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Fernanda Bompan, Giovanni Porfírio e Danylo Martins
Às vésperas do início de uma nova fase do Open Banking e cada vez mais se aproximando da etapa de abertura para além dos serviços bancários, a mensagem que as instituições financeiras passam é que estão empenhadas em acertar a integração do sistema.
Por isso, a sinalização dada durante a terceira edição do Open Finance Conference foi de que adiamentos do cronograma para resolver a questão de interoperabilidade não são problemas. Problema é começar uma nova etapa com pouca empresa preparada.
Ivo Mósca, líder de trabalho do Open Finance e superintendente de Open Banking e digital cash do Itaú Unibanco, afirma que todas as instituições participantes têm equipes se esforçando ao máximo para cumprir o cronograma com excelência. E que os resultados da fase 2 já devem ser sentidos no final deste ano e início do próximo.
Cristiano Steyer, superintendente executivo do Banrisul, até brincou, durante uma das palestras, dizendo que eventos sobre o tema são até bons porque ele pode descansar. Para ele, esse esforço entre bancos tradicionais, fintechs, cooperativas para uma sinergia é nítido no seu dia a dia. “Nunca falei tanto com outras instituições”, diz.
Fabio Levi, diretor executivo do BTG Pactual, entende que um exemplo dessa busca por sinergia é a quantidade de parcerias e aquisições realizadas no mercado financeiro. Segundo ele, ao reconhecerem as oportunidades que o Open Banking já traz, mesmo em processo de implementação, construir alianças mesmo entre bancos tradicionais e fintechs se tornou inevitável. “Os bancos já entenderam que fintechs são atalhos para levar soluções mais rápidas para seus clientes. E a parceria é um ganha-ganha”, avalia.
Fábio explica que no BTG+, criado há pouco mais de um ano, um dos pilares é o atendimento. Desta forma, ao ouvir as dores dos seus clientes, em vez de construir a soluções “em casa” que pode levar tempo e têm custos, vão atrás de parcerias. Por exemplo, se um cliente precisa de uma tag de estacionamento, ele vai atras de uma empresa que forneça isso. “Hoje, com todos se conectando via APIs, plugo um parceiro em uma semana”, diz, enfatizando que o Open Banking vai potencializar isso ainda mais.
“Se a gente quiser crescer em conjunto e gerando valor ao cliente, as instituições têm que pensar em conjunto”, ressalta o executivo do BTG.
Em outro painel, Diogo Kulaif, CTO do Finansystech, também deu ênfase a esse movimento de parcerias. Ele comenta que 70% ou 80% dos bancos já possuem acordos com fintechs, mas em um cenário com cada vez mais novos territórios para se desbravar, a tendência é também que fintechs se juntem entre si, formando grupos enormes.
Diego Perez, presidente da ABFintechs, resume bem este cenário: o futuro é de colaboração do sistema financeiro. Já Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem, afirma que o sistema financeiro caminha para uma lógica em que o Open Finance é um dos elementos chaves que mudarão o comportamento do consumidor e, portanto, da indústria para além da financeira.
“Vamos ter uma virada de chave muito grande em que todos os elementos (Open Banking e banking as a service, por exemplo) se combinam levando a uma nova logica sem direcionar especificamente para bancos ou fintechs. É um mundo novo, com muito mais competição”, disse, em um dos painéis, que contou com a mediação do editor chefe do Finsiders, Danylo Martins.
Renata Leite, head de vendas para a indústria de serviços financeiros da Pipefy, comenta que os potenciais que o Open Finance traz vão além de gerar mais produtos e serviços financeiros e permitir a maior inclusão dos brasileiros no sistema financeiro. Na visão dela, haverá a inclusão dos bancarizados no mundo dos investimentos, o que beneficia a saúde financeira da população em geral.
Mas para que todo este futuro se torne realidade, as preocupações com a implementação do Open Banking precisam ser endereçadas. Em todas as palestras, foi mencionada a dificuldade atual de interoperabilidade entre as instituições, que deve avançar ainda mais quando a fase 3, prevista para começar nesta sexta-feira (29). Isso porque quase 800 instituições se juntarão ao grupo de participantes.
CBDC
Mas nem só de Open Finance vive o setor. Se antes, a criação de uma moeda digital era algo distante, hoje, tem se tornado uma realidade cada vez mais próxima — e pode ocorrer mais cedo do que se pensava.
