Ludmila Pontremolez: a engenheira do ITA que não "virou suco", trabalhou na Nasa e fundou a Zippi

A sócia e CTO revela que a fintech "pivotou" o produto algumas vezes, levantou US$ 16 milhões em uma série A no ano passado e se autodefine como "a evolução do cartão de crédito"

Na década de 1980, auge da hiperinflação, um engenheiro que ficou desempregado montou uma lanchonete na Avenida Paulista, em São Paulo, e deu um nome curioso: “O engenheiro que virou suco”. O nome foi inspirado no filme “O homem que virou suco”, e a lanchonete não existe mais. Mas tanto o filme quanto a lanchonete são o retrato de uma época em que havia mais gente formada em faculdades – como médicos, advogados e, claro, engenheiros – do que a economia em recessão podia absorver.

Hoje, 40 anos depois, o cenário mudou. Ludmila Pontremolez, nascida em São José dos Campos (SP), foi incentivada desde pequena por sua mãe professora a valorizar o estudo como ferramenta para “chegar lá”. Segundo ela, hoje faltam bons profissionais no mercado.

Ludmilla se formou em Engenharia da Computação no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma das faculdades mais disputadas do país, que por acaso fica exatamente na sua cidade natal. Depois, foi atrás de experiências nos Estados Unidos, onde trabalhou na agência espacial Nasa, na Microsoft e na Square. Conheceu seus atuais sócios no Vale do Silício, e os três voltaram ao Brasil em 2018 para fundar a Zippi, uma fintech de crédito de curto prazo para microempreendedores.

A Zippi já “pivotou” o produto algumas vezes, levantou US$ 16 milhões em uma série A no ano passado junto aos fundos globais Tiger e YCombinator, e atualmente se autodefine como “a evolução do cartão de crédito”. A fintech não cobra anuidade, mas os juros estão ao redor de 4% por semana.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Ludmila, sócia e diretora de tecnologia da fintech Zippi, concedeu ao portal:

Fintechs Brasil: Por que você trocou a carreira corporativa pelo empreendedorismo?

Ludmila: Achei que a hora certa para arriscar era aquela, quando ainda era solteira, jovem e cheia de energia. Se tudo desse errado, eu ainda tinha uma cama na casa dos meus pais para voltar. Mas também por que eu descobri que tanto a Nasa quanto a Microsoft, apesar de serem empresas incríveis para trabalhar, eu seria mais uma engenheira. Nelas, eu viva cercada de gente da mesma “turma” que eu – obstinadas em estudar e trabalhar, em ciência e tecnologia, e isso era ótimo.

Fintechs Brasil: E onde você aprendeu a valorizar a colaboração?

Ludmila: Na minha família, mas também durante meu tempo no ITA. Mais do que aprender engenharia, os alunos sempre estavam comprometidos em colaborar. Nos times, os pontos fortes de uns suprem os pontos fracos dos outros, visando sempre o sucesso do trabalho final e não a projeção individual.

Fintechs Brasil: Esse mindset colaborativo existia na Square?

Ludmila: Sim, encontrei um ambiente favorável na startup que cria ferramentas de software para pequenas empresas. Mas lá eu também era apenas mais uma engenheira, e eu queria “fazer a diferença”. Foi quando conheci meus atuais sócios André Bernardes e Bruno Lucas, que na época também queriam muito abrir uma startup no Brasil que promovesse impacto social. E a oportunidade de voltar ao Brasil para devolver para o meu país o resultado dos anos de formação em escolas públicas também pesou. (O ITA é uma escola pública militar de ensino superior do Comando da Aeronáutica). O negócio da Zippi é dar crédito fácil para microempreendedores e autônomos. Além disso, eu vejo a área de tecnologia como parte do negócio, e na maioria das empresas, mesmo nas startups, são vistas como puramente técnicas. A oportunidade de sentar na mesa de decisão, como meus sócios me ofereceram, também influenciou.

Fintechs Brasil: O que a Zippi oferece hoje para os clientes?

Ludmila: Capital de giro em parcelas semanais, o que ajuda esses empresários a não se “enrolarem”- e, claro, ajuda a controlar nossa taxa de inadimplência. Ao pagar, o limite volta para a conta do cliente. O aplicativo oferece limites de crédito, definidos de acordo com o perfil da cada um (aqui entra a tecnologia. Com o tempo, esse limite pode aumentar. O cliente transfere seu limite via Pix, para usar como capital de giro pagando seus fornecedores e ampliar o seu negócio.

Fintechs Brasil: Quais as vantagens do crédito semanal via Pix sobre um cartão de crédito?

Ludmila: Começamos oferecendo um cartão de crédito com faturas semanais, mas encontramos alguns problemas. As anuidades pesam no bolso dos microempreendedores; e os fornecedores desses empreendedores costumam oferecer descontos em vendas a vista. Além disso, com o Pix o crédito também pode ser transferido para a própria conta do cliente, trazendo mais liberdade. Também já fomos uma fintech exclusiva para motoristas de aplicativo, mas hoje temos clientes de mais de 145 profissões diferentes em mais de 3,4 mil municípios. Fazemos mais de 100 mil operações por mês, e crescemos a um ritmo de três dígitos ao ano.

Fintechs Brasil: A Zippi já dá lucro?

Ludmila: Depois da rodada série A em junho de 2022, recebida dos fundos de venture capital globais Tiger e YCombinator, entre outros, decidimos usar os recursos para acelerar o crescimento. Ainda não damos lucro, mas caminhamos para isso.