O advogado e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Giancarllo Melito, acredita que o Banco Central (BC) vai precisar apertar o cerco regulatório nos próximos anos. “A régua vai subir. O mercado amadureceu, o País está bancarizado, o Pix está consolidado. Antes, o desafio era bancarizar a população. Agora o desafio é fazer isso sem matar a concorrência. Proteger o sistema sem impedir a inovação”, afirmou durante o webinar “O mercado de meios eletrônicos de pagamento e fintechs”, promovido nesta terça-feira (29/7) pela FGV Law.
Segundo ele, o BC tem feito isso com maestria até agora, mas a tendência é que o peso da regulação aumente — e que isso se torne uma pauta central para fintechs e empresas de meios eletrônicos de pagamento. “O Pix provocou uma implosão digital. A regulação vai subir para proteger o sistema”, alertou.
Os efeitos colaterais do Pix
Para Giancarllo, o Pix é o maior símbolo da inovação do sistema financeiro brasileiro. “É um fenômeno. O mundo inteiro tenta copiar. Nenhum arranjo no planeta teve esse impacto”, disse.
Mas ele lembra que tanto sucesso trouxe efeitos colaterais. Com o aumento de fraudes, o BC passou a exigir mais. Uma das mudanças mais recentes determina que qualquer instituição que ofereça Pix precisa de autorização formal do regulador e capital social mínimo de R$ 5 milhões a partir de janeiro de 2026. O caso mais recente de fraude, uma das maiores do Brasil até hoje, envolveu exatamente o ecossistema e desviou cerca de R$ 2 bilhões.
Giancarllo destacou quatro frentes de regulação em andamento, após a realização de consultas públicas. A consulta pública 104, por exemplo, propôs novas regras para gerenciamento de riscos em arranjos de pagamento. Já a consulta pública 108 teve como foco o modelo de Banking as a Service (BaaS), em que empresas comuns oferecem produtos financeiros em parceria com instituições licenciadas.
Outras duas consultas olharam para o mundo cripto: a regulação dos prestadores de serviço de ativos virtuais (VASPs, na sigla em inglês) e a possível legalização do câmbio com criptoativos — ainda proibido pela legislação vigente. “Essa é uma pauta que deve avançar em 2025”, previu.
Regulação
Giancarllo lembrou que embora trate de muitos assuntos, a Lei 12.865, de 2013, foi fundamental para abrir espaço para o BC assumir a regulação do setor. Apesar de abordar diversos assuntos, a lei trouxe os conceitos-chave de arranjo e Instituição de Pagamento (IPs) e, mais importante, a autorização para que o BC regulasse o mercado de forma mais ágil. “Se dependêssemos do Congresso para tudo, estaríamos muito atrasados”, brincou.
O especialista lembrou que a lei definiu os tipos de arranjos de pagamento e as instituições envolvidas. Há os arranjos de compra e de transferência, os domésticos e os transfronteiriços, e os abertos e fechados. O Pix, por exemplo, é um arranjo de transferência doméstico e fechado — embora o BC já tenha sinalizado planos para torná-lo internacional.
Por trás desses arranjos, estão as IPs: emissores de moeda eletrônica, emissores de instrumentos pós-pagos (como o cartão de crédito), adquirentes (como Cielo e Rede) e os Iniciadores de Transações de Pagamento (ITPs) — os que movimentam dinheiro de contas alheias com autorização do cliente, via Open Finance. Nenhum deles pode emprestar ou financiar diretamente; isso é reservado às instituições financeiras.
Para contornar a limitação, surgiram as Sociedades de Crédito Direto (SCDs) e Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEPs), categorias criadas pelo próprio BC para dar às fintechs acesso à concessão de crédito. A primeira empresta com capital próprio, enquanto a segunda faz a intermediação de empréstimos entre pessoas — conhecido como peer-to-peer lending.
“O modelo da SCD ganhou muita tração. A SEP ainda tem espaço para crescer, mas deve se fortalecer no médio prazo”, avaliou o professor.