DEBATE

BC e Abecs divergem sobre quem deve assumir riscos em calotes de cartões

Em consulta pública para aprimorar a gestão desses riscos, o BC não incluiu pleitos como a obrigação de "rating"- mas diz não ser contra

Ricardo Araújo/BC
Ricardo Araújo/BC | Imagem: print de tela de evento online da Abecs

Embora afirme que o Banco Central (BC) abarcou, na Consulta Pública 104, a maioria das ideias levantadas pelo mercado para mitigação de riscos de cartões, os bancos querem mais. Em evento sobre o assunto realizado nesta quarta-feira (23/20) em São Paulo, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) disse que vai enviar 96 sugestões ao BC. “Se for apenas isso, vamos respirar aliviados”, disse Ricardo Araújo, chefe-adjunto do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BC. A consulta pública termina no dia 31/10.

A proposta do BC não contemplou, por exemplo, duas das sugestões mais caras à Abecs: escrow accounts (que funcionam como garantia durante acordos comerciais) e ratings de risco. Ricardo afirmou, porém, que o BC não é contrário a elas.

No primeiro caso, destacou que esse tipo de conta pode ser um dos instrumentos de mitigação de risco, mas não deve ser utilizado de forma isolada. Ele alertou que é necessário ter uma visão mais ampla da gestão de riscos, considerando diferentes ferramentas para garantir a liquidação das transações.

Quanto aos ratings, ele explicou que, embora a regulação não preveja essa obrigatoriedade, a autorregulação entre os instituidores (quem define as regras de um arranjo de pagamento) poderia ser uma solução. O BC não teria incluído esse ponto na proposta por considerá-lo de execução cara.

Responsabilidades

O BC quer instituir o pagamento integral ao usuário final recebedor de todas as transações autorizadas, mesmo em situações de inadimplência. Ricardo explicou que, em casos extremos, o instituidor do arranjo seria responsável por garantir esse pagamento, inclusive com recursos próprios, se necessário. Segundo ele, essa premissa é fundamental para garantir a confiança dos estabelecimentos comerciais no sistema de pagamentos.

Ricardo falou ainda sobre a clareza das responsabilidades entre os participantes do arranjo. Ele destacou que uma das principais propostas é melhorar a regulamentação para que as responsabilidades de emissores, credenciadores, subcredenciadores e instituidores sejam mais transparentes e bem definidas. Segundo ele, essa clareza é essencial para garantir que todos os envolvidos no arranjo saibam exatamente quais são suas obrigações. Isso traria mais segurança e previsibilidade ao sistema.

Outro tema importante abordado foi a liquidação centralizada. Ricardo mencionou que, atualmente, a norma prevê essa obrigatoriedade apenas para subcredenciadores com volume de transações superior a R$ 500 milhões. Contudo, ele defendeu que todos os subcredenciadores deveriam participar da liquidação centralizada para que o sistema funcione de forma mais transparente e eficaz. Ele destacou que isso traria um grande ganho para o sistema como um todo, aumentando a segurança na gestão de riscos.

‘Chargeback’

Sobre o chargeback, Ricardo explicou que a proposta busca estabelecer um prazo máximo de 120 dias para a responsabilização dos participantes em casos extremos. Ele reforçou que o instituidor do arranjo continuará tendo liberdade para definir prazos mais curtos, caso isso represente um diferencial competitivo. No entanto, o objetivo é limitar a exposição de credenciadores e emissores a riscos prolongados, dando maior clareza sobre as responsabilidades em cada transação. Ricardo também mencionou que essa questão ainda precisa de aprimoramento e reflexão, especialmente em casos de quebra de grandes estabelecimentos comerciais.

Já a Abecs enxerga uma série de situações que merecem tratamento diferenciado, como o de bens vendidos com grande antecedência – caso de imóveis e viagens, por exemplo. Chargeback é quando o cartão precisa fazer um estorno por uma compra realizada – e os motivos podem ser vários.

Ricardo ressaltou que as questões de chargeback e responsabilidades precisam ser discutidas com órgãos de proteção ao consumidor, como o Procon. Ele explicou que, muitas vezes, as decisões judiciais recaem sobre os credenciadores e emissores por serem considerados a parte mais forte na relação com o consumidor. Ele sugeriu que o mercado precisa se antecipar a esses problemas, definindo claramente as responsabilidades dentro do arranjo de pagamento para evitar disputas no judiciário, especialmente em momentos de crise.