Por Luísa Soares*, para o Finsiders
Por conta das disparidades sociais, vivemos um grande paradoxo. Enquanto há cerca de estimados 16% da população adulta de desbancarizados no Brasil, em sua maioria mulheres e negros — índice que embora pareça alto apenas foi atingido recentemente com o advento dos ‘neobanks’ — no outro extremo temos uma parcela menor ainda da população discutindo temas inovadores. Entre eles, estão: criptomoedas, Drex, blockchain e tokenização.
Ocorre que o sucesso de temas como esses e a revolução financeira que está por vir dependem do quanto pessoas com baixo grau de instrução, parte delas sem qualquer educação financeira e acesso aos produtos financeiros, irão entender sobre o funcionamento do “novo mercado financeiro”.
Um tema central é o Open Finance, resultado da inversão de perspectiva sobre titularidade dos dados dos usuários, cuja relevância fica ainda maior frente aos recentes avanços em inteligência artificial (IA). Assim, o Open Finance permite que os usuários determinem com quais instituições seus dados históricos serão compartilhados, para que quaisquer outras instituições possam ofertar crédito em condições benéficas. Isso representa um avanço relevante do ponto de vista concorrencial e do barateamento de crédito.
Com a ‘fintechzação’ do mercado, inúmeras startups e até instituições financeiras passaram a oferecer o chamado banking as a service (BaaS). O modelo possibilita que empresas de qualquer setor possam ofertar serviços financeiros aos seus clientes. Dessa forma, criam uma nova linha de receitas e alavancam seus faturamentos mediante formas de pagamento facilitadas.
Frente às dificuldades de fluxo de caixa que pessoas físicas e pequenos empresários enfrentam, o Brasil é um país avançado em ‘buy now, pay later’ (BNPL). Temos a jabuticaba do ‘parcelamento sem juros’ que está sendo tão debatido em conjunto com os juros do rotativo de cartão. É até difícil explicar para estrangeiros como este mecanismo funciona.
Educação financeira
Em um país com questões sociais graves, facilitar acesso ao crédito parece sempre algo vantajoso para a população. No entanto, essa afirmação desconsidera a falta de educação financeira. Disponibilizar diversas linhas de crédito, cartões de crédito e formas de pagamento parceladas para pessoas que não tiveram acesso à educação financeira representa um risco sistêmico para o mercado e, principalmente, para a população.
O Banco Central (BC) tem feito um trabalho primoroso com sua Agenda BC# no tocante à promoção da concorrência e da inovação. O Pix, por exemplo, é tratado pelo próprio criador como medida de política pública. Entretanto, as pautas de educação e inclusão não estão tendo a mesma eficácia ou ao menos não acompanhando o mesmo ritmo.
Assim como o BC atribui às entidades reguladas inúmeras responsabilidades de prevenção à lavagem de dinheiro, gestão de riscos e segurança cibernética, talvez devesse também compartilhar obrigações de disseminação de educação financeira, contendo regras objetivas e metas. Até porque a falta de conhecimento da população acarreta riscos a todos, inclusive ao mercado financeiro, encarecendo o crédito.
Inclusão ou exclusão financeira?
Não é à toa que escolas e universidades incluíram educação financeira em suas grades de disciplinas. Algumas entidades reguladas com maior responsabilidade social criaram podcasts, blogs, dentre outras medidas de disseminação de conhecimento. Porém, é exceção, e não a regra, como deveria ser.
Inovações como criptomoedas, moedas digitais (Drex), blockchain e tokenização prometem viabilizar o “novo mercado financeiro”, em especial transações “cross-border” ou entre diferentes países, facilitando celebração de contratos, entregas de mercadorias, liberações de pagamentos, as chamadas de “delivery versus purchase”. Por sua vez, elas serão impulsionadas pelo desenvolvimento da internet das coisas (IoT, na sigla em inglês). Além disso, será possível fazer cessão secundária de ativos, divisão ou agrupamento de garantias, o que significará algo semelhante aos resseguros.
Portanto, a provocação que se coloca é como assegurar que referidas inovações representarão inclusão ao invés de exclusão financeira? Em outras palavras, que a tecnologia seja vetor de redução de desigualdades sociais e não crie “analfabetos financeiros”.
*Luísa Soares é advogada, filósofa e responsável pelo jurídico da fintech Marvin, que possibilita negociações com o saldo das “maquininhas”.
Leia também:
O dilema da personalização de produtos financeiros
As principais tendências para fintechs latinas, na visão da Latitud
O papel do Open Finance para a inclusão financeira na América Latina