Atender ao chamado dos reguladores, dando palpite em todas as consultas públicas sobre novas (ou velhas) regras; prestar atenção à tendência de união dos diferentes métodos de pagamentos; e ficar de olho no mundo cripto. Essas são as três principais dicas para 2025 de Bruno Balduccini, sócio do escritório Pinheiro Neto. Referência no ecossistema de fintechs, o advogado ajudou a pavimentar o caminho para as primeiras empresas do setor no Brasil.
Em entrevista recente ao Finsiders Brasil, após apresentar um balanço das atualizações regulatórias promovidas em 2024 principalmente pelo Banco Central (BC), Bruno fala, ainda, de assuntos como a necessidade de os reguladores apertarem controles sem matar a competição. Para ele, há uma tendência, também, de soluções financeiras digitais cada vez mais nichadas: “Não dá mais para navegar em ‘mar aberto’, o mercado já está bem saturado.”
Apesar de ter participado da venda de três licenças de Sociedades de Crédito Direto (SCD) em 2024, Bruno não acredita que essa é uma tendência. “É algo muito mais ligado a fatores macroeconômicos e de modelo de negócio do que saturação do mercado”, diz Bruno. A alta dos juros inviabilizou fintechs de crédito estudantil, por exemplo. “Uma Instituição de Pagamento que oferece só conta digital é um modelo difícil de se sustentar”, acrescenta.
Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista, agrupados por temas:
Perspectivas
Finsiders Brasil: Na sua visão, quais são as principais perspectivas para o mercado de fintechs e finanças digitais em 2025?
Bruno Balduccini: Vejo cada vez mais a aproximação do mundo cripto com o mundo de pagamentos tradicional. O fato de se regular Vasps [sigla em inglês para prestadores de serviços virtuais] pelo Banco Central, ou ainda fechar câmbio usando stablecoin… Ou seja, está trazendo para a regulação um assunto que não era regulado. Então, é a junção cada vez maior dos métodos de pagamento numa coisa só. Isso já começa a acontecer em 2025. Na Europa, por exemplo, a Visa permite usar stablecoin para pagar o cartão pré-pago. Aqui no Brasil, tem um caso da Agrotoken, que tokenizou um contrato de soja entregue para a Bunge. E atrelado a isso tem um cartão.
Finsiders Brasil: A tokenização de ativos é apontada por diversos especialistas como uma das grandes tendências hoje no mundo financeiro. Como você enxerga isso?
Bruno Balduccini: Tem que ver ativo por ativo. No caso de ativos financeiros, já vem acontecendo e é muito simples porque existe uma regulação via Banco Central. Agora para imóveis, por exemplo, é muito complicado. Porque tem uma lei que diz que o imóvel precisa ser registrado no livro, no cartório. Então, teria que mudar a lei para falar que pode tokenizar e, assim, o token representaria a propriedade. Olha o desafio de mudar a legislação no Congresso. Será que os cartórios terão interesse? Talvez sim, talvez não. É uma discussão complexa, com múltiplos players.
Finsiders Brasil: Mesmo para ativos financeiros, a tokenização ainda é fruto de uma série de discussões envolvendo não apenas o BC, mas também a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Como você vê essa questão?
Bruno Balduccini: Vou dar um exemplo do mundo real: BDR, ou Brazilian Depositary Receipt. O que o BDR é? É a tokenização de uma ação de uma empresa brasileira. Nesse caso, o BDR deixou de ser uma ação? Não, é um BDR que representa aquela ação. Então, acho que tem sedimentar um pouco esse conceito na cabeça dos juristas. Mas no fundo é, se eu emito algo que é um mero reflexo daquilo, ele não muda a natureza dele, ou não deveria mudar. Se eu consigo guardar este ativo e faço uma representação dele em menores tamanhos e registro, ele continua sendo o ativo. O cuidado é que, às vezes, ao tokenizar, adiciono coisas que transformam aquilo em um valor mobiliário ou outra coisa que não é mais aquele ativo.
Finsiders Brasil: Com tantos temas para acompanhar do ponto de vista de inovação e mudanças regulatórias, quais os três principais conselhos que você daria para as fintechs em 2025?
Bruno Balduccini: Acho que o principal conselho realmente é participar ativamente de todas as consultas públicas porque é uma oportunidade dada pelo Banco Central. O segundo ponto é olhar essa tendência de união de métodos de pagamento. E a terceira dica é ficar de olho nesse mundo cripto. Na hora em que se regulamenta cripto, são criados outros modelos de negócio. É preciso entender quanto isso impacta nosso mundo. Então, acho que são essas as três coisas que eu olharia com atenção.
