Por que o PicPay está absorvendo a área de varejo do Original

De acordo com fontes, o objetivo deste movimento do Original é racionalizar despesas e gerar eficiência, mas ainda restam muitas dúvidas

Quase sete anos depois de se lançar no mercado de contas bancárias para pessoas físicas, o Banco Original está ‘pivotando’ sua estratégia. A instituição controlada pelo grupo J&F, da família Batista, passará a se concentrar na operação de banco de atacado e migrará os clientes do varejo para o PicPay, o super app que também faz parte do grupo.

O movimento ocorre em meio à deterioração da qualidade de ativos e da rentabilidade do banco, que nos últimos anos aumentou sua exposição em crédito para clientes pessoas físicas, principalmente em linhas como cartão de crédito, o que elevou a inadimplência e fez o banco reforçar como nunca antes o provisionamento contra perdas.

Em junho do ano passado, por exemplo, as provisões para créditos de difícil liquidação atingiram o patamar recorde de R$ 1,76 bilhão, contra R$ 113 milhões no mesmo período de 2021. Enquanto isso, no mesmo intervalo, o resultado na última linha do balanço passou de lucro líquido de R$ 68,5 milhões para prejuízo de R$ 557,6 milhões. Os números estão disponíveis no Banco Central (BC).

Em dezembro último, diante do quadro de perdas na carteira de crédito do varejo, a agência de classificação de risco S&P chegou a rebaixar os ratings do Original de B para B- (escala global) e de brA- para brBBB (escala nacional), com perspectiva estável.

“Em nossa visão, o banco enfrentará os efeitos de uma mudança executada de maneira inadequada em sua estratégia, que incluiu uma agressiva originação de empréstimos e um forte aumento do apetite por risco”, escreveu a S&P no comunicado à imprensa. Apesar disso, a agência espera que o banco “mantenha o capital estável, respaldado por injeções de capital dos acionistas.”

Conforme apurou o Finsiders, a situação da operação de varejo não é sustentável e se tornou uma “pedra no sapato” para o banco. O jeito foi (aliás, está sendo) transferir os negócios no segmento para o PicPay, a marca mais forte do grupo para pessoas físicas — o super app soma mais de 32 milhões de clientes ativos, mas ainda opera no prejuízo.

“Os acionistas passaram a questionar a estratégia, o que culminou com a saída do Alexandre [Abreu, que deixou o comando da instituição em julho de 2022] e de outros executivos para parar de ‘sangrar’ o resultado”, diz uma fonte a par do assunto. “A decisão foi, então, migrar a operação de pessoa física para o PicPay e fazer um trabalho grande no Original para reduzir sistemas e infraestrutura.”

O objetivo é racionalizar despesas e gerar eficiência. Até porque, em sua estratégia no varejo PF, o Original vinha atendendo clientes com perfil semelhante ao do PicPay. “Com a consolidação em uma estrutura única, deixa o prejuízo relativo à inadimplência no banco, e traz apenas a parte de saldos e movimentação à vista e, assim, ganha musculatura e foco no PicPay“, diz essa fonte.

De acordo com outra fonte, que também pediu para não ser identificada, internamente evita-se falar em “fusão”, mas equipes do PicPay e do Original já trabalham de forma integrada. Algumas áreas da fintech, inclusive, se mudaram oficialmente para sede do banco, no bairro do Brooklin, em São Paulo. Executivos de alto escalão também acumulam funções em ambas as instituições.

Dúvidas

A notícia sobre o encerramento das operações de varejo do banco foi veiculada em primeira mão pelo portal Suno Notícias. De acordo com a reportagem, publicada em 17 de janeiro, a previsão é que as migrações de sistemas e carteiras dos clientes entre Original e PicPay sejam concluídas em setembro.

“O processo já está bem avançado, as decisões estão estruturadas, agora a discussão é quanto tempo dura essa transição”, afirma uma fonte, que acredita em novidades ainda no primeiro semestre do ano.

Enquanto a migração da operação de banco de varejo ocorre, diversos questionamentos surgem no mercado. Um deles é como explicar aos clientes que sua conta está sendo transferida de um banco para outra instituição que, apesar de pertencerem ao mesmo grupo, são empresas distintas.

Há de se cumprir, ainda, exigências do regulador, inclusive sobre como será a comunicação ao mercado, aos clientes e funcionários. “Tem uma série de aspectos relativos a esse processo que precisam ser submetidas ao Banco Central para ele concordar com essa virada tão radical e esse processo de migração seja de acordo com as regulamentações, inclusive o que será feito com a estrutura do Banco Original, que fica carregando uma massa que dificilmente será recuperada”, afirma a fonte.

Outro ponto de atenção é como ficará a situação dos bancários, que hoje integram o corpo de funcionários do Original, uma categoria que não existe no modelo de negócio do PicPay. Questiona-se, ainda, se a empresa vai estender aos funcionários do PicPay os benefícios que são concedidos aos profissionais do Original que desempenham a mesma função. São perguntas como essas que ainda não têm resposta.

Procurados, Original e PicPay disseram que não comentarão o caso. O Sindicato dos Bancários de São Paulo não retornou ao pedido da reportagem.

PicPay: definitivamente, um banco

No caso do PicPay, a incorporação dos clientes do Original é mais um passo na jornada de transformação da fintech, que evoluiu de carteira digital para um super app, com serviços financeiros e não financeiros, utilizado ativamente por mais de 32 milhões de pessoas — a base total de usuários cadastrados passa de 70 milhões.

Em junho do ano passado, também sem alarde, o PicPay recebeu aprovação do Banco Central (BC) para mudar o nome do antigo Banco Original do Agronegócio para PicPay Bank e, com isso, passou a ter sob sua estrutura uma instituição financeira, além da própria instituição de pagamentos (IP).

Ambos os negócios têm como diretor-presidente José Antônio Batista, que também se tornou CEO do Banco Original em julho de 2022, no lugar de Alexandre Abreu.

O capítulo mais recente dessa história de ampliação das verticais de atuação do PicPay foi visto nesta terça-feira (7). Em um novo movimento para diversificar o portfólio de produtos e serviços, o super app anunciou a compra de 100% da BX Blue, fintech de crédito consignado, por valor não revelado.

No comunicado em que divulga a aquisição, a empresa diz que ela marca o início da estratégia do PicPay em consignado, o que ajuda a diversificar o portfólio de crédito com “mais produtos colaterizados de baixo risco” e torna a oferta de serviços financeiros da companhia “ainda mais robusta”.

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