Algumas das principais entidades do setor financeiro elogiaram a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao chamado marco legal das garantias, a Lei 14.711, publicada nesta terça-feira (31) no Diário Oficial da União. No entanto, as associações questionam o veto de Lula ao trecho que permitia a apreensão de veículos sem autorização judicial. Já o governo argumenta que a iniciativa seria inconstitucional.
De autoria do senador Weverton Rocha (PDT-MA), a nova lei visa reduzir os custos das operações de crédito ao permitir, por exemplo, que um mesmo bem possa ser usado como garantia em mais de um pedido de empréstimo. A proposta surgiu em 2021, passou pelo Senado em julho passado e, em outubro, na Câmara.
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), elogiou a aprovação da nova lei. “O marco de garantia faz o Brasil andar algumas casas importantes na esteira de um arcabouço regulatório moderno e que permita uma rápida e eficiente identificação, constituição, acompanhamento e execução das garantias”, disse.
Avanço
De acordo com a Febraban, houve um “grande avanço” envolvendo as garantias imobiliárias, “já que na medida em que o imóvel poderá ser dado em garantia em mais de uma operação de crédito, com o mesmo credor ou credor distinto, permitindo, dessa forma, ao tomador do crédito acesso a financiamentos em condições de taxas mais acessíveis.”
Ainda, diz que “embora com menor eficácia”, traz avanços importantes no fluxo de cobrança de empréstimos ao consolidar no credor a transferência da propriedade do carro, sem precisar de intervenção judicial. E destaca que o credor poderá, em caso de inadimplência, vender o veículo para terceiros, como investidores, securitizadoras ou fundos.
Já a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) diz que o marco garantias traz “avanços importantes” para o mercado de crédito do país. “É um importante avanço do arcabouço regulatório moderno. Ele amplia o mercado de crédito e permite celeridade de execução das garantias”, afirma a Acrefi, em nota. “Além de melhorar a concessão, há também uma tendência natural de redução de juros”, diz o presidente da associação, Tadeu Silva.
Na avaliação de Carlos Augusto de Oliveira, diretor-executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), a lei por si só traz uma “flexibilidade e maior simplificação para operações de garantias reais”. Assim, favorece “o crescimento desta modalidade que oferece condições bem mais favoráveis de preço e prazo para os devedores, facilitando o acesso ao crédito especialmente para a população de baixa renda”, afirma ele, em nota.
Por outro lado…
Os vetos do presidente, contudo, não repercutiram bem entre as entidades do setor. Para a Febraban, uma eventual mudança no posicionamento do governo poderá acarretar em redução de custos de empréstimos. “Para tornar o processo ainda mais eficiente e menos custoso, o que permitirá a redução mais acentuada nas taxas de juros ao consumidor, será importante o retorno da parte do projeto que permitia a retomada do bem por meio de mandados extrajudiciais”, defende a entidade.
De cada 100 empréstimos não pagos, apenas 20% dos veículos são recuperados, argumenta a Febraban. Na visão da entidade, isso teria levado a uma estagnação do saldo da carteira envolvendo empréstimos de veículos em 2,5%, ante 10% da carteira imobiliária.
“Além dos aspectos econômicos e sociais relacionados ao custo do crédito e seu impacto na produtividade, o aspecto jurídico também deve ser observado, pois a desburocratização resguarda o direito de qualquer parte recorrer ao processo judicial, em qualquer etapa que se sentir lesada”, diz a Acrefi.
Para Carlos Augusto, da ABFintechs, o tema foi “mal comunicado” e com a estruturação “pouco detalhada”, assim como das contínuas oportunidades de regularização da dívida antes da eventual retomada, “dando uma interpretação equivocada de que poderia ser algo arbitrário e sem seguir os ritos processuais adequados”.
“Acreditamos que o assunto deve ser melhor pacificado através de uma nova redação do legislativo, contemplando as preocupações dos agentes para levar o benefício pretendido deste tipo de operação para a sociedade”, diz.
Governo diz que medida é inconstitucional
“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, visto que os dispositivos, ao criarem uma modalidade extrajudicial de busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente em garantia, acabaria por permitir a realização dessa medida coercitiva pelos tabelionatos de registro de títulos e documentos, sem que haja ordem judicial para tanto, o que violaria a cláusula de reserva de jurisdição e, ainda, poderia criar risco a direitos e garantias individuais”, justificou o governo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a lei deve facilitar a execução de garantias entre os credores. “A emissão na posse vai depender de uma autorização judicial, mas só na última etapa. O presidente ficou inseguro sobre abuso. Mas concorda que precisamos por ordem no sistema de crédito para que a taxa de inadimplência possa cair, e o spread, que é muito alto, possa cair”, disse o ministro.
O veto presidencial ainda passará por análise em sessão conjunta no Congresso. Deputados e senadores, então, poderão manter ou derrubar o que foi retirado da lei por Lula.
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