Inovações tecnológicas, com destaque para Inteligência Artificial (IA) e tokenização, e mudanças regulatórias animaram o ecossistema financeiro em 2024 e já projetam novas possibilidades para o ano que vem.
No último ano de Roberto Campos Neto à frente da presidência do Banco Central (BC), a movimentação em torno de novas regras também foi intensa. Além da agenda evolutiva do Pix e do Open Finance, o regulador colocou na mesa discussões importantes, que devem ganhar forma em 2025. Entre elas estão, por exemplo, gerenciamento de riscos em arranjos de pagamento, Banking as a Service (BaaS) e ativos virtuais.
Em 2024, as fintechs também deram passos em direção à saída do “inverno” que secou as captações de investimentos, com ênfase no breakeven (equilíbrio financeiro) e em modelos de negócio B2B (entre empresas), confirmando a tendência já prevista no fim do ano passado.
Open Finance mais maduro
O ecossistema do Open Finance amadureceu, ganhou uma estrutura definitiva e avançou principalmente nos pagamentos. Atualmente, são cerca de 39 milhões de consentimentos únicos, ou seja, de CPFs, que aceitaram compartilhar seus dados bancários no sistema. O número é 40% maior que o registrado em 2023, quando eram 27 milhões.
“Se eu pudesse resumir 2024 em um serviço ou produto específico, seria o Open Finance. Teve um avanço muito grande, com entregas materiais e palpáveis, e com crescimento de usuários e consentimentos ativos. Foi a principal entrega do ano”, diz Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs).
Com a Jornada Sem Redirecionamento (JSR), por exemplo, o caminho para que o Pix por Aproximação saia do papel foi aberto. Em outra intersecção entre Pix e Open Finance, nasceram as transferências inteligentes, apelidadas pelo mercado de “Pix Inteligente“.
Ainda na iniciação de pagamento, observamos um crescimento considerável tanto em quantidade de players quanto em montante transacionado. Em meados de dezembro de 2023, havia menos de 30 instituições aptas a operar esse serviço. Agora, são quase 50, incluindo grandes bancos, fintechs, bancos digitais, cooperativas e empresas de tecnologia.
No acumulado do ano, até novembro, a iniciação via Pix movimentou R$ 2,6 bilhões, conforme dados disponíveis no site do BC. O volume é mais do que três vezes superior aos R$ 764 milhões transacionados em igual período de 2023.
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Pix 4.0
O Pix completou 4 anos como o lançamento de maior sucesso do BC. A previsão é que o sistema de pagamento instantâneo termine 2024 movimentando R$ 27,3 trilhões — uma alta de quase 60% em relação ao ano passado, conforme projeção da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
A tendência é crescer ainda mais nos próximos anos com as novas modalidades, algumas já em andamento e outras que estão no horizonte. Por exemplo:
Drex em nova fase
Enquanto a tokenização avança como uma das tendências mais promissoras no setor financeiro, o Drex entrou na segunda fase de testes de seu piloto. Nesta etapa, começam os estudos de avaliação para implementação de serviços financeiros através dos smart contracts (contratos inteligentes).
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IA: aplicações e regulamentação
Não dá para ignorar, claro, que o ano foi da Inteligência Artificial (IA). Metade das instituições do setor financeiro brasileiro já utilizam IA de alguma forma em seus processos de crédito, de acordo com um estudo recente da Cinnecta, empresa do grupo Matera. “As [instituições] que usam IA têm vantagem competitiva em rapidez, personalização de produtos e redução de inadimplência”, escreveu a Cinnecta.
Em meio ao projeto de lei para regulamentar o uso da IA no Brasil, cuja proposta foi aprovada em 10/12 pelo Senado e agora está na Câmara, o BC também monitora o tema. Além disso, o regulador vem testando a tecnologia internamente.
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Novas regras do jogo
2024 também foi um ano agitado quando o assunto é regulamentação. Em evento com a Associação Brasileira de Internet (Abranet) no dia 4/12, o advogado Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto Advogados, fez uma retrospectiva regulatória e destacou que o Banco Central (BC) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram mais de 150 resoluções ao longo do ano.
No Open Finance, por exemplo, destacam-se as regras específicas da Jornada Sem Redirecionamento (Resoluções BCB 406 e 407) e a ampliação dos participantes obrigatórios no sistema (Resolução Conjunta 10/24). Já no Pix, o BC subiu a barra para as instituições que querem integrar o arranjo (Resolução BCB 429). E no início de dezembro, também publicou a Resolução BCB 443, que abre espaço para o “bolepix”.
No mercado de capitais, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou as regras para a portabilidade de valores mobiliários, o “Pix dos investimentos“. A autarquia também tornou obrigatório o registro dos FIDCs, assim como abriu discussão sobre o novo regime “Fácil”. E tem mais por vir na agenda de 2025.
Consultas públicas
Em 2024, tanto BC quanto CVM também aceleraram o passo no quesito consulta pública (CP). Algumas delas, inclusive, seguem abertas e prometem mudanças relevantes a partir de 2025. Destacam-se, por exemplo, a proposta para regulamentar o BaaS no País (CP 108) e as consultas que tratam das prestadoras de serviços de ativos virtuais (Vasps, na sigla em inglês) – CPs 109, 110 e 111.
Em novembro, encerrou também o prazo para contribuições à CP 104, que trata do aprimoramento da norma de gerenciamento de riscos nos arranjos de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). As regras para o chargeback estão entre as discussões.
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O ano do ‘breakeven’
Em 2024, as fintechs brasileiras mudaram de estratégia. Com menos apetite dos investidores, cortaram custos, fizeram rodadas de demissões, e passaram a usar mais os próprios recursos e intensificar parcerias. A pesquisa Fintech Deep Dive 2024, da PwC Brasil com a ABFintechs, mostrou que mais da metade das fintechs já atingiu o breakeven (equilíbrio financeiro). “Ainda mais cautelosas, as empresas estão priorizando a sustentabilidade financeira”, mostrou o levantamento, divulgado em setembro.
O “inverno” da arrecadação de fundos para as fintechs está próximo de acabar. Pelo menos, foram estes sinais de recuperação que 2024 mostrou em relação à “seca” do ano passado: o montante captado por startups até outubro foi de R$ 3,92 bilhões, 13% maior que 2023 inteiro, conforme relatório recente da Liga Ventures.
Analistas apontam que o setor entrou neste ano em uma fase de amadurecimento, com modelos de negócio mais sustentáveis e lucrativos se tornando prioridade entre os investidores — com foco maior no mercado B2B, mais seletivo e desafiador.
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