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Por que fintechs como PicPay e Stark Bank entraram em adquirência

Empresas buscam uma fatia do mercado de credenciamento enquanto bancos como Itaú e BS2 reintegram suas operações na área

Imagem: Steve Buissinne/Pixabay
Imagem: Steve Buissinne/Pixabay

Mercado cada vez mais concorrido e de margens apertadas, a adquirência vem despertando interesse de algumas fintechs neste ano. Os casos mais recentes, ambos revelados em abril, são do super app PicPay e do banco digital para empresas Stark Bank. Em janeiro, a RecargaPay também anunciou o lançamento de uma nova maquininha de cartão para seus clientes pessoa jurídica (PJ) como parte do esforço para ampliar sua atuação nesse segmento.

As estratégias são distintas, mas têm um denominador comum: a diversificação de soluções oferecidas por fintechs para empresas, principalmente de pequeno e médio porte. Ainda assim, a aposta no mercado de adquirência contrasta com o movimento de grandes bancos, que estão reincorporando suas operações de credenciamento ou têm caminhado para uma oferta conjunta entre esses serviços e o negócio bancário, em busca de ganho operacional.

O principal exemplo é a adquirente do Itaú, a Rede, que recentemente desbancou a Cielo como líder de mercado. O banco vem capitaneando um processo de integração entre a adquirência e as soluções financeiras. No começo do ano, inclusive, lançou uma campanha no qual apelida a maquininha da Rede como a “laranjinha do Itaú”. 

No fim de 2022, vale lembrar, o espanhol Santander concluiu o fechamento de capital da sua credenciadora Getnet, numa estratégia semelhante ao do Itaú, que uma década antes também tirava a então Redecard da bolsa brasileira. Já Banco do Brasil (BB) e Bradesco, controladores da Cielo, tentam avançar agora com a oferta pública de aquisição de ações (OPA) para fazer a deslistagem na B3 nos próximos meses. 

Com as devidas proporções, quem também decidiu seguir esse caminho foi o BS2, que trouxe de volta para sua estrutura a Adiq, o negócio de adquirência que havia sido separado há cerca de três anos. No anúncio, feito no começo deste mês, o banco digital mineiro disse que passa a oferecer soluções integradas para aceitação de cartões de crédito, cartões de débito, recebimentos via Pix, boletos e demais serviços oferecidos pelo banco.

Ecossistema

No caso das fintechs, você pode estar se perguntando se não é uma movimentação um tanto estranha num contexto como esse que descrevi acima. Para especialistas, alguns players como o PicPay criaram ecossistemas que muitas adquirentes não têm. Isso pode se revelar um trunfo na estratégia para avançar nesse mundo das maquininhas. A fintech do grupo J&F, por exemplo, encerrou 2023 com uma base de 35 milhões de clientes ativos. Atualmente, atende 1 milhão de empreendedores. 

“O PicPay tem escala na pessoa física, e pode avançar na PJ. De um lado, eles têm os consumidores; do outro, os lojistas. O Mercado Livre fez isso com o Mercado Pago”, aponta Edson Santos, sócio da consultoria Colink e ex-presidente da Global Payments no Brasil e CFO da Redecard. “O desafio do PicPay é criar uma rede de aceitação com experiência e preço melhores para vendedores e compradores. É possível fazer? Sim. Todo adquirente que nasceu a partir de 2010 fez.”

Ao Finsiders Brasil, Adriano Navarini, vice-presidente de serviços financeiros para pessoa jurídica do PicPay, informa que a adquirência da empresa está apta para transações de arranjo fechado — carteira PicPay — e arranjos abertos, ou seja, transações das principais bandeiras do mercado. De acordo com o executivo, o objetivo é oferecer soluções para todo tipo e tamanho de negócio. “MEIs, micros, pequenos até grandes empresas já utilizam nossas soluções para PJ, especialmente em aceitação.”

De acordo com o PicPay, a entrada na adquirência tem como objetivo justamente fortalecer ecossistema de “dois lados” da companhia. A fintech não abre o número de clientes que estão recebendo a oferta de maquininhas. Diz apenas que isso está ocorrendo de maneira gradual por meio de agentes comerciais. “Em breve faremos a oferta pelos canais digitais e canais parceiros”, diz Adriano.

Além da maquininha própria (POS) e TEF, a oferta da fintech inclui link de pagamento, parcelamento de boletos, capital de giro, antecipação de recebíveis e cartão pré-pago sem anuidade. Conforme o executivo, a adquirência se soma aos serviços de crédito e de valor agregado que a companhia já oferece hoje. 

