O banking as a service (BaaS) está aquecido mundo afora, e no Brasil não é diferente. O crescimento desse modelo de negócio segue a tendência global de “embedded finance”, tendo como pano de fundo o open banking e sua evolução, o open finance. Na última semana, publiquei uma matéria no caderno especial Tecnologia bancária, do Valor, sobre o assunto. É a segunda vez que escrevo sobre o tema no jornal — só para ter uma ideia do aquecimento na área.
O assunto é tão instigante e vem ganhando tamanha importância que decidi montar esta reportagem especial com um cenário desse movimento de BaaS no Brasil, mas não só isso. Avançam com força também as plataformas de infraestrutura em registro de recebíveis, back-office de fundos de investimento, clearing e outros serviços por trás das cortinas no setor financeiro.
“O mercado financeiro está passando por um grande momento de mudança, que vem transformando empresas não financeiras em provedores de serviços financeiros digitais e acelerando a demanda pelas conexões e integrações via APIs entre os agentes de diferentes segmentos, bem como a utilização precisa dos dados trocados entre esses players, algo que evolui à medida que o Open Banking decola mundo afora”, analisa o especialista Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem e diretor para América do Sul da Financial Data and Technology Association (FDATA).
Segundo Diniz, no mundo, as fintechs invisíveis estão surfando esse momento e, claro, os fundos de Venture Capital (VC) estão cada vez mais de olho nesses negócios. As operações de M&A também vêm acontecendo de maneira intensa, diz o especialista. Ele cita alguns exemplos: o provedor de banking as a service Marqeta fará seu IPO este ano e já tem valuation de US$ 4,3 bilhões. Outro caso é a Galileo, comprada pela fintech SoFi por US$ 1,2 bilhão.
Já entre os players que atuam com open banking, há o emblemático caso da Plaid, que teve uma tentativa de compra frustrada pela Visa por US$ 5,3 bilhões, pois os órgãos concorrenciais não aprovaram o negócio, exemplifica Diniz. Contudo, meses depois, a empresa recebeu aportes que elevaram seu valuation para US$ 13,4 bi. Já a Mastercard, de olho no potencial do open banking, comprou a empresa Finicity por cerca de US$ 985 milhões, cita o especialista.
Fantástico mundo do BaaS
No Brasil, BaaS é um fantástico mundo de oportunidades. Basta observar o número de players que vêm criando plataformas do tipo, muitas assumindo toda a infraestrutura tecnológica e regulatória; outras, apenas a parte tecnológica e plugando em parceiro que tenha as licenças regulatórias.
O mercado por aqui reúne pelo menos dez players, entre eles, Bankly, BPP, Dock (da Conductor), FitBank (que recebeu cheque da CSU e do J.P. Morgan), Matera, Zoop, Qesh, Hash, SWAP, Stark Bank e Atar B2B. Sem contar os bancos que têm serviço de BaaS há um tempo, como Topázio, BV e Original — esse último, aliás, vem expandindo esse modelo de negócio dentro de casa. Quando ampliamos o olhar, para provedores de serviços ligados ao open banking, o número de players cresce e inclui nomes como Belvo, Guiabolso, Celcoin, Quanto, entre outras.
“Há também a expectativa de que vários players que já atuam nesse segmento no Reino Unido e na Europa (onde o Open Banking está regulamentado e rodando desde 2018) realizem sua expansão para o Brasil, como a TrueLayer, Yapily, Salt Edge, dentre outros”, exemplifica Diniz.
A BPP, que começou no mercado de pré-pago como a antiga Brasil Pré-Pagos, opera como instituição de pagamento (IP) regulamentada pelo BC e possui o código 301, que a faz pertencer ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). “Nossa plataforma é verticalizada. Temos uma oferta completa de banking as a service”, contou Paulo Della Volpe, diretor da BPP. A empresa oferece APIs de TED, boleto, cobrança, Pix para participantes indiretos, entre outros serviços. “E agora estamos entrando no universo do open banking, a partir de maio.”
