Há cinco anos, a Totvs deu seus primeiros passos no mundo dos serviços financeiros com soluções de pagamento para o mercado de varejo, fruto de uma parceria com a Rede, a adquirente do Itaú. Ainda em 2019, a empresa de tecnologia liderada por Dennis Herszkowicz aprofundou essa tese com a aquisição da fintech Supplier, de supply chain finance, por R$ 455 milhões.
Mas a “pernada” da companhia no setor veio mesmo há cerca de dois anos, quando anunciou uma joint-venture com o Itaú (olha ele de novo!), num negócio de mais de R$ 1 bilhão concluído em julho de 2023. Agora, cerca de nove meses depois, a Totvs Techfin busca acelerar sua proposta de ‘ERP banking’. Trata-se de uma integração cada vez maior entre o software de gestão empresarial e a oferta de soluções financeiras, reduzindo fricção e melhorando uma das principais dores das organizações, que é a conciliação das operações.
“Toda transação financeira de uma empresa ou começa ou termina no ERP. É nele que vemos o comportamento do cliente, fluxo de caixa, folha de pagamento, contas a pagar, contas a receber”, define Eduardo Neubern, CEO da Totvs Techfin. O executivo, que chegou à Totvs em março de 2019 para liderar a frente de serviços financeiros, assumiu o posto de CEO da operação quando ocorreu o closing da JV com o Itaú.
Conta embarcada no ERP
Neste momento, revela ele, a companhia está testando novos produtos de crédito, como capital de giro e consignado “verticalizado”, além de uma solução chamada “Bolepix”, que combina o tradicional boleto com o popular Pix nas operações de cobrança entre empresas. Também está em desenvolvimento uma conta digital integrada ao ERP, que deve ser lançada até o fim do ano.
“Com a conta digital embarcada no ERP, as empresas poderão, dando o consentimento, carregar tudo o que já veem no ERP, como contas a pagar e contas a receber. Sem o ERP banking, o gestor financeiro precisa sair do sistema de gestão e ir para um segundo ambiente, que é o internet banking. Depois volta para o ERP e faz a conciliação. E tem, ainda, uma terceira janela, que é o Excel.”
A Techfin mira em companhias de médio porte, que faturam por ano entre R$ 30 milhões a R$ 300 milhões. São empresas de diferentes indústrias e setores, como varejo, educação, distribuição, manufatura e agronegócio, entre outros. “Nosso cliente típico tem de 3 a 4 contas bancárias. Por isso, a importância de criar essa proposta de integração entre ERP e banking para ganhar espaço no bolso desse cliente”, aponta o CEO. A Totvs como um todo soma, atualmente, mais de 70 mil clientes de todos os portes em mais de 40 países.
Crédito
Segundo Eduardo, a conta digital é o “chassi” para a oferta de crédito. Hoje, a Techfin disponibiliza linhas de antecipação de recebíveis e outras soluções de crédito B2B, como a postergação de pagamento de boletos a fornecedores. “Agora estamos entrando em capital de giro, com prazo de até 36 meses, para compra de estoques e equipamentos, por exemplo”, diz o executivo. Inicialmente, a modalidade será sem garantia, mas já há expectativa de evoluir para um produto com as duplicatas como colateral.
Em outro movimento fruto do acordo com o Itaú, a Totvs Techfin está experimentando o que chama de consignado “verticalizado”. Desde 2020, a empresa já oferece o crédito consignado para empresas acima de 50 funcionários que utilizam o sistema de folha de pagamento da Totvs. A partir de agora, o plano é rodar essa operação de ponta a ponta — do funding até a cobrança. “Com a JV, passamos a ter funding mais competitivo. Temos um time de crédito próprio para essa linha. Estamos pilotando isso agora e vamos lançar até o fim do ano.”
Segundo o CEO, a combinação entre Totvs e Itaú é o “fit perfeito” para o ‘ERP banking’. Isso porque o maior banco privado do país traz a capacidade de funding, expertise em concessão de crédito e o portfólio de produtos PJ, ao passo que a Totvs tem em seu software de gestão os “sinais vitais” das empresas. “Temos a capacidade de inovação de uma fintech com os selos de confiabilidade. solidez e segurança de Totvs e Itaú por trás. É uma combinação poderosa.”
Multiproduto
Neste momento, o foco está na ampliação das soluções de crédito e pagamentos, mas o CEO diz que a visão de longo prazo da Totvs Techfin é multiproduto. Significa, assim, atender os clientes em tudo o que precisarem em termos de serviços financeiros. O mercado endereçável potencial é de R$ 107,2 bilhões, conforme estimativa feita pela Totvs em uma apresentação institucional publicada em fevereiro deste ano. Nas contas da companhia, seu market share na indústria financeira era de apenas 0,4% em 2022.
Sobre novos segmentos possíveis a explorar no futuro, Eduardo cita câmbio e seguros. Ele descarta, porém, que haja um plano de entrar nessas áreas por meio de parceiros neste ano. “No longo prazo, se forem serviços que os clientes Totvs precisam, vamos oferecer em algum momento”, diz. Atualmente, além da Rede, a Techfin mantém parcerias com fintechs como Creditas e PagBrasil.
Na última linha do balanço, a Techfin ainda registra prejuízo. Segundo o CEO, a operação é autossustentável, e o motor de rentabilidade e eficiência vem da Supplier, um negócio maduro de 20 anos e que possui inadimplência baixa. “Já na Techfin orgânica, temos um grande canteiro de obras. Essa parte da JV está semeando o futuro com todo o trabalho de expansão de portfólio, data science e construção de marca. Tudo isso vem antes do resultado.”
Tendências
Como tendências de inovação no setor financeiro, o executivo destaca o crescimento dos pagamentos instantâneos (Pix), a criação de soluções mais personalizadas, embarcadas e contextualizadas, e o avanço de temas como Open Finance e inteligência artificial (IA).
“Acreditamos muito na IA em etapas. Estamos começando alguns experimentos dentro da JV para uso interno, como melhorar a produtividade dos times. Sabemos que isso é só a ‘ponta do iceberg’. A IA, muito bem azeitada, vai ter um apoio muito grande no que chamamos de ‘trusted advisor’. É a capacidade de gerar insights de gestão; no primeiro momento, serão informações de retrovisor, ou seja, o que já aconteceu com a empresa. Mas a tendência é de gerar insights e recomendações para o futuro.”
Ainda que o boom da IA seja sedutor, o CEO da Totvs Techfin é mais cauteloso ao falar sobre o uso da tecnologia nos negócios da companhia. “Uma coisa é a IA recomendar o seu próximo seriado. Outra é dar recomendações sobre crédito. Estamos lidando com o dinheiro das empresas, é algo muito sensível. Mas acreditamos que, sim, se bem utilizada, a IA terá valor nesse tipo de recomendação.”
Gestão + serviços financeiros
A combinação entre solução de gestão e serviços financeiros não é uma exclusividade da Totvs. Há outros exemplos no setor, como a Omie. A plataforma de ERP na nuvem comprou, em 2021, o banco digital Linker. E ainda naquele ano, fechou uma parceria com o Itaú. Já em julho de 2023, recebeu o sinal verde do BC para atuar como instituição de pagamento (IP), na modalidade iniciador de transação de pagamento (ITP), que faz parte do Open Finance.
Quem também tenta avançar nessa tese é a Stone, que comprou em agosto de 2020 a Linx, numa “disputa” com a própria Totvs. A adquirente almeja ser uma big tech, e parte dessa transformação envolve aprofundar a integração entre gestão e serviços financeiros. Recentemente, a empresa também recebeu autorização para operar como financeira.