Registradora de recebíveis vai "dedurar" ao BC credenciadoras que não cumprirem regras

Todo o processo será automatizado, mas mesmo assim, a registradora não pode deixar de apontar, para o BC, quem não cumprir a regra

Registradora de recebíveis vai "dedurar" ao BC credenciadoras que não cumprirem regras

A partir de abril do ano que vem, quando entra em vigor a Resolução 349 do Banco Central, as registradoras de recebíveis de cartões poderão “dedurar” as credenciadoras que não cumprirem as regras.

“Todo o processo será automatizado, mas mesmo assim, a registradora não pode deixar de apontar, para o BC, quem não cumprir a regra”. A afirmação é de Rafael Pedrão, superintendente de produtos da Núclea, antiga CIP – a primeira e maior registradora de recebíveis em operação. “Claro que haverá casos de problemas técnicos, mas saberemos identificar os transgressores contumazes”, explica.

O executivo foi um dos participantes do webinar “Mais transparência financeira: Impacto das Resoluções 264 e 349“, realizado pela fintech Monkey na última sexta-feira, 1/12.

A Resolução, na verdade, dispensa a ação das credenciadoras e registradoras no processo de transferência do que o mercado chama de “agenda de recebíveis” dos lojistas. Basta que o lojista tenha obtido oferta de outro financiador – outro banco, fintech ou subcredenciadora. Neste caso, este novo financiador pede, e a registradora obedece a transferência da “agenda” – que deve ser feita em até dois dias úteis.

No entanto, o sucesso passa pelo credor informar a registradora que existe um contrato de cessão automática, o que nem sempre acontece. “Hoje em dia, a gente sabe que existem alguns desvios, alguns desses contratos não são informados”, informa Pedrão.

Segundo o executivo, esses desvios são descobertos quando o novo financiador faz o requerimento da agenda de recebíveis de um cliente que estava nas mãos de uma credenciadora – e esta agenda não aparece na registradora. “Uma vez identificados esses desvios, a registradora entra em contato com a credenciadora, e se não tiver sucesso, informa o BC”.

Bancarização

O conjunto de regras que o Banco Central vem implantando há dois anos para aumentar a concorrência no mercado de recebíveis de cartões de crédito e duplicatas tem potencial para aumentar a oferta e baixar as taxas de juros dos empréstimos para as pequenas empresas.

Mas também abre a possibilidade de fintechs e bancos que não atuavam no nicho de PMEs oferecerem não só antecipação de recebíveis, mas muitos outros produtos.

“Há muitas oportunidades e não apenas desafios. O novo arcabouço é uma porta de entrada”. O alerta foi dado por Douglas Araújo, chefe de negócios e produtos para PMEs do Banco BV, durante o webinar da Monkey. “No caso dos recebíveis de cartão, este era um mercado que estava dentro do contexto das credenciadoras, e era difícil outros players atuarem estando fora da relação entre credenciador e estabelecimento”.

Segundo ele, na medida em que essas instituições aprenderem mais e conhecerem melhor esses empreendedores, podem avançar para outras ofertas. “E esta é uma forma de bancarizar mais PMEs e permitir que mais delas acessem mais o mercado financeiro”. Para ele, não é preciso enxergar outros players como competidores, existe uma lógica de sinergia entre agentes financeiros e as plataformas, não é necessário todo mundo fazer a mesma coisa, as atuações podem ser complementares e sinérgicas.”

Inteligência de dados

Entre as fintechs que atuam com crédito para PME – especificamente com antecipação de recebíveis – a grande maioria hoje atua em notas comerciais, não em cartões. Isso agora tende a mudar.

“Quem souber usar melhor todos os dados que esse novo ambiente proporciona terá sucesso, a inteligência de dados será um divisor de água nesse mercado de recebíveis, principalmente quando as duplicatas escriturais entrarem no jogo, no ano que vem”, diz Pedrão, da Núclea. Segundo ele, quem está na frente é quem está conseguindo usar os dados não só para oferecer crédito mais barato. “Quando as decisões se baseiam em dados o spread cai, mas também o ambiente do crédito como melhora. Afinal, cai também a inadimplência”, lembra.

Para Araújo, do BV, os novos players têm pela frente três grandes grupos de temas para aproveitar essas oportunidades.

“É preciso um profundo entendimento do arcabouço regulatório e garantir estar aderente a essas resoluções; também precisa entender muito bem todo o fluxo desses arranjos de pagamentos, toda essa cadeia – passando pelo banco emissor, bandeira, credenciadores e subcredenciadores, registradoras e, claro, suas relações com os estabelecimentos. Por último, a instituição deve definir de que forma vai atuar, qual seu modelo de negócio: como acessar, com que canal, qual estratégia?”, diz.

Mais de 99,5%

Durante a live, mediada pelo diretor financeiro da Monkey Calil Gedeon, o tema das duplicatas veio à tona. Para os participantes, a entrada do novo ativo nas registradoras é um desafio gigante, pois o mercado é estimado em mais de R$ 10 trilhões. Por outro lado, todos esperam menos percalços, uma vez que boa parte do caminho já foi pavimentado pela experiência com o registro de cartões, mercado de R$ 3,3 trilhões.

“Tivemos muitas dificuldades, sofremos muito, mas agora o funcionamento do mercado de registro de recebíveis de cartões está estável. A gente começou com nível de 50% de sucesso e hoje estamos com uma taxa acima de 99,5% de sucesso; tanto do ponto de vista de sucesso quanto da estabilidade, o sistema está tranquilo hoje”, diz Pedrão.

Clientela cativa

A 349 facilita aos estabelecimentos comerciais trocarem seus fornecedores de empréstimos lastreados em vendas com cartões por outros fornecedores de empréstimo que ofereçam condições melhores. Hoje, a maioria dos lojistas é “cativa” do banco dono da credenciadora (maquininha) de recebimentos por cartão.

Muitos deles nem se dão conta de que os contratos com as credenciadoras obrigam essa fidelidade na antecipação. Outros sabem, mas preferem garantir a antecipação automática e a vista do dinheiro. Isso, mesmo que o banco determine as taxas, prazos e condições desses empréstimos de antecipação. E outros querem trocar de financiador, mas enfrentavam muitas dificuldades no processo.

Resistência

Faz mais de dois anos que o Banco Central vem modernizando o mercado de antecipação de recebíveis, uma das únicas opções de crédito para pequenas e médias empresas, exatamente para ampliar o acesso e baratear os custos.

Mas, como toda novidade, enfrenta resistências – e o BC vem fazendo de tudo para driblá-las. No mês passado, por exemplo, o BC publicou a Res. 349, que entra em vigor em abril, obrigando essa transferência em dois dias úteis.

O evento da Monkey – fintech de antecipação de recebíveis – debateu exatamente os efeitos desta resolução e da anterior, a 264. A Res. 264 trata do sistema de registro de recebíveis e entrou em vigor há pouco mais de um ano para aprimorar as regras que já existiam desde 2021, mas parte da sua implantação ficou para agosto deste ano. Por fim a 349 alterou alguns dos artigos da 264, incluindo algumas obrigações adicionais, principalmente as registradoras no que se refere a promessa de cessão de recebíveis – entre outros temas.

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