Dario Palhares
Turistas e viajantes que batem pernas pelos corredores comerciais de Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, Cabo Frio, no litoral norte fluminense, e de Indiaroba, na costa sul de Sergipe, logo constatam, com surpresa, a grande aceitação nos varejos de cartões de débito de bandeiras totalmente desconhecidas no cenário nacional: Mumbuca, Itajuru e Aratu, pela ordem.
As moedas sociais de uso exclusivamente local, também disponíveis no formato de aplicativos para smartphones, são os carros-chefes de três dos oito bancos digitais municipais em operação no país, caracterizados, de fato, como arranjos de pagamento de uso restrito, conforme a Lei 12.865/2013 e a Resolução 4.282 do Banco Central. São emissores de moedas eletrônicas – um tipo de moeda digital que, no entanto, nada têm a ver com criptomoedas. Os bancos digitais municipais são a evolução dos bancos comunitários, que surgiram há 24 anos com a moeda social Palmas, que nasceu no Conjunto Palmeiras, na zona Sul de Fortaleza.
Fintechs Brasil vai publicar nas próximas semanas uma série de reportagens sobre essas instituições, começando pelo Banco Mumbuca. Criado em 2013, hoje tem 70 mil contas digitais (41,7% da população da cidade) ancoradas na plataforma da fintech e-dinheiro. O Mumbuca prepara, para breve, o lançamento de seu cartão de crédito com um sistema de cashback.
“Nosso cronograma prevê a emissão de cerca de mil cartões de crédito em julho do próximo ano”, conta a presidente Manuela Mello, de 22 anos, ex-atleta da seleção brasileira de tiro ao alvo. “Depois que adquirirmos experiência no segmento, a ideia, claro, é expandir a oferta do produto.”
O público que será contemplado com as primeiras tarjetas da nova safra nunca teve acesso, em sua maioria, a instituições financeiras tradicionais, contas bancárias e linhas de crédito. São os beneficiários do programa Renda Básica da Cidadania (RBC), instituído em 2013 pela Prefeitura de Maricá, que repassa mensalmente 8,4 milhões de mumbucas, equivalentes a R$ 8,4 milhões, a 42,5 mil moradores com renda familiar mensal de até três salários mínimos inscritos no Cadastro Único da União (CadÚnico) e residentes no município há pelo menos três anos.
“O objetivo inicial do cartão de crédito, portanto, é promover a inclusão financeira de parte desses cidadãos, cuja experiência com crédito se resume, no máximo, a carnês do comércio”, observa Manuela.
Embora ainda esteja em fase de formatação, o projeto já tem algumas premissas definidas. O cartão, sem juros e sem consignação, será direcionado preferencialmente para transações no varejo local de menor porte, detentor de uma fatia de 83% dos 12 mil estabelecimentos que aceitam pagamentos com a moeda social mumbuca.
Com lançamento previsto para o primeiro trimestre de 2023, o cashback seguirá a mesma diretriz: quem realizar compras em comércios tocados por moradores da cidade terá direito a volumes maiores de retornos do que nas grandes redes “forasteiras” – como Renner, Casa e Vídeo e Droga Raia –, que começaram a chegar a Maricá no fim da década passada, na esteira do sucesso alcançado pelo programa RBC.
“Abrimos espaço na rede credenciada para nomes de expressão no varejo a pedido dos clientes do Mumbuca”, diz Manuela. “Mas, como o objetivo da moeda social é manter o dinheiro circulando no município, vamos dar prioridade aos comércios menores do centro da cidade e dos bairros.”
Compromisso social
Sem abrir mão de seu compromisso socioeconômico, o Mumbuca, cujo nome homenageia o rio que corta a cidade, vem adotando um figurino semelhante ao dos bancos convencionais. Ele dispõe de uma rede de quatro agências, já com perspectivas de ampliação, e soma 19 mil clientes desvinculados dos programas sociais municipais, público que a casa pretende ampliar em 30% em dois anos.
Outro ponto em comum é a carteira de crédito, a Mumbucred, que começou a ser estruturada em 2018 e soma hoje 13 linhas voltadas, entre outros fins, a micronegócios, cooperativas, reformas de moradias, aquisição de mobiliário e placas solares. Com juro zero e sem taxa de administração, os financiamentos têm como funding uma fatia de 60% da tarifa de 2% sobre as compras com cartões e aplicativos, paga pelos comerciantes credenciados. A taxa garante a injeção mensal no Mumbucred de montantes da faixa de R$ 360 mil a R$ 480 mil.
“Até 2021, liberamos R$ 1,6 milhão para cerca de 3,5 mil tomadores”, diz Manuela, que vem desenvolvendo a expansão do Mumbucred, em conjunto com a E-Dinheiro, focado nos empreendimentos apoiadas pela incubadora do banco, a recém-inaugurada Mumbuca Sementes. “Hoje com seis negócios incubados, a Mumbuca Sementes pretende atender 200 cooperativas e negócios solidários, que terão acesso a linhas de crédito. A fila de espera já é grande.”
Aliada a outras iniciativas, como o Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT), criado há dois anos, e o reforço temporário do RBC, cujos benefícios passaram de R$ 170 para R$ 300, a moeda social Mumbuca mostrou toda a sua potência no auge da pandemia da Covid-19: entre 2020 e 2021, Maricá registrou um crescimento de 8,5% no emprego formal, índice que saltou para a casa de 11,5% na comparação entre a temporada atual e a passada.
Não por acaso, portanto, outros poderes públicos, do Brasil e do exterior, começaram a procurar a prefeitura do município fluminense, em busca de informações sobre a sua política de economia solidária, ou circular. “A demanda é constante e abrange todo o espectro político, da esquerda à direita”, diz o secretário municipal de economia solidária, Adalton Mendonça. “Só nas últimas semanas, recebemos visitas de equipes de Londrina, Linhares, Teófilo Otoni, Recife e da Generalitat da Catalunha, que quer replicar o nosso modelo naquela comunidade autônoma da Espanha.”
O que é moeda digital
Segundo especialistas, moeda digital é um conceito amplo que envolve qualquer moeda eletrônica. Quando você paga com cartão de crédito ou carteira online, você está usando moeda digital. As principais características que diferem a criptomoeda de uma moeda digital são a descentralização, o valor, a segurança e a privacidade.
O mestre em Direito Tributário pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV) e consultor jurídico empresarial, Daniel de Paiva Gomes, explica que moeda digital é o nome genérico – a moeda digital pode ser moeda eletrônica, moeda virtual ou criptomoedas.
“Podemos afirmar que moeda digital é um tipo de ativo que proporciona, de diversas formas, a circulação de valor por meio eletrônico (de forma intangível) ou via internet. Este valor pode ou não estar embasado em uma moeda fiduciária de curso forçado e, além disso, pode ou não ser transmitido por meio de um sistema descentralizado e criptografado, fazendo com que surjam as subclassificações moedas virtuais, moedas eletrônicas e criptomoedas”.