O fato é que, se formos parar para pensar, a maioria do dinheiro que circula hoje, sobretudo no Brasil, já é digital. “Nove em cada dez reais que existem na economia, já são feitos de depósitos em conta corrente, poupança ou mesmo de contas de pagamento que são transferidos por meio de cartões de débito, crédito ou carteiras digitais”, afirma Marcelo Prates, procurador do Banco Central (BC).
Entram para esta lista, ainda, as chamadas reservas bancárias, uma espécie de CBDC utilizada pelos bancos que têm conta no BC. Segundo Marcelo, a grande novidade não é fazer com que o dinheiro passe a ser digital, mas possibilitar que qualquer pessoa física ou jurídica tenha acesso a esse recurso que hoje está reservado a algumas instituições financeiras.
“É comum que se diga que a CBDC é um passivo do BC. Com as tecnologias que estão disponíveis — o blockchain é uma delas — é possível que qualquer um de nós tenha acesso ao dinheiro digital sem que o BC tenha que virar uma agência bancária”, diz. Ou seja, uma instituição de pagamento, ou mesmo uma fintech, poderia fornecer os aplicativos para que qualquer pessoa física consiga transferir uma moeda digital. A emissão dela, por sua vez, continuaria a cargo da autoridade monetária.
Falando em blockchain…
Marcelo chama a atenção para o uso de blockchains, se os bancos centrais pelo mundo quiserem emitir uma CBDC. “A tecnologia blockchain pode oferecer funcionalidades para uma moeda digital. Quantos mais ativos, além do próprio dinheiro, são tokenizados, mais fáceis e seguras ficam as transações econômicas”.
Ele deu o exemplo da compra de um imóvel, que hoje depende de várias ações — escritura e registro em cartório, por exemplo — estas que são feitas em lugares diferentes e de forma não simultânea, o que dá margem para possíveis erros.
“Se eles [imóveis] fossem tokenizados e o dinheiro estivesse na mesma blockchain, o processo de compra e venda seria mais rápido”, exemplifica. A implementação também passa por uma questão cultural das empresas, que precisam ser convencidas a adotarem esse sistema.
Trazendo para o mundo financeiro, entretanto, a realidade é bem diferente. Marcelo chama a atenção para o Pix, por exemplo, que já consegue realizar duas mil transações por segundo, mas preparado, se preciso, para chegar a 10 mil. A blockchain do bitcoin, por outro lado, processa apenas 7 transações por segundo.
“Não está muito claro porque os BCs abandonariam esses sistemas descentralizados de pagamento, que já têm desenvolvidos e passariam a adotar uma blockchain que ainda não foi testada para realizar pagamentos de varejo em grande escala e de forma instantânea”, ressalta.
Assim, do ponto de vista tecnológico e dadas as limitações de infraestrutura brasileiras, o procurador acredita que a questão mais importante seria encontrar uma solução que permitiria usar e transferir CBDCs de forma offline, sem o risco de facilitar fraudes. “Nenhum Banco Central vai criar uma moeda digital que aumenta os riscos a lavagem de dinheiro, ou outros crimes”, reforça.
Questões de tecnologia à parte, o fato é que a criação de uma moeda digital — em um mundo cada vez mais digital — representa um próximo passo na evolução do sistema financeiro. “O grande diferencial é que a CBDC oferecia um benefício que nenhuma forma de dinheiro privada conseguiu oferecer, que é a estabilidade, protegendo contra a inflação”, destaca o procurador.]
Futuro dos meios de pagamento
O futuro dos meios de pagamento já chegou. Seja por Pix ou pagamento por aproximação — este, inclusive, que foi realizado 587 milhões de vezes no ano passado, crescimento de 374% em relação a 2019, segundo a Abecs — a tendência é que essas alternativas cresçam ainda mais, e se aperfeiçoem.
“Há todo um movimento de modificação comportamental, de segurança, não só do lado do comprador, mas do recebedor”, destaca Hugo Martins Costa, head de soluções digitais, loyalty e Visanet VAS da Visa do Brasil. Ainda que a adesão tenha sido expressiva, sobretudo por conta da pandemia, muitas pessoas ainda não se sentem confiantes em usar tais tecnologias.
“Temos uma herança de quem ainda não se sente seguro para usar o cartão, apesar da tendência de que cada vez mais teremos pessoas que sejam nativos digitais não utilizem dinheiro físico”, aponta Thiago Oliveira, head de prevenção à fraude do PicPay.
