DIA INTERNACIONAL DA MULHER

ANÁLISE: Quanto mais mulheres no topo, maior a equidade de gênero nos negócios

Como fundadora do Women Leaders in Fintechs e aliada de outras iniciativas que fomentam o protagonismo feminino, percebo o impacto que têm promovido

Kaliane Abreu/WLF
Imagem: Maria Victória Serbeto de Barros
Kaliane Abreu/WLF Imagem: Maria Victória Serbeto de Barros

Na última segunda, 4/3, escutei em um evento do Mulheres do Tributário[i] a seguinte frase: “50% do mundo é são mulheres e os outros 50%, homens nascidos de mulheres”. Essa é a potência do dia internacional da mulher.

Por isso, homens que tiveram suas vidas transformadas por mães, tias, avós, irmãs, primas, esposas, filhas e netas também devem celebrar a data.

Em especial, devemos honrar as mulheres que nos abriram os caminhos para hoje estarmos aqui. Elas foram responsáveis por conquistas extraordinárias femininas, que nos inspiram a persistir com nossas reivindicações pela equidade de gênero.

Em retrospectiva, as mulheres começaram a frequentar salas de aula apenas em 1847, embora o ensino fosse exclusivo sobre afazeres domésticos. A primeira mulher brasileira ingressou na faculdade em 1887 na Bahia. Até 1962, as mulheres somente poderiam abrir conta bancária com a aprovação do esposo. Isso estava nas diretrizes do Estatuto das Mulheres Casadas, que retiravam diversos direitos femininos, dentre eles a autonomia financeira. A partir de 1962, as mulheres conquistaram o direito a ter uma conta bancária e a assinar um contrato de cartão de crédito em 1974.

Direito constitucional

Pode parecer óbvio para os tempos atuais, mas a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a estabelecer a plena igualdade jurídica entre homens e mulheres no Brasil. “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, estabelece o artigo 5º da Constituição Federal, promulgada em 1988, há meros 36 anos.

Apesar de o texto constitucional não ser colocado em prática na sua totalidade, iniciativas legais proporcionaram avanços. Entre eles, a aprovação da Lei Maria da Penha em 2006 e o Projeto de Lei que obriga a reserva mínima de 30% das vagas de membros titque passou na Câmara dos Deputados.

Ainda, a criação do índice de diversidade pela B3 (IDIVERSA B3) na qualidade de agente indutor de boas práticas e avanços no mercado financeiro. O objetivo desse índice é ser o indicador de desempenho médio das ações dos ativos de empresas listadas que se destacam no critério de diversidade.

Acredito que, assim como eu, caras leitoras e leitores, vocês gostariam de vivenciar a equidade de gênero na prática, especialmente quando refletimos sobre 8 de março. É importante pontuar que transformações profundas e estruturais do coletivo precisam de tempo para se consolidarem em uma sociedade. Cabe a nós, sermos os agentes dessas transformações e reivindicar políticas públicas que assegurem a equidade de gênero.

De acordo com o relatório do Sebrae[ii] sobre empreendedorismo feminino, as mulheres abrem negócios tanto quanto os homens, têm maior grau de escolaridade, mas ganham menos  e suas empresas fecham mais rápido. Os empreendimentos femininos faturam menos, são menos inovadores, têm lucros menores, pouca diversificação e baixa chance de internacionalização. Além disso, elas pagam taxas de juros mais altas, mesmo sendo mais adimplentes.

Questões sociais

Essas diferenças podem têm suas raízes em questões sociais e culturais. As mulheres dedicam 18% menos horas ao negócio do que os homens, já que cuidam da família e das tarefas domésticas. 76% das mulheres sentem sobrecarga ao tentar equilibrar os cuidados com a família e a empresa, em comparação com 55% dos homens. Mulheres gastam em média 3,1 horas por dia cuidando de familiares e 2,9 horas por dia com afazeres domésticos, enquanto os homens gastam apenas 1,6 horas e 1,5 em média, respectivamente. Cerca de ¼ das mulheres empreendedoras já sofreram preconceito por serem mulheres em seus negócios. Além disso, 42% já presenciaram outra mulher sofrendo preconceito.

O relatório ainda destaca que muitas mulheres empreendem em decorrência do desemprego ou porque não possuem alternativa de renda. Muitas perdem os empregos após a maternidade ou necessitam de horários mais flexíveis para conciliar a carreira com a jornada familiar. O empreendedorismo surge de uma necessidade e não de uma oportunidade.