Por meio de sua solução de BaaS, a BPP realiza 20 milhões de transações por mês. O Pix também vem crescendo de maneira acelerada na plataforma. Em fevereiro, foram 4 milhões de transações, número que saltou para 10 milhões em março. “Nessa toada, logo logo chegaremos em 50 a 60 milhões de transações com Pix por mês”, diz Della Volpe, ao Finsiders. O executivo defende a atuação da BPP por oferecer toda a estrutura, emitir os próprios boletos e fazer parte do SBP, ao contrário de alguns players, que dependem de camadas de outras empresas.
Entre os serviços prestados pela BPP, estão uma solução completa de conta digital, emissão de cartão e de boletos para a Solar, engarrafadora da Coca-Cola, com atuação nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país. “A conta deles, nada mais é que um banking as a service completo, desde captura, conta digital, emissão de cartão, de boleto”, exemplifica o executivo. Outro caso é o aplicativo 99. “O cartão que está na mão do motorista da 99 é da BPP, mas para ele é da 99. Ele não tem visão de que por trás existe IP, regulada e autorizada. O banking as a service tem essa característica invisível.”
Segundo Della Volpe, a BPP tem 4 mil clientes corporativos, sendo as embarcadoras os principais segmentos, ao lado de grandes splits de pagamentos, como Herbalife, 99 e Solar Coca-Cola. A empresa também fornece a plataforma de BaaS para o PJBank, criado pela Superlógica.
Para o executivo, não é o tamanho da base de clientes ou usuários que justifica montar uma operação de banco digital, e sim se esse target específico fecha um ciclo. “O mercado acabou vendendo ideia de que uma padaria poderia ter um banco. Não é bem assim. Pode ser um grupo pequeno de pessoas, 100 mil por exemplo, mas se fechar um ciclo, e tiver recorrência, e for bom para todas as pontas, pode valer a pena. Só é bom quando é bom para o usuário final”, diz.
A Qesh, fundada há dois anos em Nova Lima (MG), fechou 2020 com 22 bancos digitais criados em sua plataforma tecnológica. Ao todo, somou quase 14 mil usuários, número que prevê expandir para 3 milhões este ano, com o desenvolvimento de mais 80 novos bancos digitais. O faturamento, que mais do que dobrou em 2020, deve saltar mais de 300% em 2021, contra o ano anterior, informa a fintech com exclusividade ao Finsiders.
Por trás do negócio está Cristiano Maschio, um ex-executivo da Porto Seguro. O business da Qesh nasceu construindo serviços financeiros digitais para o mercado imobiliário, uma experiência que Maschio tinha por ter montado uma corretora de seguros especializada em produtos imobiliários. “Uma imobiliária com 350 aluguéis, por exemplo, precisa lançar boletos, fazer conciliação, pagar contas. Se vai emitir um boleto para pagar, e contrato é de 36 meses, sistema já fica engatilhado para fazer disparos para você”, explica. Assim nasceu a Qesh.
Desde então, a fintech já construiu operações de bancos digitais em setores como varejo, financeiro, mercado imobiliário, educação e sistemas de afilidados. “Para montar uma operação de banco digital, a empresa precisa ter uma cadeia produtiva em cima dele, ter um ecossistema”, observa Maschio. A startup é uma instituição de pagamentos (IP) — ainda não autorizada pelo Banco Central (a fintech aguarda aprovação do regulador) — e utiliza o banco BV como instituição liquidante das operações. “Demos entrada para ser IP autorizada. Nosso modelo é de conta individualizada”, aponta o empreendedor.
Esse é um dos grandes diferenciais, diz ele, do modelo da Qesh, em relação à concorrência. Com a conta individualizada, o empreendedor espera entrar em seguros e também passar a ofertar crédito este ano. “Conseguimos desenvolver features, que estão em teste, que vamos lançar agora. Por exemplo, estamos criando um produto que vai solucionar o problema do comércio na pandemia, sem que tenha que gastar muito. Está em testes agora, fizemos MVP, e acredito que já colocamos no ar este mês”, exemplifica Maschio. E não à toa a investida em varejo. Das mais de 80 operações de bancos digitais que a fintech prevê montar em 2021, mais de 65% são no setor varejista.
Por trás das cortinas
Além de plataformas de BaaS, o mercado vem ganhando nos últimos anos fintechs de infraestrutura que atuam com registro de recebíveis (CERC, por exemplo), back-office de fundos de investimento (alô, Vórtx e Investtools), entre outros segmentos.
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