Antes um sonho distante, o tal breakeven virou uma coqueluche entre as fintechs. Mas, afinal, o que é breakeven, mesmo? Quem vai, quem não vai conquistar esse lugar ao sol? E quanto custa: menos crescimento? Mais demissões? Será mesmo o breakeven um grande divisor de águas? E o que acontece depois?
De um ano para cá, os esforços das fintechs brasileiras para atingir e noticiar o breakeven e, assim, aplacar os ânimos dos investidores e dos clientes, só crescem. Os exemplos incluem nomes como Nubank, C6 Bank, Creditas, CloudWalk, Conta Simples, RecargaPay, Koin e Primefy. Recentemente, Neon, Bamboo, BCodex, Cora e Clara também declararam que estão “quase lá”. Isso, apenas para citar algumas…
Mas e depois?
“Temos visto muitas fintechs atingirem o breakeven ou estar perto dele, mas com receitas não recorrentes ou que não são parte do ‘core business’”, aponta Pedro Carvalho, diretor e head da área analítica de instituições financeiras não-bancárias no Brasil da agência de classificação de risco Fitch Ratings.
Ele cita casos de empresas de banking as a service (BaaS), criadas para ‘vender’ infraestrutura, em que as maiores receitas são com juros. Mas deveriam ser com a prestação de serviços de infraestrutura. “Em tese, essa deveria ser uma preocupação para esses players. Tem fintech que está muito dependente de receitas que não são seu negócio principal.”
‘Coqueluche’
Para ele, o breakeven virou uma coqueluche. “Se a fintech concorrente atingiu, a minha não pode ficar para trás. Mas a questão é a qualidade, e se é ou não sustentável”, afirma.
Na avaliação de Bruno Diniz, sócio da consultoria de inovação financeira Spiralem e autor do livro “O fenômeno fintech“, as fintechs que conseguiram o equilíbrio financeiro ainda são minoria. Para atingir esse patamar, então, essas empresas precisaram mexer na composição de custos e buscar novas formas de monetização para trazer dinheiro mais rápido.
Bruno concorda com a avaliação de Pedro. “Por estar muito valorizado, assim que elas conseguem atingir esse ponto de equilíbrio, correm para anunciar na mídia. Isso, porém, não significa que seja sustentável”, afirma. Mas, para Bruno, esse já é um bom sinal.
Sustentável ou não, eis a questão
Não existe uma fórmula para chegar ao breakeven. Muitas fintechs partiram para a redução do quadro de funcionários, ou para cortar iniciativas que não faziam sentido no curto prazo. Isso ocorreu com o fechamento de algumas áreas, por exemplo. As empresas também decidiram eliminar alguns incentivos como cashback, ao mesmo tempo em que buscavam aumentar a fidelidade da base de clientes, com mais relacionamento e mais produtos contratados, cita Pedro, da Fitch.
“Alcançamos um lucro líquido de US$ 10 milhões em 2023, doze anos após o lançamento oficial da RecargaPay. Ele foi fruto da nossa diversidade de receita, com inúmeros produtos, serviços e ofertas aos nossos clientes”, conta Diego Escobar, CFO da RecargaPay, ao Finsiders Brasil.
Conforme o executivo, no ano passado as receitas da fintech atingiram US$ 200 milhões. Ele atribuiu o número a um trabalho multidisciplinar que combinou colaboração entre os times de produtos, engenharia, tecnologia, marketing, CX e outros.
A RecargaPay, que começou como uma empresa de recargas de celular, hoje é um superapp com um amplo portfólio de serviços financeiros e atende mais de 7 milhões de clientes.
Nubank
Já o Nubank, fundado em 2013, entregou lucro anual para os acionistas pela primeira vez em 2023. O resultado de US$ 1 bilhão reverteu o prejuízo contábil de 2022. Ok, o Nu já é visto mais como banco do que como fintech. Mas, ainda assim, quando o assunto é lucro, demorou para chegar. E esse marco foi considerado um divisor de águas importante para o mercado.
“Estamos desbloqueando a oportunidade ainda não totalmente explorada da nossa carteira de empréstimos com e sem garantia. Além disso, aumentamos nossa participação no segmento de alta renda no Brasil e fortalecemos nossa presença no México e na Colômbia. Isso prova nossa capacidade de acelerar o ciclo de crescimento para além de nosso mercado principal, e continuar perseguindo mais oportunidades”, disse, na época, David Vélez, fundador e CEO global do Nubank.
Demissões
Se para Nubank e RecargaPay o breakeven levou muito tempo, outras que nasceram depois dessa ‘licença para gastar’, fazem o quê? Cortes. Entre 2022 e 2023, por exemplo, 16 fintechs brasileiras dispensaram quase três mil funcionários.
