Em fevereiro de 2021, quando o Open Finance, sistema de compartilhamento de dados capitaneado pelo Banco Central (BC) foi lançado – ainda sob o nome de Open Banking – havia grandes expectativas para o projeto.
O BC e diversos especialistas, tanto do mercado como da academia, destacaram o potencial da política para promover maior competição, facilitar a atuação de novos entrantes e incentivar a inovação ao abrir as portas para o desenvolvimento de novos produtos e modelos de negócio.
Pouco mais de dois anos depois, o Banco Central já disponibiliza alguns dados que nos permitem identificar se a política está caminhando na direção de atingir tais expectativas e quem já está se beneficiando.
Evolução das chamadas
Considerando que a premissa do Open Finance é o empoderamento do cliente sobre o que fazer com seus próprios dados, o sucesso da política depende diretamente da escolha dos usuários em compartilhá-los de fato. Portanto, um primeiro indício de que a política está avançando na direção de gerar os benefícios esperados é o aumento no número de solicitações.
Os dados disponibilizados pelo Banco Central no Dashboard do Cidadão mostram que a expansão está, de fato, ocorrendo. O compilado do número de chamadas de APIs registradas em 2023 mostra uma tendência de crescimento: entre janeiro e maio, houve um aumento de 54,3%, passando de 550 milhões de chamadas para 850 milhões.
Para compreender como essa expansão contribui para os objetivos de competitividade e inovação, é importante categorizar esses compartilhamentos, ou seja, identificar quais dados são mais frequentemente compartilhados pelas pessoas.
Essas informações auxiliam, por exemplo, na compreensão de quais setores e produtos financeiros podem experimentar os benefícios do Open Finance em primeiro lugar e quais podem necessitar de incentivos específicos.
Contas bancárias
Nesse contexto, o grande destaque é o segmento de contas bancárias, responsável por 46,37% das chamadas realizadas no primeiro semestre. O destaque é tão significativo que o segundo segmento com o maior número de chamadas de APIs – o de Cartões de Crédito – obteve um resultado de 17,36%, o que representa uma diferença de 29 pontos percentuais a menos. Esses resultados sugerem que o setor bancário e a agregação de contas podem ser, de fato, as primeiras fontes de competição e inovação decorrentes do Open Finance.
Um setor que o BC destaca como um dos grandes beneficiários em potencial do Open Finance é o de crédito. Nesse caso, ainda há espaço para crescimento. Embora os Cartões de Crédito tenham uma participação bastante relevante, outras categorias de chamadas de API relacionadas a esse segmento ainda apresentam resultados mais modestos. É o caso dos Empréstimos, que representaram 7,94% do total entre janeiro e maio deste ano.
Dessa forma, os resultados iniciais do Open Finance indicam que a política está avançando, com o segmento bancário se destacando como o primeiro, enquanto no mercado de crédito, os Cartões estão à frente, embora outras modalidades estejam progredindo mais lentamente, mas com uma tendência de crescimento. No entanto, a pergunta que permanece é: para quem estão sendo direcionados esses dados?
Longo caminho a percorrer
Saber qual tipo de instituição mais compartilha informações e qual mais recebe ajuda a identificar se a expansão do ecossistema de Open Finance está seguindo na direção esperada para alcançar o objetivo de promover competição e incentivar a entrada de novos participantes, ou se o compartilhamento está predominantemente beneficiando as instituições estabelecidas.
Os dados da Fase 2 de implementação do Open Finance sugerem que a política está, de fato, amadurecendo em uma direção que pode melhorar o cenário competitivo do sistema financeiro brasileiro, mas há áreas de atenção que precisam ser acompanhadas para garantir esse resultado.
O primeiro ponto a ser observado é que o ecossistema ainda está concentrado em um número reduzido de instituições: aproximadamente 98% dos dados circulam entre 10 instituições, e apenas 3 delas recebem mais de 80% desses dados.
Inicialmente, isso não representa um problema, uma vez que um projeto complexo como o Open Finance requer um período de amadurecimento, especialmente para permitir que instituições de adesão voluntária entrem no ecossistema e comecem a se beneficiar dele. É natural, no início, que haja uma circulação mais intensa de informações entre os membros de adesão obrigatória.
Mesmo assim, se esse cenário se prolongar, pode se tornar um obstáculo para alcançar o potencial originalmente esperado para o Open Finance, pois a maior competição poderia ficar limitada à concorrência entre os incumbentes e alguns poucos novos participantes de maior porte, sem uma redução significativa da concentração de mercado.
No entanto, há indícios de que estamos nos encaminhando numa direção positiva. Os novos participantes estão, de fato, recebendo mais chamadas do que realizando, quando comparados às instituições do grupo C5.
Insights
Todos esses resultados podem ser simples reflexos do Open Finance brasileiro ainda estar em sua fase inicial, mas é crucial destacá-los, pois podem servir como um ponto de partida para determinar o que acompanhar e, quem sabe, até antecipar os obstáculos que possam surgir ao longo do percurso.
Nesse contexto, ao utilizar os dados preliminares do Open Finance para identificar insights que auxiliem no monitoramento da política e que devam ser analisados ao longo do tempo, três pontos se destacam.
Em primeiro lugar, a possibilidade de que os primeiros avanços na agenda de competitividade surjam de uma maior concorrência entre os incumbentes e alguns novos participantes de maior porte, sem, contudo, resultar em uma redução significativa da concentração inicial.
Além disso, merece destaque o setor bancário em termos de seu potencial pioneirismo na introdução de inovações em produtos e modelos de negócios diretamente impulsionados pelo Open Finance.
Por último, mas não menos importante, é notável a tendência de expansão do ecossistema, o que o configura como uma oportunidade para o mercado.
*Head de Pesquisa do Instituto Propague e colunista do portal Fintechs Brasil