado – e, por meio de fintechs parceiras, a diferentes ambientes de negócios.

Neste novo ecossistema, o mercado financeiro pode se conectar como serviço, oferecendo suas APIs, via embedded finance, e principalmente funding para todas as indústrias, com custos de distribuição mais reduzidos. Com este modelo, a visibilidade reduzida da marca certamente poderá ser um dos principais ônus para o bancos. Limitará seu poder de influência sobre os usuários fora do ambiente bancário. Entretanto, preservará e ampliará sua atuação, com melhor uso da capacidade instalada e preservação da rentabilidade.

Evidentemente que isto exige das instituições financeiras uma visão mais aberta e estratégica, conectada com o movimento de inovação da indústria. Humildade também é necessária para viabilizar e se aproveitar deste movimento.

Como as fintechs estão evoluindo e acelerando

O ecossistema de fintechs cresce de forma vigorosa na medida em que identifica novas dores e lacunas não resolvidas pelos bancos. Quanto maior o sucesso da oferta, e a fintech identificando novas oportunidades de escalar e aumentar a fidelização dos clientes, a operação vai se desenvolvendo e integrando novas soluções. Assim, aumentam a complexidade e sofisticação da operação.

Isto provoca o aumento da necessidade de recursos, a complexidade de gestão e a ampliação de foco ao longo de sua jornada de crescimento. Ou seja, quanto mais crescem, se tornam relevantes e ampliam a capacidade de extrair mais valor dos seus clientes, mais se parecem com um banco. Isso inclui, por exemplo, conflitos internos e dificuldade de conciliar as agendas de evolução entre os diversos processos, novos serviços e diferentes negócios.

Talvez por isso tem sido comum – e provavelmente será cada vez mais – a tendência de as fintechs se conectarem a bancos para, juntos e de forma complementar, fortalecerem suas estruturas, formando novos ecossistemas de serviços diversificados aos seus clientes. Na verdade, hoje já é difícil distinguir a diferença entre algumas fintechs maiores e bancos que se transformaram em plataformas digitais. Isso faz com que desconfiemos que, no futuro, tal classificação se torne irrelevante ou intangível.

Bancos possuem um futuro incerto, porém promissor

Em suma, não se deve subestimar os bancos. Isso porque, apesar de lentos para decidir, eles conhecem bem o mercado, observam atentamente as mudanças e estão trabalhando fortemente para se adaptarem à atual disrupção da indústria. De forma geral, pela sua arquitetura diversificada de negócios, os incumbentes têm elevada resiliência e expertise para enfrentar adversidades e desafios do negócio.

Muitos se esquecem de que os bancos exercem um papel insubstituível e multiplicador na irrigação da economia. Boa parte de sua complexa regulação e do elevado nível de exigência de governança está relacionada à possibilidade de alavancagem dos recursos depositados pelos clientes para novos financiamentos das pessoas e empreendimentos, ampliando significativamente o potencial de geração de resultados e oportunidades, de forma única. Os bancos são peças fundamentais na retomada do crescimento econômico em todo o mundo.

Praticamente todos os bancos tradicionais já possuem experiências digitais ou mesmo estão completamente se transformando em grandes plataformas digitais. Podem, assim, ser uma resposta a este desafio usando o melhor dos dois mundos, unindo expertise e capital para alcançar resultados incríveis. 

Com seu nível de especialização, essas instituições podem aplicar tecnologias verificadas para construir soluções sob medida para seus processos e alavancar todo o valor gerado. Enquanto isso, esses bancos tradicionais estão investindo em ciência e análise de dados, assim como vêm negociando cada vez mais parcerias com iniciativas inovadoras. Eles têm a vantagem de ter acesso a um grande pool de recursos e soluções diversificadas, em comparação com as instituições desafiadoras. 

É claro que os bancos certamente estão trabalhando duro para inovar em seu próprio ritmo e, eventualmente, melhorarão a sua competitividade. Eles podem estar aparentemente se movendo lentamente, mas estão, claro, discretamente focados em manter sua vantagem competitiva. Portanto, os bancos não ignoram que, para sobreviverem, terão que acelerar este processo de transformação.

Evidentemente que no geral, apesar dos esforços, os bancos sofrerão algum impacto. Mas, na verdade, esta nova arena de competição está fazendo muito bem a estas tradicionais instituições, empurrando-as para maior evolução, inovação e eficiência.

Cada instituição tem o seu timing próprio. Por isso, naturalmente nem todos estão tão bem alinhados. Mas os players que não entenderem o desafio e resistirem a esta nova realidade, sim – de fato – ficarão pelo caminho. E rapidamente.

Desafio e oportunidade para todos

Não esperem grandes derrotas ou saídas dos bancos, além da habitual seleção ‘darwiniana’ do mercado que pune os negócios mal gerenciados.

Na verdade, em grande parte as próprias fintechs podem ajudar os bancos a continuarem crescendo e melhorando, por meio de um processo de colaboração e complementariedade natural, que beneficia ambos.

Por outro lado, neste processo de transformação e aprendizado recíprocos, ambos cada vez mais estão convergindo rapidamente, incorporando as inovações para acompanhar as necessidades e expectativas crescentes dos clientes. As fintechs estão cada vez ampliando seu leque de atuação para atender seus clientes de forma mais ampla e, com isso, absorver fatias cada mais significativas de mercado – assim como os bancos.

A indústria financeira está evoluindo muito rapidamente, gerando impacto e atenção para os seus participantes. Se por um lado temos desafios crescentes, por outro também surgem oportunidades maiores a cada passo da transformação. Hoje a indústria está mais competitiva, mas também mais conectada a outros setores, e de forma cada vez transparente e flexível. Todos os players se beneficiam disso, aumentando a integração e inclusão na prestação de serviços aos mais diversos tipos de clientes.

O mercado é grande, cada vez mais amplo e tem espaço para todos que entenderem suas mudanças e crescentes expectativas e, assim, se transformarem.

*Diretor executivo da ABFintechs, empreendedor e investidor-anjo de startups