Mercado e concorrência
Finsiders Brasil: Falando sobre competição, nos últimos anos observamos um boom de novas instituições sendo autorizadas pelo Banco Central. Agora começam a ocorrer cancelamentos e vendas de licenças. O mercado está saturado? Vai ter uma consolidação?
Bruno Balduccini: De fato, houve algumas vendas de licenças. A gente mesmo fez, por exemplo, três vendas de SCDs [Sociedades de Crédito Direto], que são as fintechs de crédito. Mas esses movimentos estão mais ligados a fatores macroeconômicos e a modelos de negócio do que a uma saturação [do mercado]. Um exemplo: tinha um modelo de negócio que pressupõe você captar recursos no mercado para depois poder emprestar. Se a taxa de juros básica sobe, você não consegue fazer uma operação de empréstimo competitiva porque o custo de captação é muito alto. Tivemos um caso assim de uma empresa de crédito estudantil, que acabou vendendo sua licença para uma outra fintech, que queria entrar no mundo de financiamentos. São casos pontuais e oportunidades, não saturação.
Finsiders Brasil: Quais as vantagens para quem vende uma licença, como a de Instituição de Pagamento (IP)? E para quem compra?
Bruno Balduccini: Aquele que vende [a licença] pode estar evitando um custo regulatório ou mesmo um problema de precisar liquidar aquela instituição. Já para o comprador, é uma oportunidade de entrar um pouco mais rápido no mercado. Por quê? Porque se eu tiver que constituir uma SCD ou uma IP do zero, terei um prazo perante o Banco Central. E quando compro alguém, mesmo precisando de autorização do BC, esse processo tende a ser mais rápido. Além disso, a instituição já tem toda a infraestrutura pronta, como sistemas de Know Your Customer (KYC) e reportes para o BC.
Finsiders Brasil: Você acredita que o surgimento de novas instituições ou a venda de licenças poderão crescer quando as regras de Banking as a Service (BaaS) começarem a valer?
Bruno Balduccini: Acho que não, porque hoje já existe um mercado razoavelmente consolidado de empresas que oferecem serviço de BaaS, e tem vários modelos. Talvez o que aconteça é que algumas que ofereciam BaaS não queiram mais seguir essa regra nova. Acho que o crescimento de novas IPs aconteceu, primeiro, por causa das bets. E nas consultas públicas sobre Vasps [sigla em inglês para prestadores de serviços de ativos virtuais], é citado, por exemplo, que corretoras e distribuidoras vão poder fazer serviço de câmbio e também a intermediação de cripto. Então, isso pode gerar uma procura por corretoras e distribuidoras à venda.
Finsiders Brasil: No caso das IPs, você sente que pode haver uma diminuição no ritmo de pedidos de autorização?
Bruno Balduccini: No começo do modelo, de fato, teve certo afã de todo mundo em oferecer conta para os clientes. Mas a conclusão foi de que uma IP que oferece só conta é um modelo difícil de se sustentar. Alguns perceberam que não dava dinheiro – então, ou expandiram [para outros negócios] ou venderam. Não acho que vai ter novamente esse movimento porque o mercado está bem mais maduro do que a gente imagina. O Banco Central foi muito permissivo para a entrada de novos players. Ele abriu mercado, criou competição e agora esse pêndulo está voltando mais para o meio, um pouco mais conservador. Ou seja, agora que tem competição suficiente, o regulador passa a colocar regras prudenciais mais duras e a exigir mais capital. Então, essa é uma tendência natural.
Finsiders Brasil: Qual será o reflexo desse aperto das regras para a competição?
Bruno Balduccini: Se a regra tiver um aperto muito grande, ele é prejudicial à competição. O BC tem total noção disso. Tanto é que criou regras prudenciais para IPs. Só que falou que essa regra vai entrar em vigor em cinco anos. E isso começou há quatro anos. Ou seja, ele sabia disso. Então, você percebe uma preocupação do BC em não matar a competição. E é por isso que eles fazem consulta pública e criam prazos para a implementação das regras. Talvez tire um pouco da competição, o pequenininho, o ‘cowboy’? Sim. Mas o Banco Central está buscando os unicórnios, aqueles caras que vão fazer. Uma coisa que é inegociável, e não tem a ver com competição, é a regra de prevenção à lavagem de dinheiro.
