Por Gustavo Valadares*, para o Finsiders
O cenário de crédito no Brasil tem passado por transformações significativas nos últimos anos, refletidas em números que evidenciam essas mudanças. Uma combinação de fatores, incluindo o avanço tecnológico, a alta competitividade do mercado financeiro e mudanças no perfil de consumo da população, têm contribuído para essa evolução e criação de novos modelos de crédito no país.
Recentemente, durante o VI Fórum Nacional do Comércio, o presidente da Febraban, Isaac Sidney, falou sobre a posição do Brasil com relação aos demais países do mundo quando se trata de crédito. De acordo com ele, o Brasil está entre os países de alta renda e os de baixa renda. Atualmente, o saldo da carteira de crédito brasileira é de aproximadamente R$5,5 trilhões, mais ou menos 55% do PIB nacional (a média é de 200% do PIB nos EUA e 20% do PIB nos de baixa renda). Nesta mesma ocasião, ele ressaltou que o cenário do crédito no Brasil está em ascensão, mas ainda há bastante espaço para crescimento.
Nova maneira de consumir
Podemos dizer que um dos pontos iniciais para essa ascensão é a mudança nas preferências de consumo que têm impulsionado a demanda por crédito. Compras online, streaming de serviços, entretenimento em casa e mobilidade compartilhada, por exemplo, estão se tornando mais populares. Para ter acesso a esses serviços e produtos, a demanda por crédito se tornou cada vez maior. No entanto, olhando para esses casos de novos serviços e produtos, encontramos pontos em comum: experiência diferenciada para os clientes, personalização e respostas/análises rápidas.
Em outras palavras, tudo isso transformou esse consumidor em um ser mais exigente, inclusive com os serviços financeiros. A partir daí, as instituições precisaram se adaptar dentro de um setor que exige cuidados maiores no ambiente digital. Quando pensamos em crédito, os principais cenários são: realização de um sonho, necessidade de quitar uma dívida ou resolver outros problemas financeiros. Em todos esses casos, são momentos importantes e delicados da vida das pessoas, que necessitam de conhecimento do perfil, do comportamento e do momento de vida desse consumidor para oferecer soluções personalizadas.
Quando isso não é feito, há impacto direto na tomada de decisão desse cliente, que pode desistir desse produto ou serviço após ter uma experiência ruim. Além disso, justamente por se tratarem de momentos importantes e delicados, esse consumidor espera que a análise e liberação do crédito seja rápida, fácil e sem atritos. Mas como isso é possível?
Papel da tecnologia
Foi olhando para a desburocratização, facilitação e agilidade no acesso ao crédito, que surgiram novos players financeiros no País. A expansão das fintechs no Brasil é notável. Esse “novo” modelo de empresa do mercado financeiro surgiu a partir do uso exponencial da tecnologia para simplificar o acesso ao crédito, tornar os processos mais eficientes e as experiências melhores. De 2016 a 2022, o país viu um crescimento de mais de 63% no número de fintechs, de acordo com o Distrito Fintech Report 2022. Segundo o mesmo levantamento, hoje, a maioria das fintechs existentes é focada em crédito (17,8%).
Agora, as instituições estão aplicando inteligência artificial (IA) para aprimorar a avaliação de risco de crédito. Tanto é que os empréstimos online baseados em IA aumentaram 46% em 2023, de acordo com a Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD). Essa abordagem, então, está resultando em taxas de inadimplência mais baixas, beneficiando tanto consumidores quanto instituições financeiras.
O papel da tecnologia ainda é evidenciado pela sua capacidade de viabilizar autenticação de clientes de maneira mais rápida e segura, assim como automatizar processos de aprovação e gerenciar documentos, suprindo as exigências comportamentais citadas anteriormente – rapidez e diminuição de atrito e etapas para contratação de um produto ou serviço bancário. Outra solução para as necessidades do cliente é o uso da tecnologia para proporcionar inteligência de dados para ofertas personalizadas.
Isso impacta não apenas os clientes, mas traz benefícios às instituições, sejam tradicionais ou fintechs, permitindo alcançarem eficiência operacional e reduzirem as margens de custo final no setor bancário. Essa transformação é perceptível, especialmente quando comparada aos modelos antigos, em que as operações eram manuais e dependiam da intervenção humana.
Competitividade do mercado financeiro
Como consequência, esse cenário também trouxe mais competitividade entre instituições financeiras tradicionais, que se viram obrigadas a investir em tecnologia, e fintechs. Um dos motivos é que essas startups conseguiram atender às atuais necessidades dos consumidores do setor.
Outro ponto é que a chegada das fintechs contribuiu para aumentar as taxas de bancarização, especialmente, por essas características de acesso a produtos e serviços livres de burocracia e custos, com tarifas reduzidas (muitas até gratuitas), abrangendo até empréstimos para educação e financiamentos para pequenos negócios. Ou seja, com um número maior de pessoas bancarizadas, melhores serão as ofertas de crédito para atrair novos clientes.
Apesar das melhorias, desafios como a alta carga tributária ainda persistem. O Brasil tem uma das taxas de juros mais altas do mundo. Hoje, a Selic, taxa básica de juros, está em 11,75%. Apesar de vir sofrendo pequenas quedas nos últimos meses, ainda é relativamente alta e pode ser um obstáculo para a expansão de crédito no país. Isso porque as instituições financeiras tendem a se retrair ao considerarem o risco e passam a ser mais exigentes e burocráticas para concessão de crédito.
Ainda assim, as oportunidades que surgem com as mudanças no cenário de crédito são promissoras. A inovação tecnológica e a concorrência contínua têm o potencial de torná-lo mais acessível e menos oneroso. À medida que o Brasil avança em direção a um cenário de crédito mais inclusivo e competitivo, os consumidores e as empresas podem colher os benefícios dessa transformação. O país está evoluindo rapidamente e com potencial de tornar o crédito mais acessível e vantajoso para todos, marcando uma fase empolgante para o setor financeiro.
*Gustavo Valadares é cofundador da Simply e diretor da unidade Sinqia Digital, da empresa de tecnologia Sinqia.
Este é um espaço editorial, com análises e opiniões de especialistas de mercado e executivo(a)s com temas de interesse do ecossistema de fintechs. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações do texto.
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