Edson Santos, fundador e sócio da Colink Business Consulting, ressalta que as novas tecnologias do sistema financeiro têm mudado o cenário da indústria de cartões. Segundo ele, o não uso de cartão, por exemplo, para realizar uma operação de Pix, desmaterializou diversos players deste mercado, mas não os excluiu. “Não conheço nenhum meio de pagamento que substitui totalmente o interior, mas que se complementa”.
Independentemente do sistema a ser utilizado, a preocupação em comum das empresas é sempre o cliente final. Isso tem se refletido em uma filosofia cada vez mais “as a service” por parte das organizações, que frequentemente têm buscado criar produtos que atendam às necessidades dos clientes de forma ágil. “A gente vê esse movimento e, dentro da linha de protagonismo, como o comportamento dele [cliente] tem se movimentado com a inclusão digital e integração de sistemas”, acrescenta Thiago.
Embedded finance
Os serviços financeiros caminham cada vez mais para estarem presentes em diferentes jornadas dos consumidores, não apenas nos apps de bancos ou fintechs, por exemplo. “No caso específico do iFood, entendemos que a jornada do cliente não se limita ao pedido de refeição”, diz Loise Nascimento, gerente de políticas públicas e regulatório da Movile.
Para ela, tudo o que for digital e envolver relacionamento e interação ativa com o consumidor tem potencial para embutir serviços financeiros e, assim, complementar a oferta. “É um plus”, diz. “Percebemos uma mudança no que o consumidor está buscando, e o digital first é o foco.”
Um dos propulsores para esta tendência de serviços financeiros embutidos — colocados de maneira cada vez mais invisível (leia sobre ‘invisibile banking’) –, é o modelo de banking as a service (BaaS). “Normalmente, o BaaS cuida não só da tecnologia, mas também de processos e questões regulatórias. E oferece os serviços numa plataforma simples de integrar, via APIs”, explica Alexandre Pinto, diretor-executivo da CSU responsável pela Blue C, unidade de BaaS da empresa.
Trata-se de um modelo que atende empresas em diversos setores, incluindo negócios menores. “Não precisa ter porte gigantesco, mas é lógico que precisa ter um business plan”, defende Alexandre. Para ele, a conta digital por si só está virando ‘commodity’. Se conseguir oferecer crédito, seguros e outros produtos financeiros, aí sim o ‘economics’ começa a fazer sentido. “A mensagem é: quanto vale o seu ativo? O seu ativo é o cliente.”
Em um contexto de transações instantâneas (alô, Pix!), as plataformas de BaaS precisam ser 24 por 7, resilientes, entregar disponibilidade e ter alta taxa de sucesso nas transações financeiras. “Isso é o básico”, aponta Luiz Fonseca, VP de banking da Zoop, que também atua no segmento.
Para Alex Moraes, VP da Mulesoft no Brasil, o BaaS abre novos modelos de negócios que antes eram impensáveis. “Ainda não sabemos todos os modelos de negócios que podem ser habilitados. Pagamento foi o ponto de partida. Agora, crédito e análise de crédito; seguros. E tem muito mais por vir”, afirma.
Segundo o executivo, embutir serviços financeiros significa uma oportunidade de receita adicional, assim como criar um relacionamento mais próximo aos clientes. “O consumidor, no final das contas, vai ter um serviço melhor na ponta. Além de poder levar serviço financeiro para muitas pessoas e empresas que hoje não têm acesso.”
Centralização e agilidade de gestão financeira são outros benefícios do BaaS para as empresas, defende Victor Duek, head de parcerias BaaS do Banco Topázio, que vê indústrias dos mais diferentes segmentos querendo entrar em BaaS. Para o público final, o benefício é ter maior poder de escolha e negociação. “Naquele relacionamento com banco tradicional, não tinha tanto poder de escolha.”
A terceira fase do Open Banking, prevista para iniciar nesta sexta-feira (29), vai trazer a figura do iniciador de pagamentos, regulada pelo BC, para iniciar pagamentos, reduzindo a necessidade de intermediários. Um exemplo é o WhatsApp Pay. “O iniciador de pagamentos vem para democratizar mais tecnologia no setor financeiro. [O cliente] não quer um cartão, mas um cartão que consiga utilizar em determinada situação. Estamos numa tendência de ‘desprodutização’ dos serviços financeiros”, diz Loise, da Movile.
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Danylo Martins é jornalista com dez anos de cobertura de finanças, empreendedorismo e inovação no setor financeiro. Com MBA em mercado de capitais, é vencedor de quatro prêmios de jornalismo econômico e colabora com o jornal Valor Econômico há oito anos. Teve passagens por Folha de S.Paulo e revista Você S/A.
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