O dilema da personalização de produtos financeiros

A personalização excessiva pode levar à segmentação e à exclusão de certos grupos sociais, escreve Rogério Melfi

Por Rogério Melfi*
A sociedade é composta por seres únicos, cada um com suas próprias características, experiências e necessidades. Ao mesmo tempo, vivemos em uma coletividade, em que as interações sociais, as normas culturais e as estruturas sociais moldam nossas vidas. Então, essa dualidade entre o indivíduo e a sociedade gera um dilema interessante quando se trata da personalização de produtos financeiros com base em dados e comportamentos.

Nos últimos tempos, por exemplo, tenho visto uma tendência crescente em oferecer produtos financeiros personalizados, como investimentos, seguros e empréstimos, com base em dados detalhados e comportamentos do indivíduo. Nesse ponto, já considero que todos os dados coletados atendem às normas da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Assim, essa abordagem busca atender às necessidades específicas de cada pessoa, levando em consideração suas preferências, histórico financeiro e comportamentos anteriores. Contudo, essa abordagem individualizada pode levantar questões sociais importantes.

Um dos principais argumentos a favor da personalização de produtos financeiros é que ela pode levar a melhores resultados financeiros para os indivíduos. Ao analisar os dados financeiros de uma pessoa e adaptar os produtos às suas necessidades específicas, é possível oferecer soluções mais adequadas, como investimentos com maior potencial de retorno dentro do perfil de risco, seguros mais abrangentes ou empréstimos com taxas de juros mais baixas. Isso pode levar, portanto, a uma maior satisfação do cliente e a uma maior fidelidade à marca.

Riscos da personalização excessiva

No entanto, temos que ficar atentos, pois a personalização excessiva pode levar à segmentação e à exclusão de certos grupos sociais. Quando os produtos financeiros são personalizados com base em dados individuais, pode haver o risco de discriminação e exclusão de pessoas menos privilegiados. Nesse grupo, estão aqueles com menor histórico financeiro, menor acesso a crédito ou menor conhecimento financeiro. Isso pode perpetuar desigualdades sociais e econômicas, em vez de promover uma sociedade mais justa e inclusiva.

Além disso, a abordagem individualizada pode negligenciar a importância dos aspectos sociais e coletivos da vida financeira. O ser humano é um ser social que vive em comunidades interconectadas, onde as relações sociais, as normas culturais e as estruturas sociais influenciam nossas escolhas e comportamentos financeiros. Nesse sentido, a abordagem excessivamente individual pode ignorar esses aspectos, desconsiderando a influência do ambiente social e coletivo na vida financeira dos indivíduos.

Ou seja, se a criação do serviço ou produto financeiro tiver uma abordagem mais coletiva, tende a beneficiar a sociedade como um todo, em vez de se concentrar apenas nas necessidades individuais.

Grupos e comunidades

Isso pode envolver o desenvolvimento de políticas financeiras que promovam a igualdade e a inclusão, a consideração das necessidades de grupos marginalizados e a promoção de investimentos e empréstimos que beneficiem a comunidade em geral.

Por exemplo, em vez de personalizar produtos financeiros com base em dados individuais, as instituições financeiras podem considerar a criação de mais produtos que atendam às necessidades de grupos específicos, como pequenos agricultores, empreendedores sociais ou comunidades de baixa renda. Isso pode contribuir para o desenvolvimento econômico local, a criação de empregos e a promoção da sustentabilidade ambiental.

Em algumas culturas, a poupança em grupo é uma prática comum, na qual os membros de uma comunidade se reúnem para poupar e investir coletivamente. Nesses casos, a personalização excessiva de produtos financeiros pode não ser a abordagem mais adequada, uma vez que pode não estar alinhada com as normas culturais e sociais dessa comunidade.

Educação financeira

Outro aspecto importante é a educação financeira. Ao invés de simplesmente personalizar produtos financeiros, uma abordagem mais coletiva pode focar na educação financeira dos indivíduos e comunidades, promovendo o entendimento dos princípios básicos de finanças pessoais e investimentos. Assim, poderão tomar decisões informadas e responsáveis em suas vidas financeiras.

Embora a personalização possa ter benefícios em termos de satisfação do cliente e melhores resultados financeiros para os indivíduos, também levanta preocupações sobre privacidade, exclusão e a negligência dos aspectos sociais e coletivos da vida financeira. Por isso, a LGPD é essencial de ser considerada em todo esse cenário.

Uma abordagem mais coletiva, que leve em consideração as necessidades da sociedade como um todo, as normas culturais e sociais e a educação financeira, pode ser uma alternativa mais equitativa e inclusiva. É importante buscar um equilíbrio entre a personalização e a consideração dos aspectos sociais e coletivos da vida financeira, para promover uma sociedade financeiramente justa e sustentável.

*Rogério Melfi é membro da curadoria de eventos e comunicação da ABFintechs

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