Finsiders Brasil: Em linha com a criação de regras para o BaaS, sabe-se que o Banco Central está de olho em instituições que usam a palavra “banco” ou variações, mesmo não sendo bancos, de fato. Qual o andamento dessa discussão?
Bruno Balduccini: Essa é uma realidade. Na verdade, tem um princípio de Basileia, que o mundo adota, de que a palavra banco deveria ser usada só por instituições que recebem depósitos e fazem empréstimos. Aqui, o BC no começo não olhou muito para isso, até porque não era tão relevante, mas depois se tornou. Além do princípio de Basileia, o que está por trás disso também é o cliente achar que está usando um banco quando, de fato não é um banco. Então, a preocupação é muito maior de proteção ao consumidor – ou seja, de os clientes não serem enganados – do que qualquer outra coisa.
Finsiders Brasil: Na fase inicial de bancos digitais e fintechs, o foco estava principalmente no consumidor final. Agora, começamos a ver uma onda de fintechs oferecendo soluções para empresas, ou B2B. Você acredita em uma maior especialização dos serviços, por exemplo, crédito para determinado público ou nicho de mercado?
Bruno Balduccini: A Thomson Reuters, um de nossos clientes, tem uma empresa de software para contadores, que usam essas soluções para atender os clientes finais. Então, com toda essa informação contábil, eles pensaram: por que não oferecer conta, um financiamento para o funcionário daquela empresa que consome o software de contabilidade? Outro exemplo são soluções de consignado ou antecipação de FGTS para funcionários de pequenas empresas. Então, o que a gente percebe é um uso maior do BaaS para testar modelos nichados. Ou seja, não é mais o ‘mar aberto’, porque o mercado já está saturado e tem muita competição.
Pix Garantido e duplicatas escriturais
Finsiders Brasil: Em relação ao Pix, quais novas funcionalidades previstas na agenda evolutiva devem deslanchar, na sua opinião?
Bruno Balduccini: Além dos que estão na agenda, como o Pix Automático e o Pix por Aproximação, acho que o próximo a ser regulado é o Buy Now Pay Later (BNPL) ou o Pix Garantido. Esse é um que já estava no radar no ano passado, foi atrasado e eles vão regulamentar agora. Não que tenha uma grande mudança dos modelos atuais. O Pix BNPL é um financiamento com pagamento em parcela, e só quem faz financiamento é IF [Instituição Financeira], IP não pode. O que vai acontecer é que vão regulamentar para dar parâmetros, regras e limitações, como fizeram no Pix Saque e Pix Troco.
Finsiders Brasil: Em crédito, um tema que deve avançar no ano que vem são as duplicatas escriturais. Qual o andamento disso?
Bruno Balduccini: Finalmente, foi assinada e aprovada pelo Banco Central a convenção das duplicatas escriturais, que é justamente a interoperabilidade entre os escrituradores. A partir de agora, começa a implementação do sistema novo. São 180 dias para as empresas de grande porte, depois mais 180 para as de médio porte e, por fim, mais 180 para os pequenos negócios. Então, daqui a um ano e meio, todas as duplicatas vão entrar neste novo regime, que é muito mais seguro. Estamos falando de um mercado de R$ 11 trilhões.
Finsiders Brasil: Quais são os desafios dessa implementação?
Bruno Balduccini: Como tudo na vida, é muito mais tecnológico do que jurídico. Porque, do ponto de vista jurídico, as bases já estão firmadas. Acho que a experiência que as registradoras tiveram com o cartão de crédito foi muito importante. Então, essa decisão de primeiro acertar a interoperabilidade foi resultado dos problemas que ocorreram com os recebíveis de cartão. No caso das duplicatas, a sensação que tenho ouvindo os players é de que a implementação será mais fácil.
Finsiders Brasil: Também em 2025, o BC espera trazer as regras para portabilidade de crédito via Open Finance. Vai funcionar?
Bruno Balduccini: Hoje a portabilidade de crédito é muito difícil porque os bancos criam barreiras de transferência. É um processo muito complexo. No Open Finance, existe um item que ficou esquecido que é a EPOC [Encaminhamento de Proposta de Operação de Crédito]. Acho que ela seria muito mais eficiente para implementar do que qualquer outra coisa. A EPOC vai ser um serviço oferecido pelos correspondentes bancários (Corbans), representando suas instituições financeiras. Será um processo de leilão reverso, em que o cliente escolherá a taxa que quiser. É um negócio que, se implementado, terá um impacto muito maior.