OPINIÃO

Operação Concierge: o direito penal bate na porta das fintechs

A recente operação deflagrada pela Polícia Federal nos leva à crucial reflexão sobre os riscos criminais que cercam as atividades das fintechs

Direito penal
Direito penal | Imagem: Adobe Stock

Falar sobre direito penal é falar sobre violência. Como ultima ratio (último recurso ou argumento) do ordenamento jurídico, ele é o último a chegar e, quando o faz, traz consequências muito graves. Recentemente, observamos a manifestação desse fenômeno no mercado de fintechs, com a Operação Concierge. Deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 28/8, resultou na prisão de 14 pessoas e no cumprimento de 60 mandados de busca e apreensão no interior de São Paulo.

De acordo com as notícias veiculadas, algumas fintechs “ilegais” estariam oferecendo serviços de contas “clandestinas”, “hospedadas” em instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central (BC). Tais contas irregulares, por sua vez, estariam sendo utilizadas por “empresas de fachada” para ocultação de valores ilícitos provenientes de atividades criminosas, atribuídas, em tese, ao crime organizado.

Sem entrar no mérito das investigações — ainda sob sigilo judicial —, a deflagração da operação nos leva à crucial reflexão sobre os riscos criminais que cercam as atividades das fintechs. O setor tem democratizado o acesso a serviços financeiros e reduzido desigualdades. Porém, os recentes eventos evidenciam um paradoxo. A mesma tecnologia que promove inclusão pode também ser instrumental para fins ilícitos, atraindo uma reação penal mais severa para o setor. 

Operações policiais da última década demonstram que o Direito Penal, por vezes, age de forma excessiva e desalinhada com a realidade. Por isso, nesse momento, é necessário aprofundar alguns conceitos envolvidos na Operação Concierge para dimensionar os reais riscos criminais envolvidos nas atividades do setor.

Marina Brecht e Bárbara Ribeiro/Brecht e Ribeiro Advogados

BaaS

Embora as informações divulgadas não sejam precisas, a estrutura reputada como fraudulenta pelas autoridades parece se tratar de atividade de banking as a service (BaaS).

O BaaS permite que empresas de diversos segmentos ofereçam soluções financeiras como contas digitais e pagamentos. Essa infraestrutura é fornecida por uma instituição financeira registrada pelo BC, por meio de APIs (sigla em inglês para interface de programação de aplicações). Trata-se de um modelo de negócio relativamente novo que ainda não foi regulamentado pelo BC, mas está na agenda para este ano.

A operação policial sugere que as fintechs investigadas, ao oferecerem serviços de conta bancária no formato de BaaS, estariam operando como instituições financeiras não autorizadas, violando o artigo 16 da Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

Isso levanta um primeiro alerta para o mercado, pois a definição ampla de “instituição financeira” no artigo 1º da Lei 7.492/1986 – objeto de críticas há décadas – pode incluir a atividade de, praticamente, qualquer fintech, sujeitando seus dirigentes às severas penalidades previstas pela Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Com efeito, eventual interpretação literal do dispositivo pelas autoridades penais – nem sempre atualizadas às novas soluções financeiras – pode acarretar riscos e inseguranças ao mercado. Parece ser esse, então, o caso da Operação Concierge.

Um segundo alerta diz respeito à responsabilidade penal de dirigente de empresas que oferecerem serviços de BaaS e das instituições financeiras responsáveis pelo fornecimento da infraestrutura, especialmente em casos de ocultação de patrimônio por parte de usuários das contas bancárias.

Equilíbrio

No contexto da Operação Concierge, não sabemos se houve intenção conjunta de cometer delitos entre os responsáveis pelas fintechs e pela instituição financeira provedora dos serviços. Nesse caso, a situação seria facilmente resolvida, diante da caracterização de crime doloso, praticado em concurso de agentes.

Questão mais complexa diz respeito à imputação eventual prática de lavagem de dinheiro aos representantes das instituições, ao deixar de fiscalizar adequadamente as movimentações financeiras realizadas através das contas bancárias abertas.

As notícias sugerem que movimentações financeiras atípicas não teriam sido comunicadas ao COAF pelos bancos fornecedores da infraestrutura bancária. Nesse caso, trata-se de avaliar se a não comunicação por parte das entidades obrigadas poderia caracterizar o delito de lavagem de dinheiro e, assim, delimitar os termos de possível responsabilidade penal por omissão.

A resolução dessas questões exige uma reflexão mais profunda, além do escopo deste texto. Não há soluções prontas. O desafio consiste justamente em encontrar um equilíbrio que permita o crescimento do mercado de fintechs sem comprometer a integridade do sistema financeiro. Nesse campo, a inovação consiste, portanto, em compreender o novo sem recorrer a respostas antigas.

*Advogadas criminais e sócias do Brecht e Ribeiro Advogados.