A autorização para funcionamento de uma empresa prestadora de serviços de ativos virtuais (Vasps, na sigla em inglês) deve demorar três anos. Isso, para as Vasps que já operam. A previsão é de Carolina Bohrer, chefe do Departamento de Organização do Sistema Financeiro (Deorf), do Banco Central (BC), em evento promovido pelo Machado Meyer Advogados nesta quinta-feira (16/1). Carolina afirmou que estima a entrada de cerca de 100 pedidos de Vasps neste ano, “além de mais uns 150 pedidos de outras licenças”. Ativo virtual é como o regulador brasileiro chama os criptoativos.
Carolina justificou a demora pelo fato de o regulador não saber nada de quem atua nesse mercado no Brasil. Mas o longo prazo preocupou a plateia que assistia ao evento. Primeiro, porque apenas Vasps devidamente autorizadas poderão contar com investimentos de fundos multimercados, devido à uma exigência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Depois, por ser uma assimetria, já que três anos é um tempo maior do que uma autorização provisória para novas Vasps interessadas em atuar aqui: 12 meses.
“Se em vez disso, a gente usasse o critério de liberar as autorizações primeiro para as maiores Vasps já estabelecidas, logo iríamos vê-las comprando as menores e consolidando o mercado, o que prejudicaria a concorrência”, explicou Nagel Lisanias Paulino, do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BC. Esse foi o critério usado para autorização de Instituições de Pagamento, por exemplo. Tanto ele quanto Carolina disseram que desconheciam a regra da CVM, e sugeriram que podem negociar com a autarquia uma flexibilização. “As regras da CVM sempre são um ponto cego para nós do BC. Mas da para tentar conciliar”, afirmou, lembrando que a consulta pública está aberta a sugestões até o dia 7/2. Segundo ele, o BC já recebeu 240 manifestações, das quais 60 são “aproveitáveis”.
Processo bom x processo ruim
Carolina, apesar de considerar a preocupação procedente, disse que não vê muita solução – e lembrou que esse prazo já foi muito mais longo no passado. Mas disse que três anos é uma estimativa conservadora, e que “processo bom aprova rápido, processo ruim demora mais”. Ela revelou que a análise será feita com base em critérios como “habitualidade” da Vasp e seu capital, principalmente. Mas avisou: “Contratem auditoria independente, será outra exigência”. Também recomendou que seja identificado o responsável pela empresa, que precisa ser uma pessoa física; e que a Vasp tenha um bom plano de negócios.
Uma alternativa levantada foi aproveitar o selo de autorregulação concedido pela ABCripto, a entidade que reúne as Vasps. Bernardo Srur, presidente da ABCripto, informou que já existem nove associadas que receberam o selo em novembro. Segundo ele, a avaliação é conduzida por uma empresa de auditoria especializada, que comparou os controles de cada empresa frente a uma “carta de controles” que foi criada. “É uma avaliação completamente independente”, diz.
Os representantes do BC não se mostraram inclinados a facilitar o processo a quem tem esse certificado. No entanto, Carolina afirmou que o BC tem todo interesse de estimular um segmento novo, mas desde que seja sólido e eficiente na medida do possível, versus o interesse dos próprios entrantes. “Então a gente está discutindo isso sim, mas com esse olhar também de não tornar o processo em si impeditivo à entrada de menores players“.
O debate, que se estendeu por quase três horas e contou com a participação de mais de uma dúzia de palestrantes, tocou também em pontos como os riscos de lavagem de dinheiro por stablecoins com auto-custódia, diferenças nas regulamentações entre os mercados brasileiro e europeu e também sobre autorização para operar com câmbio. Ficou evidente que ainda há muitas dúvidas e arestas a aparar. E o escritório Machado Meyer, ao promover o evento, também queria vender seu peixe, claro. “Na dúvida, consulte um advogado. Não presumam nada”, disse Alessandra Rossi, sócia da casa.