Em um recente artigo[iii], a revista Veja informa que as mulheres com filhos ainda são penalizadas na carreira. Uma pesquisa realizada pela London School of Economics anda Political Science, em parceria com Universidade de Princeton, comparou a condição de trabalhadores em 134 países, com e sem fillhos. A pesquisa constatou que 24% das mulheres deixam o emprego no ano inicial da vida do filho e 15% permanecem afastadas depois de uma década. No Brasil, os dados são ainda mais críticos: 42% das novas mães deixam suas ocupações a partir do nascimento do primeiro filho e 35% seguem nessa condição após 10 anos.

Startups e fintechs

Nas startups, a desigualdade de gênero é ainda mais alarmante. Menos de 13% das startups na América Latina foram fundadas por mulheres. De acordo com o Female Founders Report 2021[iv], apenas 4,7% das startups brasileiras foram fundadas exclusivamente por mulheres e 5,1% por mulheres e homens, ou seja, mais de 90% desses negócios possuem somente homens em seus quadros de fundação. Nas fintechs, 8,2% das startups foram cofundadas por mulheres. O estudo revela que em 10 anos, a desigualdade de gênero entre fundadores de startups  mudou muito pouco.

Aqui destaco o papel fundamental das políticas públicas para assegurar a equidade de gênero e proteção à maternidade. Políticas que fomentem desenvolver as competências, comportamentos e habilidades das mulheres, bem como gerar a inclusão produtiva feminina no desenvolvimento da economia, especialmente na maternidade.

Como fundadora do Women Leaders in Fintechs[v] e aliada de outras iniciativas que fomentam o protagonismo feminino, percebo o impacto que essas comunidades têm promovido, quando há conexão, troca genuína, sororidade e propósito de transformar.

Nesses fóruns, temas que impedem a ascensão profissional feminina no quesito soft skills, tais como fenômeno da impostora, síndrome da abelha rainha, rivalidade feminina, são debatidos de modo a desconstruir vieses culturais, pois nessas circunstâncias, nós mulheres sempre sairemos perdendo.

A sororidade tem um papel fundamental na equidade de gênero, na medida que quanto mais encorajarmos umas as outras, mais mulheres irão exercer as suas potencialidades e, consequentemente, ocupar cargos de liderança. Quanto mais mulheres no topo, maiores serão as transformações referente à equidade de gênero.

O estereótipo da rivalidade feminina não tem nenhuma conexão com a constituição psicológica das mulheres e tudo a ver com a dinâmica corporativa e os estereótipos e preconceitos que elas enfrentam no trabalho. A mais recente pesquisa psicológica, publicada pela American Psychological Association, conclui que o gênero de uma pessoa tem pouca ou nenhuma influência na personalidade, cognição e liderança[vi].

Transformação

Caras leitoras, ao invés de criar rivalidades femininas, vamos transformar esses ambientes de trabalho para que não sejamos sistematicamente prejudicadas na nossa busca pela ascensão profissional.

Acredito que o ponto de partida seja o autoconhecimento. Compreenda seus valores, aspirações pessoais e profissionais, habilidades e identidade profissional. Construa relacionamentos genuínos, faça conexões significativas que impactem no seu desenvolvimento e daqueles ao seu redor. Escolham parceiros e não cônjuges. Tenham conversas francas com eles sobre suas expectativas individuais, familiares e profissionais. Parceiros farão concessões e se responsabilizarão pela parte que lhes cabem nas funções familiares. Vamos conquistar o nosso espaço, direito e equidade.

Feliz Dia Internacional da Mulher para vocês, que assim como eu, acreditam que o sol brilha para todas.

*Fundadora do Women Leaders in Fintechs e advogada.


[i] Evento promovido pelo grupo Mulheres no Tributário, em parceria com o Instituto Unidos do Brasil, cujo objetivo é incentivar o protagonismo feminino nas discussões sobre a Reforma Tributária.

[ii]https://sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/GO/Sebrae%20de%20A%20a%20Z/Empreendedorismo%20Feminino%20no%20Brasil%202019_v5.pdf

[iii] https://veja.abril.com.br/comportamento/estudo-revela-que-mulheres-com-filhos-ainda-sao-penalizadas-na-carreira/?utm_campaign=later-linkinbio-vejanoinsta&utm_content=later-41531406&utm_medium=social&utm_source=linkin.bio

[iv] https://materiais.distrito.me/report/female-founders-report

[v] Comunidade de mulheres e homens aliados que visam aumentar a representatividade e protagonismo feminino nas fintechs, através da capacitação e discussões de temas relacionados às barreiras socioeconômicas e culturais que as mulheres enfrentam em suas carreiras.

[vi] https://www.apa.org/topics/personality/men-women-difference