A leva de 26 demissões ocorrida em março na Cerc, que teve rescaldo em abril com mais quatro cortes, pode não ter sido a última deste ano. As dispensas são parte de um processo de revisão estratégica em curso desde 2023 na registradora de recebíveis.
Cortes são sempre uma decisão dura. Mas, segundo uma fonte a par dos negócios, que preferiu não se identificar, para ser lucrativa, entre outras coisas a Cerc teria de reduzir ainda mais o quadro de colaboradores. Hoje, são cerca de 240. A mesma fonte diz que falta foco para a empresa. “Acredito no potencial, mas a tese de negócio ainda não foi comprovada”, disse. “Os clientes ainda não enxergam o devido valor do serviço oferecido”.
“Estamos fazendo ajustes para levar a Cerc para onde planejamos desde o começo”, diz o presidente do Conselho e sócio fundador, Marcelo Maziero, que antes de criar a Cerc foi executivo da B3. Segundo ele, o ano passado foi mais “calmo” em termos de novas regulamentações a cumprir. Por isso, foi possível parar e olhar mais atentamente para o que estava dando certo – e o que não estava.
Muito além das demissões
Além dos cortes, a Cerc reduziu a aposta em algumas linhas de negócio, como tokenização de ativos e registro de recebíveis de seguros – a unidade foi vendida recentemente para a Núclea. “Nosso core business é crédito, nossa missão é ajudar as empresas a conseguir crédito”, diz Marcelo. “Isso não mudou nem vai mudar”.
O sócio prefere não chamar a atual fase da Cerc de revisão de estratégia. Mas admite que muitas coisas estão mudando. A reestruturação do atendimento aos clientes é uma delas. Reestruturação que, aliás, tem relação direta com as demissões recentes.
A área de marketing, crescimento e desenvolvimento de negócios, que estava a cargo de Fernando Fegyveres, agora está com Davi Miyake dos Santos. Davi passou a acumular sua função anterior (diretor de operações) com a de marketing para “formar uma grande área de clientes.” Em relação a isso, a Cerc planeja outra mudança. A ideia é se aproximar mais deles (clientes). Marcelo reconhece que este é um ponto de atenção a endereçar.
A Cerc também está procurando um novo (ou nova) diretor de tecnologia. E quando ele ou ela chegar, deve fazer novos cortes na equipe. Marcelo diz, no entanto, que a empresa pode até terminar o ano com mais gente do que agora.
M&A?
Marcelo informa ainda que há conversas avançadas para ‘cooperação’ com outros players, com a Cerc na “ponta compradora”.
Após as demissões que ocorreram em março, clientes da registradora chegaram a levantar suspeitas sobre dificuldades pelas quais a empresa estaria passando, e até de uma eventual venda. Fundada em 2015 por Marcelo e Fernando Fontes, a Cerc ainda não atingiu seu breakeven.
Marcelo diz, porém, que os acionistas estariam dispostos a investir mais na empresa, inclusive em novas aquisições. Apontada como candidata a unicórnio, a Cerc captou R$ 550 milhões em outubro de 2022, em rodada liderada pelo Mubadala Capital. O Mubadala é o braço de investimentos do fundo soberano de Abu Dhabi. “Eles têm foco no longo prazo, não têm pressa por resultados”.
Frustração
A Cerc atua basicamente em registro de recebíveis, e em ‘inteligência de dados’ para ajudar os clientes a dar crédito com mais segurança. O registro de recebíveis de cartões, que virou obrigatório a partir de 2021, foi o que deu tração à Cerc.
Desde o ano passado, a empresa voltou o foco para as receitas com recebíveis de duplicatas escriturais. Daqui, porém, veio uma frustação. No mercado, há quem atribua as demissões a isso. Apesar de ser um mercado potencial de R$ 15 trilhões, bem maior do que os R$ 3 trilhões de recebíveis de cartões, nem a regulamentação nem a adesão espontânea andaram no ritmo esperado.
Hoje, Marcelo já fala em cinco anos para atingir o potencial. “Mas efetivamente na primeira onda, é difícil estimar. Acho que o potencial inicial é da ordem de R$ 2 trilhões a R$ 5 trilhões que serão usados como garantia ou antecipados”.
A Cerc agora coloca mais fichas nos recebíveis de fundos de investimento em direitos creditórios, os FIDCs. Com estoque hoje ao redor de R$ 400 milhões, ele acredita que o negócio pode chegar a R$ 2 trilhões.
Mas, de acordo com Marcelo, as receitas com o negócio de recebíveis de cartões – que registrou um salto de 100% em um ano e meio após o registro se tornar obrigatório, em 2021 – voltou a crescer e ainda é atraente para a Cerc.
Há quem diga que a Cerc nasceu para surfar a onda de novas regulamentações do mercado de recebíveis. A capacidade “lobista” dos sócios fundadores junto ao governo seria um diferencial competitivo. “Mas a ‘provocação’ feita pela Cerc aos reguladores, se de um lado deu seus resultados, de outro acabou rendendo inimizades por parte de alguns players do mercado que precisaram aumentar relatórios e controles”, disse outra fonte.
A hora e a vez dos FIDCs
Se era verdade, então a Cerc também mudou de postura. “Nem sempre regulação e demanda do mercado andam de braços dados”, admite Marcelo. “O mercado anda porque faz sentido, não porque é obrigatório”. Ele cita como exemplo a obrigatoriedade de registro de Certificados de Depósito Bancários, os CDB. “Oferecemos porque a lei exige, mas quase ninguém usa”.
A norma da CVM que obriga registro de todos os recebíveis dos FIDC deve entrar em vigor em breve, acredita Marcelo. Mas segundo ele, boa parte do mercado já estaria registrando mesmo antes da obrigatoriedade, “por causa da visibilidade que dá”. Para Marcelo, “um FIDC sem fraude é o melhor investimento que existe”.