O corte de pessoal, aliás, foi uma das primeiras medidas tomadas por várias fintechs para cortar custos e chegar ao lucro quando o investimento secou. O próprio Nubank precisou recorrer a cortes. Foram 296 baixas em junho de 2023, segundo a fintech, necessárias à reestruturação da área de operações no Brasil. Este foi o maior corte realizado pelo banco digital, que tem cerca de 8 mil funcionários.
A Cora, por exemplo, admitiu que os cortes de pessoal foram parte do processo para cortar custos e chegar ao lucro. Em janeiro, anunciou a demissão de 47 pessoas, ou 13% da equipe. Na época, o CEO e cofundador, Igor Senra, atribuiu a decisão à busca por sustentabilidade e geração de lucro. Em abril do ano passado, a Cora também cortou 13% do quadro alegando que perseguia o resultado positivo. Conforme o empreendedor, os esforços feitos em 2023 “aproximaram bastante” a companhia da sustentabilidade.
O C6 Bank, um dos últimos a noticiar o breakeven, também passou por cortes no ano passado: foram mais de 500. O banco digital entrou no azul em novembro de 2023, quando o CEO Marcelo Kalim anunciou lucro mensal de R$ 15 milhões. No entanto, voltou ao vermelho em dezembro.
O C6 divulgou no primeiro trimestre de 2024 seu primeiro lucro desde a criação, em 2019: R$ 461 milhões. Agora, é esperar para ver se o resultado positivo vai se repetir ao longo dos próximos períodos.
Rumo ao balanço azul
Em outubro de 2023, o Neon fez seu segundo grande corte daquele ano. O Finsiders Brasil apurou na época que foram demitidas entre 100 e 150 pessoas. Em comunicado, porém, o unicórnio de serviços financeiros não revelou o número exato. Os impactados se juntaram aos mais de 130 que a companhia já havia demitido em fevereiro daquele ano.
No mês passado, a fintech fundada por Pedro Conrade anunciou que sua meta agora é sair do prejuízo. As apostas em mais tecnologia, na integração das empresas adquiridas em um único aplicativo e a oferta de CDB a 150% do CDI são os caminhos escolhidos pelo Neon para atingir o objetivo. Nascido em 2016, o Neon é um dos poucos que sobreviveu até hoje sem o breakeven.
A Creditas, uma das primeiras a virar unicórnio, somente conseguiu chegar no breakeven em dezembro. Sergio Furio, fundador e CEO da fintech, disse recentemente em entrevista à “Bloomberg” que obteve receitas de R$ 2 mlihões em 2023 e lucro no último mês do ano. Para chegar lá, a fintech também precisou recorrer a cortes.
Ao divulgar a rodada série B de R$ 200 milhões em janeiro, a plataforma de gestão de despesas e cartões corporativos Conta Simples disse ter alcançado o breakeven no ano passado. O fundador e CEO, Rodrigo Tognini, informou que, além de evoluir o produto de cartão de crédito, a empresa agora mira novas modalidades de crédito. O objetivo, assim, é seguir crescendo “de forma saudável”.
Seis anos depois de seu lançamento, a Swap, que entrega infraestrutura financeira e tecnológica para empresas que oferecem gestão de benefícios e despesas corporativas, viu seu balanço financeiro entrar no azul. De acordo com o CEO e cofundador da Swap, Doug Storf, o lucro veio em dezembro — e se manteve no primeiro trimestre deste ano.
Breakeven é algo passageiro
A pressa de anunciar breakeven mensal é compreensível, mas também discutível. Para Eric Barreto, professor de finanças do Insper e sócio da startup OK.ai, o breakeven é uma teoria, mas na prática trata-se de apenas um momento passageiro.
“Na prática é difícil você encontrar uma empresa com lucro exatamente igual a zero, não lembro de ter visto. A empresa ‘passa’ pelo breakeven. Vamos supor que uma fintech teve prejuízo em abril, e termina maio com lucro. Ou seja, a fintech atingiu esse breakeven em algum dia de maio, eventualmente ela passou pelo breakeven numa segunda-feira de maio, e terminou o mês já com lucro. Mesmo a empresa que registra prejuízo em um trimestre já pode ter passado por esse ponto de equilíbrio em algum momento antes”, diz Eric.
Em outras palavras, o que interessa não é chegar, mas atravessar esse ponto de equilíbrio e rumar para a lucratividade. “Atingido o breakeven, o próximo estágio é enxergar quando o negócio se tornará lucrativo e sustentável”, destaca Pedro, da Fitch. Um caminho que está (ou deveria estar) no horizonte da maioria das fintechs.