O PicPay deu início à própria plataforma de adquirência no ano passado, para capturar, processar e liquidar as transações com cartão efetuadas no aplicativo. Essa implementação eliminou a dependência de outros adquirentes e permitiu mitigar custos, cita a empresa. Em 2023, o volume de pagamentos por QR Code, Pix e cartões de crédito somou R$ 29 bilhões. Com essa cifra, o PicPay tem um market share de cerca de 1%. 

Estratégia on-line

Com uma estratégia diferente, o Stark Bank — que se posiciona como banco das empresas — decidiu entrar na adquirência pelo ambiente on-line. O foco neste momento está em e-commerces e marketplaces, mas a instituição não descarta a possibilidade de expandir para o comércio físico no futuro. No ano inaugural desta nova linha de negócio, a expectativa é atingir R$ 1 bilhão em TPV (sigla em inglês para volume total de pagamentos).

“Temos grandes e-commerces na lista de espera e esses clientes devem alavancar muito o nosso volume de transação”, informa Auziane Moraes, líder de produtos do Stark Bank, ao Finsiders Brasil. De acordo com a executiva, a fila reúne mais de 50 clientes. “Acreditamos que teremos cerca de 70 clientes ativos com esse produto até o final do ano.”

A adquirência do Stark Bank aceitará diversas bandeiras de cartões de crédito. As taxas podem variar de acordo com o mercado de atuação do cliente. O tempo de depósito é definido pela própria empresa, variando do mesmo dia da venda até 30 dias após a comercialização. Segundo o banco, o desenvolvimento dessa solução teve início há cerca de um ano, porém ganhou mais impulso nos últimos seis meses.

Para Edson, da Colink, um dos principais desafios da fintech será ganhar escala. Além disso, há a forte competição de players bem estabelecidos no ambiente on-line. “O desafio do Stark Bank é oferecer um produto que concorre com Adyen, Cielo, Stone, tendo que dar uma experiência diferente e um preço bom, por exemplo. Mas capturar transações no e-commerce é a parte mais fácil porque não precisa comprar terminal, SIM card, fazer integração com frente de caixa etc.”, analisa o especialista. 

Diversificação

Na visão de Boanerges Ramos Freire, sócio-fundador da Boanerges & Cia Consultoria, o avanço de fintechs como Stark Bank e PicPay no mundo da adquirência se deve não apenas a uma estratégia de diversificação de serviços. É também parte de um movimento para entender melhor o comportamento dos clientes PJ. “Provavelmente não é pela rentabilidade que essas empresas estão entrando em adquirência”, avalia.

Para o especialista, o desafio — e também a oportunidade — das fintechs é colocar os clientes no centro. Assim, é importante segmentá-los para levar uma oferta cada vez mais individualizada. “Mais um grande desafio é ter noção clara das prioridades e, assim, equilibrar o negócio com um todo. Até porque a adquirência é complementar. Ou seja, precisa tomar cuidado para não dar peso maior para um lado e descuidar do outro”, aponta Boanerges.

Os especialistas lembram, ainda, que uma estratégia mandatória para as adquirentes — novas entrantes ou não —  é ampliar o leque de produtos e serviços para além dos pagamentos. Isso significa oferecer a tradicional antecipação de recebíveis, bem como crédito “fumaça” (com recebíveis como garantia) e outras soluções não financeiras. 

Diante de margens mais estreitas, maior concorrência e mudanças regulatórias, mesmo as credenciadoras de ‘bancões’ estão caminhando nessa direção de uma oferta mais ampla de produtos e serviços, financeiros ou não. As adquirentes que desbravaram o mercado, caso de Stone e PagSeguro (agora PagBank), também vêm incrementando seus portfólios com soluções bancárias e de gestão.

A Stone, por exemplo, acaba de colocar na rua uma campanha para divulgar o relançamento da sua conta PJ, pouco mais de três meses depois de receber aprovação do Banco Central (BC) para operar como uma financeira.

“É sabido que o mercado no Brasil tem mais de 35 adquirentes e 250 subadquirentes. A concorrência fez a margem e o preço caírem”, destaca Edson, que também é co-autor do livro “Payments 4.0 – As forças que estão transformando o mercado brasileiro”.

Para Boanerges, essa ampliação de serviços é um assunto que não pode mais ser adiado pelas adquirentes. “As empresas do setor precisam caminhar de forma mais ampla em serviços financeiros. E no caso de pagamentos, precisam repensar oferta e precificação, incluindo o Pix.”