Por Arthur Silveira*, exclusivo para o Finsiders
A experiência de viver a edição de 2023 do SXSW foi incrível. E mais do que a satisfação de apresentar a Slice e os nossos serviços para pessoas de todos os lugares do mundo, foi um grande aprendizado em relação aos diferentes níveis de inovação tecnológica de outros países.
Ao mesmo tempo em que pude observar o quanto o Brasil está avançado em diversas áreas e sentir um grande orgulho de contribuir um pouco para esse avanço com a tecnologia da Slice, é um balde de água fria o nosso atraso em outras. E voei de volta para São Paulo pensando em um gap que ficou bastante claro nestes últimos dias, especialmente para quem atua com mercado financeiro: o abismo que existe entre tecnologias ‘one size fits all’ e verticalização entre Brasil e Estados Unidos.
A escalada da indústria bancária e as posturas do Brasil e dos Estados Unidos
A década de 70 foi grande ‘start’ da indústria bancária, tanto aqui quanto nos Estados Unidos. A diferença fundamental que passou a ser estabelecida desde então foi a postura de cada nação para lidar com esta ebulição.
No Brasil, depois da hiperinflação, quando o sistema começou a se modernizar e estabilizar, o Banco Central tomou uma decisão: como ter um sistema robusto era o objetivo principal, a postura seria permitir a concentração bancária. Por isso que, hoje, o mercado brasileiro é concentrado em quatro grandes bancos privados e dois grandes bancos públicos.
Foi uma posição de “certo, não tenho como criar um sistema eficiente que possibilite monitorar e diminuir riscos se abrir o mercado, então vou fechar”. Ao estimular esta concentração e até mesmo a fusão de instituições, o BC facilitou o monitoramento de forma ativa e lucrativa. Se fossem muitos, não teria como.
Já os Estados Unidos adotaram uma posição completamente contrária. Assim como na política norte-americana, o sistema bancário estadunidense é estadual, fragmentado e distribuído. Ou seja, com o mesmo objetivo de fortalecer o sistema bancário e evitar risco sistêmico, o banco central norte-americano incentivou o surgimento de diversas instituições. É claro que o cenário econômico dos Estados Unidos era completamente diferente do vivido no Brasil — não haviam vivido uma hiperinflação e já possuíam uma estrutura jurídica e de governança estável.
Enquanto no Brasil há uma concentração de poucas empresas que oferecem todos os serviços financeiros, existem dezenas de milhares de bancos nos EUA e, há uma grande separação em nichos: bancos de empréstimo e financiamentos imobiliários não podem oferecer poupanças, por exemplo.
Enquanto nos Estados Unidos a proposta era não deixar nenhuma instituição ficar grande demais para proteger o sistema de um grande risco em caso de quebra, no Brasil a proposta era fortalecer ao máximo poucas empresas para facilitar monitoramento e segurança do sistema.
O ponto principal é que estas decisões reverberam até hoje, excepcionalmente na evolução de fintechs norte-americanas e brasileiras e nos serviços que se propõem a oferecer.
Poucos fazendo muito = a demanda é por soluções financeiras abrangentes
Os grandes bancos brasileiros atendem todos os públicos: pequenos empreendedores, jovens, adultos solteiros, adultos casados, famílias, idosos e multimilionários. Portanto, todos querem ter a cesta completa de produtos: oferecer cartão de crédito, conta corrente, empréstimos, financiamentos, produtos de investimento, home broker e o que mais surgir.
Nos Estados Unidos, a segmentação é enorme. No Estado do Texas, por exemplo, onde ocorre o SXSW, a economia é super dependente do petróleo. Ou seja, o sistema financeiro é baseado nesta demanda: existem pequenos bancos e corretoras especialistas no setor de energia que criam produtos personalizados para empresas petroleiras, para a indústria de combustíveis, etc.
Como no Brasil o cenário era outro, não houve esta evolução de criação de serviços verticalizados no mercado financeiro. Embora tenhamos ficado para trás neste quesito, criou-se uma grande oportunidade do Banco Central, de fato, criar uma infraestrutura financeira e tecnológica imensa, que opera, hoje, em tempo real.
Antes de existir a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) — hoje Nuclea –, para fazer uma transferência entre dois bancos, ambos precisavam sistemicamente estar integrados para garantir as regras e a transferência dos valores. Por conta da hiperinflação e da necessidade de que esse processo fosse feito o mais rápido possível, foi criada uma infraestrutura de compensação robusta, que possibilitou as TEDs.
E, sim, como hoje vivemos na era do Pix, 10 minutos para cair uma TED ou ter de esperar passar o final de semana inteiro para o dinheiro cair na conta parecem uma eternidade. Mas a verdade é que isso até hoje não existe nos Estados Unidos. Dependendo do tipo de transação, pode levar até uma semana para o dinheiro chegar onde você quer. Ou seja, os sistemas evoluíram, mas evoluíram para lados completamente opostos.
O Open Finance e o salto brasileiro dos últimos anos
Do ponto de vista da infraestrutura tecnológica, o Brasil já vinha muito na frente — tanto é que trouxe a instantaneidade, de fato, com o Pix. Chegou, então, a hora de se abrir para mais inovação: arranjar espaço para as fintechs aparecerem e oferecerem novas soluções.
De uma postura focada em concentrar o mercado, o Banco Central passou a se posicionar como um grande propulsor de inovação: o movimento de Open Finance. E, como toda a estrutura atual é baseada em ‘one size fits all’, a grande oportunidade passou a ser a personalização de serviços e a criação de soluções segmentadas.
Enquanto que, em solo norte-americano, os drivers de soluções personalizadas e setoriais são os próprios bancos mesmo. As soluções segmentadas já existem, embora em sua maioria arcaicas, offline e, por vezes, verticalizadas, não há tanto espaço para inovação — talvez melhorias de UX.
O mindset norte-americano é, por vezes, a frase “If it ain’t broken, don’t fix it” (se não está quebrado, não conserte). Então se não existe um problema financeiro para ser resolvido, dificilmente alguém precisa de fintechs de soluções financeiras por lá. Claro, é importante falar que não é que não existam fintechs por aqui. O ponto é o quanto a evolução de ambos os sistemas financeiros foi completamente distinta.
É algo a se refletir bastante, especialmente quando estamos em um momento tão interessante de compartilhamento global de insights e tecnologia — e não só em eventos como o SXSW, mas na mente de todo o empreendedor. São ambos cenários férteis para estudar e elaborar novos serviços.
*Arthur Silveira é Chief Product Officer (CPO) da Slice, que constrói sistemas operacionais do dinheiro que conectam e orquestram pagamentos, banking e cartões para empoderar negócios em expansão
As opiniões neste espaço refletem a visão de founders, especialistas e executivo(a)s de mercado. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações apresentadas pelo(a) autor(a) do texto.
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