
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das bets, instaurada no fim de 2024, voltou ao centro do debate público, após os depoimentos de influenciadores digitais ampliarem a visibilidade do assunto. A comissão foi criada para apurar possíveis irregularidades envolvendo plataformas e agentes operadores de apostas (bets), com foco no papel de influenciadores na promoção dessas empresas e nos impactos da atividade sobre o orçamento das famílias brasileiras. Com o avanço dos trabalhos, o escopo da CPI passou a incluir também indícios de crimes como lavagem de dinheiro e evasão de divisas, evidenciando a necessidade de maior atenção aos mecanismos de controle e prevenção no setor.
A atenção ao tema não é recente, visto que, desde a publicação da Lei nº 14.790/2023 – responsável por regulamentar as apostas de quota fixa no Brasil –, já se reconhecia o desafio regulatório de construir uma estrutura legal que permitisse a exploração da atividade em ambiente lícito e competitivo, mas com salvaguardas suficientes para evitar usos indevidos.
O risco de que plataformas sejam utilizadas como canal para ingresso de recursos ilícitos no sistema financeiro está no centro das discussões mais atuais, considerando características como pulverização de apostas, operação digital e envolvimento de múltiplos intermediários. Esse cenário aumenta a complexidade dos mecanismos de combate a fraudes e de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).
Base legal
Do ponto de vista normativo, a Lei nº 14.790/2023 estabeleceu diretrizes que dispõem sobre prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo no setor, detalhadas em portarias normativas subsequentes. Esses normativos representam um esforço relevante para estruturar uma base legal robusta, ainda que sua efetividade dependa diretamente da capacidade de implementação e fiscalização pelas instituições e órgãos competentes.
Florence Terada e Vivianne Prota/Opice Blum Advogados | Imagens: divulgação
As bets autorizadas devem implementar políticas e controles internos de PLD/FT e cumprir com obrigações, como a classificação de risco de apostadores, a avaliação contínua das operações e a capacitação de equipes. A regulamentação exige, ainda, que as bets estejam aptas a identificar transações suspeitas, comunicar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e manter sistemas compatíveis com seu porte e modelo de negócio.
Outras normas complementares que dispõem sobre transações de pagamento proíbem operações com bets não autorizadas e reforçam a necessidade de controle sobre os fluxos financeiros, inclusive no âmbito das instituições financeiras e de pagamento autorizadas. Essas instituições assumem papel ativo na identificação de transações suspeitas ligadas a operadores ilegais e na adoção de medidas para evitar o uso indevido da infraestrutura bancária e de pagamentos por entes não autorizados. O modelo regulatório demanda, portanto, atuação integrada entre as bets, prestadores de serviços financeiros e o Poder Público.
Monitoramento contínuo
Essas exigências impõem uma nova camada de responsabilidade a diferentes atores, pois não se trata apenas de cumprir formalidades, mas de estruturar programas de conformidade efetivos, com base em avaliação de riscos e monitoramento regulatório contínuo.
A atuação em desconformidade pode gerar impactos reputacionais, comerciais e legais relevantes, motivo pelo qual a assessoria jurídica e regulatória especializada se torna central e pode contribuir para a interpretação adequada dos normativos, a definição de critérios de risco, a análise de contratos com terceiros e a construção de políticas internas aderentes à regulação. Ademais, também tem papel importante na interlocução com reguladores, na prevenção de conflitos e na orientação sobre temas sensíveis, como publicidade e tratamento de dados dos apostadores.
A CPI das bets evidencia, portanto, que o crescimento do setor de apostas no País exige um compromisso contínuo com compliance regulatório, além dos deveres de transparência e respeito aos direitos dos apostadores. A consolidação de um mercado sustentável e seguro passa pelo reconhecimento dos riscos envolvidos e pela adoção de boas práticas de governança.
*Florence Terada é sócia e Vivianne Prota, advogada sênior, do Opice Blum Advogados